CONCENTRAÇÃO DE PODER Transferência do Coaf para o Ministério da Justiça divide especialistas
2 de janeiro de 2019, 14h35
A transferência do
Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Fazenda
para o Ministério da Justiça e Segurança Pública dividiu a comunidade jurídica.
Alguns especialistas acreditam que a mudança pode afetar a eficiência do órgão
e atingir direitos fundamentais, como o sigilo bancário. Outros, porém, avaliam
que a realocação da entidade pode melhorar o combate à corrupção.
Ministro da Justiça, Sergio Moro,
comandará o Coaf.
Rafael Carvalho - Governo de Transição
A alteração - oficializada com o novo
Estatuto do Coaf (Decreto 9.663/2019), publicado em edição extraordinária desta
quarta-feira (2/1) do Diário Oficial da União - representa uma
concentração excessiva de poderes e a possibilidade de “abusos irreparáveis aos
direitos individuais consagrados na Constituição”, aponta o ex-ministro da
Justiça José Eduardo Cardozo.
Em primeiro lugar porque a concentração excessiva de órgãos e funções no
Ministério da Justiça dificulta sua gestão. “O gigantismo excessivo de unidades
administrativas é um equívoco na perspectiva da sua eficiência”, diz Cardozo,
que também foi advogado-geral da União.
Outro problema são os malefícios do acúmulo de poderes. “Em um Estado de
Direito e republicano, essa concentração não é saudável, notadamente em áreas
que se relacionam à necessidade de respeito aos direitos individuais. A
tendência a se abusar do poder será algo sempre presente. A divisão funcional
entre ministérios é uma maneira de se evitar essa concentração e eventuais
praticas arbitrárias”.
Fora que entidades de diversos órgãos sempre atuaram de forma conjunta
no combate à corrupção, como Coaf – no Ministério da Fazenda -, Polícia Federal
– no Ministério da Justiça – e Controladoria-Geral da União – no Ministério da
Transparência. Sendo assim, não há razão para se concentrar poder numa única
pasta, avalia Cardozo.
“Não há, assim, sentido funcional e finalístico razoável nessa medida,
além de representar a possibilidade de abusos irreparáveis aos direitos
individuais consagrados na Constituição. Por isso, é uma modificação
problemática, inclusive, para o ministro da Justiça. A concentração de poder
sempre induz abusos, ou a percepção de que eles ocorrem, mesmo quando a lei
possa estar sendo cumprida”.
Nessa mesma linha, o advogado Sebastião
Tojal destaca que junção de muitas atribuições em um único ministério
pode contribuir para a inação. “A descentralização de funções sempre favorece a
eficiência de seu desempenho”.
Não há “nenhuma justificativa
razoável para esta acentuada concentração de poder em uma única pasta”, declara
o advogado Marco Aurélio de Carvalho. A seu ver, o Coaf deveria
permanecer no Ministério da Fazenda – onde sempre funcionou muito bem no
combate à corrupção.
“Espero, com franqueza, que não seja utilizado para fins persecutórios
sem o devido e necessário amparo legal”, afirma Carvalho.
Já o criminalista Augusto de
Arruda Botelho analisa que a transferência do Coaf para o Ministério
da Justiça se insere na tendência de aumento de punitivismo do Estado
brasileiro. “Relatórios do Coaf são muitas vezes interpretados de forma
equivocada e precipitam investigações injustas e inócuas. A tendência agora é
esse quadro piorar”, prevê.
Além disso, a realocação do conselho
passa a imagem de que ele agora tem natureza policial, o que pode dar margem a
abusos, opina o criminalista Fabrício Oliveira Campos. Quando era
submetido ao Ministério da Fazenda, ressalta, o Coaf tinha uma imagem não
policial, necessária para preservar cidadãos de investidas persecutórias e
garantir o sigilo bancário.
Isso mudou com a ida do órgão para o Ministério da Justiça. E a
transferência pode levar à seletividade das decisões e ações do Coaf, pois, se
antes o Ministério da Justiça era um dos integrantes do colegiado, agora é seu
próprio gestor, observa Oliveira Campos, defendendo “máxima transparência” nas
atividades do conselho para fiscalizar abusos e desrespeito a regras.
O criminalista Antonio
Figueiredo Basto destaca que Sergio Moro está tentando seguir o
modelo, já adotado em outros países, de asfixiar financeiramente organizações
criminosas. No entanto, o advogado tem receios de que as mudanças levem o Coaf
a desrespeitar direitos de cidadãos.
"O problema é como isso será usado em relação à população em geral.
Minha preocupação é que existam parâmetros muito firmes para delimitar o uso
dessas informações a fim de evitar devassas na vida do cidadão comum e
intromissões indevidas na privacidade, o que é vedado pela Constituição. Nesse
momento nossa sociedade esta tomada de entusiasmos fáceis, trocando a liberdade
pela segurança. Isso é muito preocupante".
O desrespeito à intimidade das
pessoas também preocupa o advogado Gamil Föppel. O criminalista
prevê que a ida do órgão para o Ministério da Justiça irá flexibilizar os
sigilos fiscal e bancário em investigações.
"A mudança da estrutura do Coaf, do Ministério da Fazenda para o
Ministério da Justiça, é essencialmente paradigmática, atribuindo-lhe função
eminentemente persecutória, que a pacífica jurisprudência pátria sempre
(acertadamente) rechaçou. Nesse sentido, já a curto prazo, é possível prever
duas substanciais repercussões: haverá uma reprovável flexibilização do sigilo
bancário e fiscal na persecução penal (eis que os órgãos de investigação terão
acesso direto a tais dados, independente de ordem judicial) e se atribuirá
indevido valor probatório aos relatórios de inteligência produzidos pelo COAF,
quiçá possibilitando que a partir deles se permita, à mingua de qualquer
investigação, a adoção de medidas de força".
Ainda que as perspectivas de
aprimoramento no combate à lavagem de dinheiro sejam boas, o governo Jair
Bolsonaro demonstra, com a transferência do Coaf via decreto, pequena
disposição a negociar mudanças com o Congresso, diz o advogado Rodrigo
Mudrovitsch.
"A proposta do novo governo indica, ao menos por enquanto, que as
mudanças estão sendo feitas sem a prévia discussão com o Parlamento, o que
reduz a legitimidade da medida. Há, ainda, um certo açodamento. Ao promover a
transferência do Coaf para o Ministério da Justiça, o decreto manteve o sistema
de recursos das decisões do Coaf ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro
Nacional, que permanece sob o controle do Ministério da Economia (antigo
Ministério da Fazenda). A tentativa de tornar o Coaf independente do Ministério
da Economia foi frustrada pela própria norma, portanto."
Outro lado
Por outro lado, Valdir Simão, ex-ministro do Planejamento e da Transparência, afirma que o novo Estatuto do Coaf aperfeiçoa suas competências e o processo administrativo sancionador nos ilícitos de lavagem de dinheiro. Com isso, a atuação do órgão deve ficar mais célere e efetiva, acredita Simão.
Por outro lado, Valdir Simão, ex-ministro do Planejamento e da Transparência, afirma que o novo Estatuto do Coaf aperfeiçoa suas competências e o processo administrativo sancionador nos ilícitos de lavagem de dinheiro. Com isso, a atuação do órgão deve ficar mais célere e efetiva, acredita Simão.
“Sua [do Coaf] vinculação ao Ministério da Justiça e Segurança Pública
demonstra a importância do órgão para o enfrentamento da corrupção e do crime
organizado”, declara o ex-ministro.
Por sua vez, o advogado Thiago
Bottino considera que faz sentido o Coaf ficar subordinado ao
Ministério da Justiça. Isso porque é um órgão de inteligência financeira, mas
com foco em atividades que possam orientar a apuração de lavagem de dinheiro.
Ele também diz que a medida se insere no contexto de integração entre entidades
para combate ao crime organizado.
“Parece ser uma medida que busca maior integração com a macro política
de segurança pública e articulação entre os órgãos de estado ligados, de alguma
forma, com a investigação de crimes financeiros”.
A alteração permitirá um maior
controle sobre operações financeiras suspeitas, destaca o advogado André
Callegari. Em sua opinião, a mudança se justifica se houver uma nova
estrutura na apuração e comunicação dessas operações aos órgãos de persecução
penal para agilizar futuras investigações sobre o delito de lavagem de
dinheiro.
José Figueira, auditor da
PriceWaterhouseCoopers, crê que a mudança "visa conferir maior utilidade e
celeridade no uso das suas informações, sobretudo no cumprimento das obrigações
de prevenção e de combate à lavagem de dinheiro e outros crimes pelos diversos
órgãos do governo".
*Texto alterado às 16h52 e às 19h34
do dia 2/1/2019 para acréscimo de informações.
Sérgio Rodas é correspondente da
revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico.
https://www.conjur.com.br/2019-jan-02/transferencia-coaf-ministerio-justica-divide-advogados
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