Dano moral indireto: quem pode pedir reparação por morte ou por ofensa a um ente querido?
ESPECIAL
14/04/2019 06:51
Quando
a morte resulta de uma conduta ilícita, a legislação brasileira impõe a
obrigação de reparar o sofrimento causado aos familiares. É o chamado dano
moral indireto, reflexo ou por ricochete. A mesma previsão vale para os casos
em que alguém é ofendido e essa situação provoca grande abalo em pessoas muito
próximas.
De
acordo com os artigos 186 e 187 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – que
institui o Código Civil –, comete ato ilícito aquele que por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência, viola direito e causa dano a outrem,
ainda que exclusivamente moral. Também comete ato ilícito o titular de um
direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu
fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Danos e legitimados
Segundo
o ordenamento jurídico brasileiro, os danos podem ser morais, materiais ou
estéticos. Com frequência, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julga recursos
envolvendo pedidos de danos morais em casos de morte ou ofensa a ente querido,
e um tema relevante nesses processos é a legitimidade para propor a ação.
A
jurisprudência do STJ tem considerado como parte legítima da demanda
reparatória qualquer parente em linha reta ou colateral até o quarto grau,
conforme destacado no voto proferido pelo desembargador convocado Lázaro
Guimarães no AREsp 1.290.597.
Um
exemplo antigo desse entendimento foi o julgamento do REsp 239.009,
de relatoria do ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, em que foi reconhecida
a legitimidade dos sobrinhos para requerer indenização por danos morais pela
morte do tio que vivia sob o mesmo teto.
“A
vítima era o filho mais velho e residia em companhia dos pais, irmãos e
sobrinhos. Tais fatos, a meu ver, seriam suficientes por si só para caracterizar
a dor sofrida pelos autores”, disse o relator.
Múltiplos arranjos
Entretanto,
o ministro Luis Felipe Salomão, ao relatar o REsp 1.076.160,
ressaltou a necessidade de o juiz considerar o caso concreto na análise do
direito à indenização, dada a existência de diversificados arranjos familiares.
“Cumpre
realçar que o direito à indenização, diante de peculiaridades do caso concreto,
pode estar aberto aos mais diversificados arranjos familiares, devendo o juiz
avaliar se as particularidades de cada família nuclear justificam o alargamento
a outros sujeitos que nela se inserem; assim também, em cada hipótese a ser
julgada, o prudente arbítrio do julgador avaliará o total da indenização para o
núcleo familiar, sem excluir os diversos legitimados indicados”, afirmou
Salomão.
No
julgamento do REsp 865.363,o
ministro Aldir Passarinho Junior, apesar de aplicar a Súmula 7,
reconheceu a possibilidade de pagamento de indenização à sogra de uma vítima de
acidente de trânsito. “O de cujus residia com
sua sogra, na residência da mesma, e era ela quem cuidava dos netos, daí a
particularidade da situação a, excepcionalmente, levar ao reconhecimento do
dano moral em favor da primeira autora”, ponderou o magistrado.
Limitações
Também
no REsp 1.076.160, o ministro Luis Felipe Salomão afirmou que nesse tipo de
reparação deve haver limitações tanto em relação ao número de ações
relacionadas a um mesmo evento quanto em relação ao valor cobrado do
responsável pelo dano.
“Conceder
legitimidade ampla e irrestrita a todos aqueles que, de alguma forma,
suportaram a dor da perda de alguém – como um sem-número de pessoas que se
encontram fora do núcleo familiar da vítima – significa impor ao obrigado um
dever também ilimitado de reparar um dano cuja extensão será sempre
desproporcional ao ato causador. Ao reverso, quando se limitam os legitimados a
pleitear a indenização por dano moral (limitação subjetiva), há também uma
limitação na indenização global a ser paga pelo ofensor”, afirmou.
No caso
analisado, o relator não reconheceu ao noivo o direito de ser indenizado pela
morte de sua noiva, que faleceu alguns dias após ser arremessada para fora de
transporte coletivo e sofrer traumatismo craniano.
“O dano
por ricochete a pessoas não pertencentes ao núcleo familiar da vítima direta da
morte, de regra, deve ser considerado como não inserido nos desdobramentos
lógicos e causais do ato, seja na responsabilidade por culpa, seja na objetiva,
porque extrapola os efeitos razoavelmente imputáveis à conduta do agente”,
fundamentou Salomão.
Comprovação de afetividade
No
julgamento do REsp 1.291.845,
também de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, a Quarta Turma manteve
condenação da VRG Linhas Aéreas (sucessora da Gol Transportes Aéreos) ao
pagamento de indenização a irmã de vítima do acidente aéreo envolvendo o avião
Boeing 737-800 que vitimou 154 pessoas, em 2006.
Em sua
defesa, a companhia aérea alegou que a irmã e a vítima eram irmãos apenas “por
parte de pai” e que residiam em cidades diferentes. Logo, não se poderia
presumir a existência de vínculo de amizade ou afeição, muito menos de amor
entre os dois.
A turma
não acolheu a alegação e entendeu que não é necessário que se comprove a
afetividade para pleitear indenização por danos morais reflexos. Além disso, o
colegiado considerou o fato de a irmã ser a única herdeira do falecido, já que
ele não tinha descendentes, o pai era pré-morto e a mãe também foi vítima do
acidente aéreo.
“O fato
de a autora ser irmã unilateral e residir em cidade diferente daquela do
falecido, por si só, não se mostra apto para modificar a condenação, uma vez
que eventual investigação acerca do real afeto existente entre os irmãos não
ultrapassa a esfera das meras elucubrações”, concluiu o relator.
Filho com família própria
Ao
julgar o REsp 1.095.762,
a Quarta Turma entendeu que os ascendentes têm legitimidade para requerer
indenização por danos morais indiretos pela morte de filho, ainda que este já
fosse maior e tivesse família própria constituída, “o que deve ser balizado
apenas pelo valor global da indenização devida, ou seja, pela limitação
quantitativa da indenização”.
A
relatoria foi do ministro Luis Felipe Salomão, que destacou que, apesar da tese
definida pelo colegiado no já citado REsp 1.076.160 – segundo a qual, em regra,
a legitimação para a propositura de ação de indenização por dano moral em razão
de morte deve alinhar-se, com as devidas adaptações, à ordem de vocação
hereditária –, nesse caso deve-se considerar “o poderoso laço afetivo que une
mãe e filho”.
Ainda
no REsp 1.076.160, a ministra Isabel Gallotti, em voto-vista,
discordou desse entendimento. “Registro, ainda, que, ao contrário da disciplina
legal para o caso de sucessão, não considero aplicável a ordem de vocação
hereditária para o efeito de excluir o direito de indenização dos ascendentes
quando também postulado por cônjuge e filhos. É sabido que não há dor maior do
que a perda de um filho, porque foge à ordem natural das coisas”, afirmou a
magistrada.
Também
sobre a unidade familiar que permeia o núcleo formado por pai, mãe e filhos, o
ministro Raul Araújo, na relatoria do REsp 1.119.632,
ressaltou que a agressão moral praticada diretamente contra um deles refletirá
intimamente nos demais, “atingindo-os em sua própria esfera íntima ao
provocar-lhes dor e angústia decorrentes da exposição negativa, humilhante e
vexatória imposta, direta ou indiretamente, a todos”.
Dependência econômica
Outro
ponto importante sobre o tema é a prescindibilidade de dependência econômica
para pleitear indenização por danos morais por ricochete, ou seja, o requerente
não precisa provar que o falecido o mantinha financeiramente.
No
julgamento do REsp 160.125,
o ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira destacou que a indenização por dano
moral não possui natureza patrimonial, já que “não visa ao reembolso de
eventual despesa ou a indenização por lucros cessantes”.
Para o
magistrado, tal reparação tem relação com a personalidade, sendo que, no caso
de morte, é oriunda “da dor, do trauma e do sofrimento profundo dos que
ficaram”.
No mesmo sentido julgaram o ministro Humberto Gomes de Barros no
REsp 331.333e
o ministro Sidnei Beneti no REsp 876.448.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s)
AREsp 1290597REsp 239009REsp 1076160REsp 865363REsp 1291845REsp 1095762REsp 1119632REsp 160125REsp 331333REsp 876448
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