Decisão histórica condenou propaganda de alimentos dirigida ao público infantil
“Apelamos
às nações que regulamentem a publicidade dirigida às crianças, de acordo com o
dever dos Estados de proteger os menores de danos. Tais campanhas comerciais
têm o potencial de moldar o comportamento de consumo e financeiro das crianças
a longo prazo e elas estão crescendo em número e alcance”, pediram
especialistas da ONU em 2016, em texto publicado por ocasião do Dia
Internacional da Juventude.
No
início do mesmo ano, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento histórico,
criou o primeiro precedente que considerou abusiva a publicidade de alimentos
dirigida direta ou indiretamente ao público infantil. Em seu voto, o ministro
relator do caso, Humberto Martins, destacou a existência de ilegalidade em
campanhas publicitárias de fundo comercial que “utilizem ou manipulem o
universo lúdico infantil”.
ão passando informações para alguém que ainda não tem capacidade
de
“A
compra e o consumo de gêneros alimentícios, sobretudo em época de crise de
obesidade, deve residir com os pais”, afirmou o magistrado.
Assim
como o relator, o ministro Herman Benjamin, especialista em direito do
consumidor, destacou a titularidade da família sobre a decisão a respeito
daquilo que deve ser consumido pelas crianças.
“Decisão
sobre alimento, como medicamento, não é para ser tomada pelos fornecedores.
Eles podem oferecer os produtos, mas sem retirar a autonomia dos pais, e mais
do que tudo, não dirigir esses anúncios às crianças e, pela porta dos fundos,
de novo tolherem essa autonomia dos pais”, afirmou o ministro.
O olhar dos pais
Rebeca
Evangelista, moradora de Águas Claras (DF), é uma das mães brasileiras que
enfrentam diariamente o desafio de educar os filhos sem, contudo, excluí-los
por completo do acesso aos meios de informação. Para ela, é necessário ter
equilíbrio; é importante que a família, a sociedade e o Estado cuidem do que as
crianças veem na TV e nas mídias sociais, pois esse conteúdo pode interferir no
comportamento e na autoestima dos pequenos.
“A
criança ainda está estruturando sua personalidade. Quem eu sou? Do que eu
gosto? Do que eu não gosto? Nesse momento há uma busca pela aceitação, a
criança quer ser aceita pelos amigos, e também tem a questão da autoestima.
Então, se a propaganda fala que algo é legal, que todo mundo está consumindo,
que todo mundo está usando, e a criança não tem aquilo, já é uma forma dela se
sentir inferior, complexada, excluída.”
Rebeca
– mãe de João, de dois anos, e madrasta de Lucas, de 12 – destacou ainda o fato
de que a rotina intensa de trabalho dos pais contribui para que a educação das
crianças fique cada vez mais “terceirizada” e a TV e as mídias ganhem espaço no
imaginário infantil.
“É
impossível nos dias de hoje deixar uma criança longe da televisão e das redes
sociais. O interessante é sempre conversar, saber da vida do filho, para ajudar
nesse processo de amadurecimento e formação de senso crítico.”
Obesidade
A
decisão do STJ representou uma importante etapa no desafio enfrentado pela
sociedade brasileira no combate à obesidade infantil, além de proteger as
crianças de práticas publicitárias abusivas que conduzem à cultura do consumo,
presente em todo o mundo e fomentada pelo uso excessivo e indevido dos meios de
comunicação – principalmente a TV e a internet.
Um
estudo realizado em junho de 2018 pela revista Crescer aponta que
38% das crianças com menos de dois anos já têm um aparelho digital. A pesquisa
TIC Kids On-line Brasil 2017, divulgada também em 2018 pelo Comitê Gestor da
Internet no Brasil (CGI.br), revela que cerca de oito em cada dez crianças e
adolescentes (85%) com idades entre 9 e 17 anos eram usuários de internet em
2017 – o que corresponde a 24,7 milhões de jovens nessa faixa etária em todo o
país.
Venda casada
O
processo chegou ao STJ após a empresa Pandurata Alimentos, dona da marca Bauducco,
recorrer de decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que julgou
procedente Ação Civil Pública (ACP) do Ministério Público de São Paulo (MPSP) e
considerou como venda casada a campanha “É Hora de Shrek”.
Na
promoção, a Bauducco condicionava a aquisição de um relógio de pulso com a
imagem do ogro Shrek e de outros personagens do desenho à apresentação de
cinco embalagens dos produtos “Gulosos”, além do pagamento adicional de R$
5,00.
A ACP
teve origem em atuação do Instituto Alana, que alegou abuso da campanha e
intenção de venda casada.
“A
propaganda que se dirige a uma criança de cinco anos, que condiciona a venda do
relógio à compra de biscoitos, não é abusiva? O mundo caminha para a frente. O
Tribunal da Cidadania deve mandar um recado em alto e bom som: que as crianças
serão, sim, protegidas", sustentou a advogada do instituto no julgamento
do caso.
Decisão correta
Rebeca
Evangelista concorda com a decisão do STJ, pois, segundo disse, ela traz
segurança para os pais e principalmente para as crianças, que não conseguem se
defender das armadilhas desse tipo de publicidade.
“Eu,
como mãe, acho muito correta a decisão do STJ. As crianças são mais importantes
do que qualquer coisa, precisam ter seus diretos defendidos pelo Estado e por
todos, e as empresas precisam ter responsabilidade ao divulgar seus produtos.
Afinal, elas estão passando informações para alguém que ainda não tem
capacidade de escolha. ”
A turma
A
decisão da Segunda Turma foi unânime. Faziam parte do colegiado à época os
ministros Assusete Magalhães (presidente), Humberto Martins (relator), Mauro
Campbell Marques, Herman Benjamin e Diva Malerbi (desembargadora convocada do
TRF3).
A série 30 anos, 30
histórias apresenta reportagens
especiais sobre pessoas que, por diferentes razões, têm suas vidas entrelaçadas
com a história de três décadas do Superior Tribunal de Justiça. Os textos são
publicados nos fins de semana.
Destaques
de hoje
http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Decis%C3%A3o-hist%C3%B3rica-condenou-propaganda-de-alimentos-dirigida-ao-p%C3%BAblico-infantil
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