“O poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades.” (ARENDT, Hannah Condição Humana, 2007, p. 212)

Decano do STF inicia voto sobre omissão do Congresso Nacional em criminalizar homofobia




Em seu voto, o ministro Celso de Mello afirma que o Parlamento brasileiro encontra-se em situação de mora inconstitucional ao não editar lei penal específica contra práticas de homofobia e de transfobia perpetradas contra a comunidade LGBT. Tal situação, revelou o decano, tem privado essa parcela da sociedade brasileira do reconhecimento de seus direitos básicos.

Em um voto considerado histórico por seus pares, mesmo antes de ser concluído, o ministro Celso de Mello, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, iniciou, na sessão desta quinta-feira (14), a sua longa análise a respeito do pedido feito pelo Partido Popular Socialista (PPS) para que o Supremo Tribunal Federal (STF) declare a omissão do Congresso Nacional em editar lei que criminalize a homofobia e a transfobia.
O decano afirmou ser inquestionável a existência de inércia do Congresso Nacional em tornar efetivas as imposições constitucionais que outorgam proteção estatal aos integrantes do grupo LGBT e que ordenam a edição de lei penal incriminadora de práticas que discriminam e ofendem direitos e liberdades fundamentais em geral, circunstância que resulta em um quadro de "inadmissível violação aos direitos humanos básicos e essenciais da comunidade LGBT, em particular". Para o ministro, a omissão do Congresso Nacional traduz comportamento institucional que configura inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Lei Fundamental da República e que provoca, perigosamente, a desvalorização funcional da própria Constituição.
Celso de Mello rejeitou o argumento de que a existência de propostas legislativas sobre o tema em tramitação no Parlamento demonstraria que não há tal omissão do Poder Legislativo. O PL 5.003/2001, por exemplo, de autoria da deputada Iara Bernardi e que criminaliza a homofobia, foi aprovado em 2006 pela Câmara dos Deputados. Enviado ao Senado Federal naquele mesmo ano, até hoje não foi apreciado, tendo se incorporado ao PLS 236/2012 (que trata do novo Código Penal), sem prazo para ser votado, segundo informações daquela Casa Legislativa.
Questão preliminar
Em seu voto, o decano considerou inviável a formulação, em processo de controle concentrado de constitucionalidade, de pedido de índole ressarcitória, destinado a reparar danos morais ou patrimoniais provocados pela omissão do Poder Público, tendo em vista o fato de que, em ações constitucionais de perfil objetivo, como a ADO 26, não se discutem situações individuais ou interesses concretos.
O ministro Celso de Mello, por sua vez, reconheceu que se mostra juridicamente inadmissível, sob perspectiva estritamente constitucional, a tipificação criminal e a cominação de sanções penais mediante decisão judicial, ainda que emanada do Supremo Tribunal Federal, uma vez que tais matérias só podem ser definidas, validamente, pelo Legislativo, pois temas de direito penal, como a previsão do crime de homofobia e de transfobia, são unicamente reguláveis, por expressa reserva constitucional, em leis votadas pelo Congresso Nacional.
O ministro fez severas críticas a grupos políticos, sociais e confessionais que fomentam o desprezo e estimulam o ódio público à comunidade LGBT, registrando que não se justificam restrições às liberdades fundamentais desse grupo minoritário e vulnerável, "cujos integrantes são marginalizados, estigmatizados e injustamente discriminados quanto ao acesso a direitos básicos e à proteção efetiva das leis penais". Em uma referência ao passado colonial brasileiro, o decano demonstrou que os homossexuais têm sido, “ao longo de séculos de repressão, intolerância e preconceito”, perseguidos, humilhados e mortos em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero.
“Os exemplos de nosso passado colonial e o registro de práticas sociais menos antigas revelam o tratamento preconceituoso, excludente e discriminatório que tem sido dispensado à vivência homoerótica em nosso país. Vê-se daí que a questão da homossexualidade, desde os pródromos de nossa história, foi inicialmente tratada sob o signo da mais cruel das repressões, experimentando, desde então, em sua abordagem pelo Poder Público, tratamentos normativos que jamais se despojaram da eiva do preconceito e da discriminação”, afirmou.
Por todas essas razões, na avaliação do decano do STF, é preciso deixar claro, agora mais que nunca, que nenhum cidadão pode ser privado de direitos ou sofrer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero. “Isso significa que também os homossexuais e igualmente os integrantes de toda a comunidade LGBT têm o direito de receber a igual proteção das leis, a igual proteção do sistema político-jurídico instituído pela Constituição da República, mostrando-se arbitrária e inaceitável qualquer medida que exclua, que discrimine, que fomente a intolerância, que estimule o desrespeito e que desiguale as pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero”, ressaltou.
Para o decano, mais do que “simples proclamação retórica”, é preciso enfatizar que o Estado não pode tolerar omissões nem formular normas que provoquem, por efeito de seu conteúdo discriminatório, a exclusão jurídica de grupos, minoritários ou não, que integram a comunhão nacional.
O voto do ministro Celso de Mello na ADO 26 será retomado na sessão da próxima quarta-feira (20).
VP/CR//GCM
 
http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=403375

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