“O poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades.” (ARENDT, Hannah Condição Humana, 2007, p. 212)

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Perda da função implica em banimento de qualquer cargo público, diz STJ

 


Por Danilo Vital

A condenação à perda do cargo em casos de improbidade administrativa não atinge apenas a função ocupada durante o cometimento dos atos ilegais. Em vez disso, implica em perda de direito de ocupar cargo público, tendo como função banir da administração o agente ímprobo a partir do trânsito em julgado da ação condenatória.

Ministro Herman Benjamin classificou punição como repelente  para eventuais cargos públicos que possam ser ocupados 
Sergio Amaral

Com esse entendimento, a 1ª Seção

do Superior Tribunal de Justiça negou provimento a embargos de divergência e uniformizou o entendimento da matéria no âmbito das turmas que julgam Direito Público na corte.

Prevaleceu a jurisprudência da 2ª Turma, já pacífica e de onde saiu o acórdão contestado em embargos. A ideia é que a sanção prevista no artigo 12 da Lei 8.429/92 visa a afetar o vínculo jurídico que o agente mantém com a administração pública, seja qual for sua natureza.

Na 1ª Turma, o entendimento era outro, e por maioria: o de que a sanção só valeria para o cargo ocupado quando do cometimento do crime. Assim, se o agente ímprobo mudasse de cargo na administração pública, não poderia ser punido por atos não relacionados à nova função.

Foi o que manifestou os ministros Gurgel de Faria, relator dos embargos de divergência, e Napoleão Nunes Maia, que ficaram vencidos. Compõe a maioria nessa matéria, na 1ª Turma, o ministro Benedito Gonçalves, que não votou nesta quarta-feira (9/9) porque é o presidente da 1ª Seção.

Banimento
Prevaleceu a divergência inaugurada pelo ministro Francisco Falcão, segundo a qual a perda de cargo é aplicável à função exercida pelo agente público no momento do trânsito em julgado da ação. Ele foi seguido pelos ministros Herman Benjamin, Regina Helena Costa, Og Fernandes, Mauro Campbell, Assusete Magalhães e Sérgio Kukina.

Para ministra Regina, improbidade é administrativa, não do cargo, por isso deve atingir qualquer função exercida 
STJ

O entendimento é que a improbidade não está ligada ao cargo, mas à atuação na administração pública. Durante os debates, ministros que aderiram à divergência encaparam a ideia de que o agente ímprobo deve ser banido da administração, sendo esse o sentido da reprimenda pela lei.

“É a improbidade em si quase como um repelente para eventuais cargos públicos que possam ser ocupados”, exemplificou o ministro Herman Benjamin. “O conceito não é de improbidade no cargo, mas na administração, na atuação no âmbito de qualquer esfera administrativa e em qualquer cargo”, concordou a ministra Regina Helena Costa.

Já a ministra Assusete destacou que a interpretação da norma deve ser feita de acordo com a sua finalidade. Condicionar a perda da função ao cargo ocupado na época do ilícito tornaria a lei potencialmente inócua.

Voto vencido
Ao votar vencido, o relator, ministro Gurgel de Faria, defendeu que as normas que descrevem infrações administrativas e culminam em penalidade constituem matéria de legalidade estrita, não podendo sofrer interpretação extensiva.

Ministro Gurgel ficou vencido ao entender que não caberia ao STJ dar interpretação extensiva em norma de direito sancionador 
STJ

“A subsistir entendimento mais rigoroso, ficaria o agente público ímprobo, inclusive os que fizeram novos concursos públicos, com uma espada sobre suas cabeças até a hora do trânsito em julgado, de modo a alcançar todo e qualquer cargo ocupado, implicando no banimento do servidor do serviço público, mesmo que tenha refeito sua vida em outra carreira”, destacou.

Para o relator, essa posição viola o princípio da proporcionalidade, descabendo ao STJ fazer interpretação de forma tão ampla. Destacou ainda que essa postura é mais gravosa do que a aplicada pelas turmas que julgam Direito Penal e pela Corte Especial, ao analisar hipótese de crime contra a administração pública.

“Não desconheço a independência entre as instâncias cível e penal, mas as infrações na seara penal são, em regra, mais gravosas. Se no âmbito criminal o STJ reconhece a impossibilidade de alcançar cargo diverso, tenho dificuldade para, à míngua de lei, autorizar perda de todo e qualquer cargo”, afirmou.

“Penso que não é compatível com o pensamento judicial adotar-se esse tipo de radicalismo”, concordou o ministro Napoleão Nunes Maia.

Sobre o tema, a ministra Regina Helena Costa fez considerações. Apontou que na instância criminal a perda do cargo é efeito secundário e tem caráter preventivo. Não é pena, nem sanção. Já na improbidade administrativa, o caráter é repressivo.

Segundo ministro Napoleão, não é compatível com o pensamento judicial adotar-se esse tipo de radicalismo 
STJ

Caso concreto
O caso trata de ação por improbidade administrativa cometida por dois policiais que usaram veículo oficial para rodar cerca de 80 km até Ituporanga (SC), onde forma a show musical e consumiram bebidas alcoólicas. Ao final da noite, fizeram sete disparos com arma de fogo sem qualquer motivo aparente, segundo os autos. Os projéteis atingiram uma residência e mataram uma criança.

Um dos condenados perdeu o cargo de policial. O outro prestou concurso e foi aprovado para integrar a Defensoria Pública antes do trânsito em julgado da ação. Se prevalecesse o entendimento majoritário da 1ª Turma, poderia manter a função.

EREsp 1.701.967

 é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

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