Decano do STF inicia voto sobre omissão do Congresso Nacional em criminalizar homofobia
Em seu voto, o ministro Celso
de Mello afirma que o Parlamento brasileiro encontra-se em situação de mora
inconstitucional ao não editar lei penal específica contra práticas de
homofobia e de transfobia perpetradas contra a comunidade LGBT. Tal situação, revelou
o decano, tem privado essa parcela da sociedade brasileira do reconhecimento de
seus direitos básicos.
Em um voto considerado histórico por seus pares, mesmo antes de ser
concluído, o ministro Celso de Mello, relator da Ação Direta de
Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, iniciou, na sessão desta
quinta-feira (14), a sua longa análise a respeito do pedido feito pelo Partido
Popular Socialista (PPS) para que o Supremo Tribunal Federal (STF) declare a
omissão do Congresso Nacional em editar lei que criminalize a homofobia e a
transfobia.
O decano afirmou ser inquestionável a existência de inércia do Congresso
Nacional em tornar efetivas as imposições constitucionais que outorgam proteção
estatal aos integrantes do grupo LGBT e que ordenam a edição de lei penal
incriminadora de práticas que discriminam e ofendem direitos e liberdades
fundamentais em geral, circunstância que resulta em um quadro de
"inadmissível violação aos direitos humanos básicos e essenciais da
comunidade LGBT, em particular". Para o ministro, a omissão do Congresso
Nacional traduz comportamento institucional que configura inaceitável gesto de
desprezo pela autoridade da Lei Fundamental da República e que provoca,
perigosamente, a desvalorização funcional da própria Constituição.
Celso de Mello rejeitou o argumento de que a existência de propostas
legislativas sobre o tema em tramitação no Parlamento demonstraria que não há
tal omissão do Poder Legislativo. O PL 5.003/2001, por exemplo, de autoria da
deputada Iara Bernardi e que criminaliza a homofobia, foi aprovado em 2006 pela
Câmara dos Deputados. Enviado ao Senado Federal naquele mesmo ano, até hoje não
foi apreciado, tendo se incorporado ao PLS 236/2012 (que trata do novo Código
Penal), sem prazo para ser votado, segundo informações daquela Casa
Legislativa.
Questão preliminar
Em seu voto, o decano considerou inviável a formulação, em processo
de controle concentrado de constitucionalidade, de pedido de índole
ressarcitória, destinado a reparar danos morais ou patrimoniais provocados pela
omissão do Poder Público, tendo em vista o fato de que, em ações
constitucionais de perfil objetivo, como a ADO 26, não se discutem situações
individuais ou interesses concretos.
O ministro Celso de Mello, por sua vez, reconheceu que se mostra
juridicamente inadmissível, sob perspectiva estritamente constitucional, a tipificação
criminal e a cominação de sanções penais mediante decisão judicial, ainda que
emanada do Supremo Tribunal Federal, uma vez que tais matérias só podem ser
definidas, validamente, pelo Legislativo, pois temas de direito penal, como a
previsão do crime de homofobia e de transfobia, são unicamente reguláveis, por
expressa reserva constitucional, em leis votadas pelo Congresso Nacional.
O ministro fez severas críticas a grupos políticos, sociais e
confessionais que fomentam o desprezo e estimulam o ódio público à comunidade
LGBT, registrando que não se justificam restrições às liberdades fundamentais
desse grupo minoritário e vulnerável, "cujos integrantes são
marginalizados, estigmatizados e injustamente discriminados quanto ao acesso a
direitos básicos e à proteção efetiva das leis penais". Em uma
referência ao passado colonial brasileiro, o decano demonstrou que os
homossexuais têm sido, “ao longo de séculos de repressão, intolerância e
preconceito”, perseguidos, humilhados e mortos em razão de sua orientação
sexual ou identidade de gênero.
“Os exemplos de nosso passado colonial e o registro de práticas sociais
menos antigas revelam o tratamento preconceituoso, excludente e discriminatório
que tem sido dispensado à vivência homoerótica em nosso país. Vê-se daí que a
questão da homossexualidade, desde os pródromos de nossa história, foi
inicialmente tratada sob o signo da mais cruel das repressões, experimentando,
desde então, em sua abordagem pelo Poder Público, tratamentos normativos que
jamais se despojaram da eiva do preconceito e da discriminação”, afirmou.
Por todas essas razões, na avaliação do decano do STF, é preciso deixar
claro, agora mais que nunca, que nenhum cidadão pode ser privado de direitos ou
sofrer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual ou de
sua identidade de gênero. “Isso significa que também os homossexuais e
igualmente os integrantes de toda a comunidade LGBT têm o direito de receber a
igual proteção das leis, a igual proteção do sistema político-jurídico
instituído pela Constituição da República, mostrando-se arbitrária e
inaceitável qualquer medida que exclua, que discrimine, que fomente a
intolerância, que estimule o desrespeito e que desiguale as pessoas em razão de
sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero”, ressaltou.
Para o decano, mais do que “simples proclamação retórica”, é preciso
enfatizar que o Estado não pode tolerar omissões nem formular normas que
provoquem, por efeito de seu conteúdo discriminatório, a exclusão jurídica de
grupos, minoritários ou não, que integram a comunhão nacional.
O voto do ministro Celso de Mello na ADO 26 será retomado na sessão da
próxima quarta-feira (20).
VP/CR//GCM
http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=403375
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