Vai a empresa, ficam os impostos: a responsabilidade tributária na dissolução e na sucessão empresarial
Quando uma sociedade empresária chega ao fim, ou quando a empresa passa para o controle de outros sócios, essas modificações do estado da pessoa jurídica não são motivo para que o fisco deixe de cobrar os débitos tributários pendentes. A legislação brasileira traz definições sobre a responsabilidade tributária em casos de sucessão ou de dissolução. O artigo 133 do Código Tributário Nacional (CTN), por exemplo, estipula que quem adquire um negócio e continua a explorá-lo, mesmo que mude a razão social, fica responsável pelos tributos anteriormente constituídos.
A sucessão empresarial, no entanto, não está necessariamente vinculada a algum ato formal de transferência de bens, direitos e obrigações para uma nova sociedade. Segundo o ministro Luís Felipe Salomão, admite-se sua presunção "quando os elementos indiquem que houve o prosseguimento na exploração da mesma atividade econômica, no mesmo endereço e com o mesmo objeto social" (REsp 1.837.435).
Encerramento
irregular leva à execução contra o sócio-gerente
Em relação à dissolução da
sociedade, uma das principais discussões na jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) gira em torno da responsabilidade diante da execução fiscal
quando o encerramento das atividades foi irregular.
Sobre esse tema, o tribunal
editou a Súmula 435, que pressupõe a dissolução irregular quando a pessoa jurídica deixa de
operar ou muda de endereço e não comunica o fato à administração pública.
Para o ministro Mauro Campbell
Marques, relator do Tema 630 dos
recursos repetitivos, esse entendimento da corte considera que a configuração da dissolução
irregular da empresa é o bastante para permitir o redirecionamento da execução
fiscal contra o sócio-gerente.
É obrigação
dos gestores das empresas manter atualizados os respectivos cadastros,
incluindo os atos relativos à mudança de endereço dos estabelecimentos e,
especialmente, referentes à dissolução da sociedade. A regularidade desses
registros é exigida para que se demonstre que a sociedade dissolveu-se de forma
regular.
REsp 1.371.128
Ministro
Mauro Campbell Marques
A seguir, são apresentadas
algumas das posições recentes do STJ em controvérsias jurídicas que envolvem a
responsabilidade tributária na sucessão e na dissolução empresarial.
Quem
responde por dívida tributária de empresa encerrada irregularmente
Sob a relatoria da ministra
Assusete Magalhães (aposentada), a Primeira Seção estabeleceu duas teses em
recursos repetitivos sobre a maneira como a Fazenda Pública pode redirecionar a
execução fiscal contra sócios e administradores de empresas que foram
encerradas de forma irregular e deixaram obrigações tributárias sem pagamento.
No Tema 981, o
colegiado definiu, por maioria de votos, que o redirecionamento da execução
pode atingir quem tinha poder de administração na data do encerramento
irregular, independentemente da data do fato gerador do tributo.
A tese ficou com a seguinte
redação: "O redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na
dissolução irregular da pessoa jurídica executada ou na presunção de sua
ocorrência, pode ser autorizado contra o sócio ou o terceiro não sócio, com
poderes de administração na data em que configurada ou presumida a dissolução
irregular, ainda que não tenha exercido poderes de gerência quando ocorrido o
fato gerador do tributo não adimplido, conforme artigo 135, III, do CTN."
Em um dos processos analisados (REsp 1.645.333), a
Fazenda Nacional recorreu de acórdão do
Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) que indeferiu o pedido para
inclusão de um sócio no polo passivo da execução fiscal. No caso, ele havia
entrado no quadro social após o fato gerador do tributo não pago, mas detinha
poderes de administração no momento de sua presumida dissolução irregular.
Tese
firmada pela Primeira Seção teve divergência entre turmas julgadoras
A discussão teve como ponto
central uma divergência entre as turmas de direito público do STJ. A Primeira
Turma entendia que o sócio ou administrador não poderia responder pessoalmente
pelo tributo se tivesse ingressado na empresa apenas depois do fato gerador.
A posição vencedora, entretanto,
foi a adotada pela Segunda Turma, que, ao julgar o REsp 1.520.257, de
relatoria do ministro Og Fernandes, condicionou a responsabilização pessoal do
sócio-gerente a um único requisito: estar na administração da pessoa jurídica
executada no momento de sua dissolução irregular ou da prática de ato que faça
presumir a dissolução irregular.
Na medida em que a hipótese que desencadeia a responsabilidade tributária é a infração à lei, evidenciada pela dissolução irregular da pessoa jurídica executada, revela-se indiferente o fato de o sócio-gerente responsável pela dissolução irregular não estar na administração da pessoa jurídica à época do fato gerador do tributo inadimplido.
REsp 1.645.333
Ministra
Assusete Magalhães
Redirecionamento da execução a sócio que deixou a empresa de forma regular
Diferentemente do Tema 981, não
houve divergência entre os integrantes da Primeira Seção no julgamento do Tema 962, no qual o
colegiado definiu que o redirecionamento da execução fiscal só pode ocorrer em
relação aos sócios ou administradores que seguiram na empresa após o fato
gerador do tributo.
Dessa forma, aqueles que
integravam a empresa no momento do fato gerador, mas se afastaram dela
regularmente antes da dissolução irregular, não estão sujeitos à execução.
A tese teve a seguinte redação:
"O redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução
irregular da pessoa jurídica executada ou na presunção de sua ocorrência, não
pode ser autorizado contra o sócio ou o terceiro não sócio que, embora
exercesse poderes de gerência ao tempo do fato gerador, sem incorrer em prática
de atos com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou aos
estatutos, dela regularmente se retirou e não deu causa à sua posterior
dissolução irregular, conforme o artigo 135, III, do CTN".
Com esse entendimento, a
Primeira Seção negou a pretensão da Fazenda Nacional, que defendia o
redirecionamento da execução contra sócio que exercia a gerência ao tempo do
fato gerador do tributo, mas se retirou antes da dissolução irregular (REsp 1.377.019).
Assusete Magalhães explicou que
a Súmula 430 do STJ deixa claro que a simples falta de pagamento do tributo não
gera a responsabilidade subsidiária do sócio, prevista no artigo 135 do CTN.
De acordo com a magistrada, é indispensável, para tanto, que ele tenha
agido com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato ou ao estatuto da
empresa (Tema 97).
Baixa de
micro e pequenas empresas não impede execução contra sócio
Em relação às micro e pequenas
empresas com cadastro baixado na Receita Federal – ainda que sem a emissão de
certificado de regularidade fiscal –, a Segunda Turma entendeu que é possível a
responsabilização pessoal dos sócios pelos tributos não pagos, nos termos
do artigo 134, inciso VII, do CTN.
A partir desse entendimento, o
colegiado reformou acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que, em execução
de dívida ativa, confirmou a sentença de
extinção do processo após verificar que a microempresa já tinha situação
cadastral baixada na Receita antes do ajuizamento da ação (REsp 1.876.549).
Para o relator do caso, ministro
Mauro Campbell Marques, a situação dos autos não configurava dissolução
irregular – hipótese que atrairia a aplicação do artigo 135 do CTN –, tendo em
vista que a legislação aplicável às micro e pequenas empresas prevê a possibilidade
de dissolução regular sem a apresentação da certidão de regularidade fiscal.
Segundo o ministro, o
próprio artigo 9º, parágrafos 4º e 5º,
da Lei Complementar 123/2006, ao tratar da baixa do ato constitutivo
da sociedade, esclareceu que esse ato não implica extinção das obrigações
tributárias, nem afasta a responsabilidade dos sócios, "aproximando o caso
ao insculpido no artigo 134, inciso VII, do CTN". Com esse entendimento, o
relator deu provimento ao recurso e determinou a inclusão do sócio-gerente da
microempresa no polo passivo da execução.
Execução
fiscal pode ser redirecionada em caso de incorporação não informada
Por unanimidade, no julgamento
do REsp 1.848.993, sob
o rito dos repetitivos, a Primeira Seção entendeu que, se a sucessão empresarial por
incorporação não foi informada ao fisco, a execução de crédito tributário
anterior lançado para a empresa sucedida pode ser redirecionada para a
sociedade incorporadora sem a necessidade de alteração da Certidão de Dívida
Ativa (CDA).
O Tema 1.049 teve
a seguinte redação: "A execução fiscal pode ser redirecionada em desfavor
da empresa sucessora para cobrança de crédito tributário relativo a fato
gerador ocorrido posteriormente à incorporação empresarial e ainda lançado em
nome da sucedida, sem a necessidade de modificação da CDA, quando verificado
que esse negócio jurídico não foi informado oportunamente ao fisco".
Para o relator, ministro Gurgel
de Faria, a interpretação conjunta dos artigos 1.118 do
Código Civil e 123 do CTN
revela que o negócio jurídico que leva à extinção da pessoa jurídica por
incorporação empresarial tem efeito na esfera tributária somente após a
comunicação ao fisco. Isso porque, segundo o magistrado, é depois desse ato que
a administração tributária saberá da modificação do sujeito passivo e poderá
fazer novos lançamentos em nome da empresa incorporadora, além de cobrar dela –
sucessora – os créditos já constituídos.
Se a
incorporação não foi oportunamente informada, é de se considerar válido o
lançamento realizado contra a contribuinte original que veio a ser incorporada,
não havendo a necessidade de modificação desse ato administrativo para fazer
constar o nome da empresa incorporadora, sob pena de permitir que esta última
se beneficie de sua própria omissão.
REsp 1.848.993
Ministro
Gurgel de Faria
Por outro lado, Gurgel de Faria
observou que, caso a sucessão tenha sido comunicada ao fisco antes do fato
gerador, devem ser reconhecidas a nulidade do lançamento equivocado feito em
nome da empresa extinta (incorporada) e também a impossibilidade de modificação
do sujeito passivo no âmbito da execução fiscal, sendo vedada a substituição da
CDA para esse propósito, como prevê a Súmula 392 do
STJ.
Desconsideração
de personalidade jurídica e sucessão empresarial
Em maio de 2019, ao julgar
o REsp 1.786.311, a
Segunda Turma decidiu que é dispensável o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica para o redirecionamento da execução fiscal na sucessão
de empresas, quando há configuração de grupo econômico de fato – aquele que,
sem um acordo formal, atua sob a influência de uma mesma sociedade – e em
confusão patrimonial.
Na origem do caso, a Justiça
incluiu a empresa recorrente no polo passivo de uma execução fiscal, em razão
da ocorrência de sucessão empresarial por aquisição do fundo de comércio da
empresa sucedida. Mantida a decisão em segundo grau, a empresa recorreu ao STJ
alegando, entre outras questões, que o tribunal local deveria ter instaurado o
incidente de desconsideração da personalidade jurídica para estabelecer o
contraditório sobre a sucessão de empresas.
O ministro Francisco Falcão,
relator do recurso, lembrou que a utilização desse instituto na execução de
título executivo extrajudicial – prevista no artigo 134 do Código de
Processo Civil (CPC) – não deve ser reproduzida na execução
fiscal, devido às incompatibilidades entre o regime geral do CPC e a Lei de Execuções Fiscais (Lei
6.830/1980).
Imputação
de responsabilidade tributária pessoal e direta por ato ilícito
A partir desse entendimento, o
magistrado afirmou que o julgador pode determinar diretamente o
redirecionamento da execução fiscal para responsabilizar a sociedade na
sucessão empresarial, nas situações previstas nos artigos 124, 133 e 135 do
CTN. Com isso, não se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando
a Fazenda cobra a dívida de administradores, diretores, sócios ou outras
empresas em caso de liquidação da sociedade, determinação legal expressa,
interesse comum no fato gerador do tributo, excesso de poderes ou infração de
lei, contrato ou estatuto.
"Seria contraditório
afastar a instauração do incidente para atingir os sócios-administradores
(artigo 135, III, do CTN), mas exigi-la para mirar pessoas jurídicas que
constituem grupos econômicos para blindar o patrimônio em comum, sendo que, nas
duas hipóteses, há responsabilidade por atuação irregular, em descumprimento
das obrigações tributárias, não havendo que se falar em desconsideração da
personalidade jurídica, mas sim de imputação de responsabilidade tributária
pessoal e direta pelo ilícito", destacou Francisco Falcão ao rejeitar
o recurso especial.
Leia também: Em
caso de incorporação não informada, execução fiscal pode ser redirecionada sem
alteração da CDA
Leia também:
Baixa
de micro e pequenas empresas não impede que sócios respondam por seus débitos
tributários
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1837435REsp
1371128REsp
1645333REsp
1520257REsp
1377019REsp
1876549REsp
1848993REsp
1786311.
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