Plantando em terra alheia: as controvérsias jurídicas sobre arrendamento rural
ESPECIAL
23/09/2018 06:58
Na próxima
quarta-feira (26), no auditório do Superior Tribunal de Justiça, será realizado
o simpósio O Agronegócio na Interpretação do STJ. Resultado de
uma parceria entre o tribunal e o Instituto Justiça & Cidadania, o evento
acontece das 8h30 às 13h e tem como coordenadores científicos os ministros Luis
Felipe Salomão, Moura Ribeiro e Paulo de Tarso Sanseverino, além do advogado
Marcus Vinicius Furtado Coêlho. As inscrições são gratuitas e podem ser
feitas aqui.
Um dos painéis do
simpósio tratará do arrendamento rural e será mediado pelo ministro Raul
Araújo, com a presença do ministro Paulo de Tarso Sanseverino e da professora
Gisela Hironaka, da Universidade de São Paulo (USP).
O conceito de
arrendamento rural está detalhado no artigo 3º do Decreto 59.566/66, que regulamenta o
Estatuto da Terra. Trata-se de um dos temas mais relevantes do direito agrário,
diretamente vinculado à propriedade rural e ao cumprimento de sua função
social, conforme previsto nos artigos 5º, XXIII, e 186 da Constituição Federal.
No STJ, questões
relacionadas ao arrendamento rural e aos contratos de parceria têm sido objeto
de diversos julgados. Ambos os institutos ocupam papel importante na economia
rural brasileira e são bastante parecidos. A diferença essencial está em que o
arrendamento se caracteriza pelo pagamento de um valor a título de aluguel da
terra, enquanto, no contrato de parceria rural (artigo 4º do Decreto 59.566/66), o proprietário e o
parceiro compartilham as possibilidades de lucro ou prejuízo da atividade
econômica.
Ação monitória
Em março de 2016, a
Terceira Turma negou provimento a recurso especial que analisava a
possibilidade de ser considerado como prova escrita sem eficácia de título executivo
o contrato de arrendamento rural que determinava a entrega de produtos
agrícolas como forma de pagamento, o que possibilitaria a propositura de ação
monitória.
O REsp 1.266.975,
de relatoria do ministro Villas Bôas Cueva, tratava de caso em que o contrato
de arrendamento rural estabeleceu o pagamento em 1.060 sacas de soja de 60
quilos. A ação monitória teria sido proposta porque o ocupante da área
permaneceu nela por dois anos, sem cumprir sua obrigação.
Com base nos artigos 2º e 18, parágrafo único, do Decreto 59.566/66, o ocupante da
área alegou que o contrato não poderia servir como prova escrita por ter sido
ajustado em quantidade de produtos agrícolas, o que o tornaria nulo.
Em relação à
possibilidade de considerar como prova escrita sem eficácia de título executivo
os contratos nessa situação, o relator ressaltou que “o Superior Tribunal de
Justiça, atento à referida disposição legal, orienta-se no sentido de ser nula
cláusula de contrato de arrendamento rural que assim dispõe. Todavia, tem
entendido, igualmente, que essa nulidade não obsta que o credor proponha ação
visando à cobrança de dívida por descumprimento do contrato, hipótese em que o
valor devido deve ser apurado, por arbitramento, em liquidação de sentença”,
explicou Villas Bôas Cueva.
Prazos do contrato
Outra questão
importante, no que se refere aos contratos de arrendamento rural, trata dos
prazos mínimos. Com o objetivo de promover a conservação dos recursos naturais,
os contratos agrários devem obedecer aos prazos estabelecidos no artigo 13 do Decreto 59.566/66. Os prazos mínimos
variam de três anos (nos casos de arrendamento em que ocorra atividade de
exploração de lavoura temporária e/ou atividade de pequeno porte) a sete anos
(quando há atividade de exploração florestal).
No REsp 1.336.293,
a criação de gado bovino havia sido reconhecida como pecuária de pequeno ou
médio porte, portanto, o contrato deveria ter validade de, no mínimo, três
anos. No entanto, o recorrente alegou que o contrato deveria ser de, pelo
menos, cinco anos, por se tratar de criação de grande porte, “seja em virtude
do total da área dos contratos, de 86,7 hectares, seja em virtude da criação de
animais de grande porte, como bovinos, equinos e ovinos, devendo-se levar em
consideração, principalmente, aspectos relativos ao tempo necessário para a
cria, recria e engorda”.
Ao decidir pela
aplicação do prazo de cinco anos ao contrato, o relator, ministro João Otávio
de Noronha, mencionou os ensinamentos de Helena Maria Bezerra Ramos, para quem
a pecuária de médio porte refere-se à criação de suínos, caprinos e ovinos,
excluindo a criação de gado bovino.
“Mesmo ciente de
que existe doutrina em sentido contrário, alinho-me à orientação doutrinária de
que a criação de gado bovino é suficiente para caracterizar a pecuária como de
grande porte, sendo necessário maior prazo do contrato de arrendamento rural em
razão dos ciclos exigidos de criação, reprodução, engorda ou abate”, definiu
João Otávio de Noronha.
Preferência
O direito de
preferência do arrendatário em caso de alienação do imóvel arrendado está
previsto no artigo 92, parágrafo 3º, do Estatuto da Terra.No REsp 1.447.082,
a Terceira Turma analisou a aplicação desse direito quando o arrendatário é
empresa rural de grande porte.
No caso em análise,
as partes pactuaram expressamente que o contrato seria regido pelo Código Civil
e que, na hipótese de alienação da propriedade, o locatário desocuparia o imóvel
no prazo de 30 dias. A alienação ocorreu antes do término do contrato, e a
empresa que ocupava a propriedade fez uma proposta, que foi recusada diante da
oferta de maior valor de outro interessado. Com a recusa da oferta, a
arrendatária pediu o reconhecimento do direito de preferência para a aquisição
da propriedade.
O Tribunal de
Justiça de Tocantins (TJTO) concluiu que “o Estatuto da Terra não impôs nenhuma
restrição quanto à pessoa do arrendatário, para o exercício do direito de
preferência, de modo que, ao menos numa interpretação literal, nada obstaria a
que uma grande empresa rural viesse a exercer o direito de preempção”.
Segundo o TJTO, a
previsão de que os benefícios do Estatuto da Terra estariam restritos aos que
exploram atividade rural direta e pessoalmente está no Decreto 59.566/66.
Portanto, para o tribunal, “o decreto não poderia ter restringido onde a lei
não restringiu”.
Ao julgar o recurso
especial, o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, ressaltou que “o
princípio da justiça social preconiza a desconcentração da propriedade das mãos
dos grandes grupos econômicos e dos grandes proprietários, para que seja dado
acesso à terra ao homem do campo e à sua família. Preconiza, também, a proteção
do homem do campo nas relações jurídicas de direito agrário”, afirmou.
Ao dar provimento
ao recurso especial, o relator concluiu que “o direito de preferência no
Estatuto da Terra atende ao princípio da justiça social quando o arrendatário é
um homem do campo, pois possibilita que este permaneça na terra, passando à
condição de proprietário”, esclareceu.
Renovação
automática
Em razão da
inexistência de notificação prévia exigida pelo Estatuto da Terra, a Terceira
Turma do STJ julgou improcedente pedido de imissão na posse feito por um grupo
de herdeiras contra dois arrendatários que teriam permanecido no imóvel por
prazo superior ao estabelecido em contrato.
As autoras alegaram,
na ação de imissão de posse, que a mãe delas havia firmado contrato de
arrendamento rural com os arrendatários pelo prazo de oito anos. No entanto,
eles teriam permanecido no imóvel após o término do período de arrendamento de
forma indevida. Após análise do caso, o juiz determinou a saída dos
arrendatários do imóvel, sentença confirmada pelo Tribunal de Justiça de
Alagoas.
No REsp 1.277.085,
os arrendatários alegaram que o contrato teria sido renovado verbalmente com a
mãe das autoras antes de seu falecimento e que a prorrogação havia sido
presenciada por terceiros. Também afirmaram que, de acordo com o Estatuto da
Terra, o arrendador deve expedir notificação com as propostas de novo
arrendamento recebidas de terceiros em até seis meses antes do vencimento do
contrato. Em caso da falta de notificação, o contrato é automaticamente
renovado.
Ao dar provimento
ao recurso especial, o relator, ministro Villas Bôas Cueva, afirmou que,
“independentemente da existência de ajuste verbal com a falecida arrendante,
com a ausência de notificação dos arrendatários no prazo previsto em lei, o
contrato foi prorrogado automaticamente, conforme com o disposto no artigo 95,
IV e V, do Estatuto da Terra, o que determina a improcedência do pedido de
imissão na posse”.
Falecimento
E o que acontece no
caso de morte de quem firmou contrato de parceria agrícola? Em recurso especial
julgado em dezembro de 2017, a Terceira Turma concluiu que o falecimento não
extingue o pactuado, o que possibilita aos herdeiros exercerem o direito de
retomada ao término do contrato se obedecerem ao regramento legal quanto aos
prazos para notificação e às causas para retomada.
No caso analisado
no REsp 1.459.668,
a falecida havia firmado contrato de parceria agrícola, pelo prazo de 16 anos,
com os réus, sendo um deles seu neto. Como não tinham interesse em manter o
contrato, os herdeiros notificaram extrajudicialmente os réus para que desocupassem
a fazenda após a conclusão da colheita.
Como os ocupantes
da fazenda permaneceram inertes, os herdeiros buscaram judicialmente o
reconhecimento da extinção do contrato pelo exercício do direito de retomada do
imóvel. No entanto, os réus alegaram inexistir tal direito e pediram o
cumprimento do contrato em todos os seus termos.
Ao dar provimento
ao recurso especial, o relator, ministro Villas Bôas Cueva, explicou que “o
contrato permanece vigente até o final do prazo estipulado, podendo os
herdeiros exercer o direito de retomada com a realização de notificação
extrajudicial até seis meses antes do término do ajuste, indicando uma das
hipóteses legais para o seu exercício”.
Benfeitorias
Em junho de 2015, a
Quarta Turma analisou recurso especial referente a ação de cobrança de valores
devidos e de perdas e danos contra ocupante de propriedade que teria prestado
contas da colheita, mas não teria entregado as sacas de arroz nem depositado os
valores estabelecidos em contrato de parceria agrícola.
Diante da ação, o
ocupante da fazenda afirmou ter realizado benfeitorias indispensáveis para a
lavoura de arroz e pediu indenização referente ao investimento, no valor de
aproximadamente R$ 218 mil. Alegou ainda que a cláusula contratual que repassa
benfeitorias sem a devida contraprestação é nula porque o direito à indenização
é irrenunciável.
Segundo acórdão do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), como forma de compensação por
todas as benfeitorias realizadas (à exceção de uma cerca e da rede elétrica, canos
e tubos), ficou acordado entre as partes que o arrendatário poderia plantar
mais duas safras de arroz. Para o TJRS, como houve prévia composição entre as
partes, não caberia indenização.
Ao analisar o REsp 1.182.967,
o relator, ministro Luis Felipe Salomão, explicou: “Ficando estabelecido que no
contrato agrário deverá constar cláusula alusiva quanto às benfeitorias, e
havendo previsão legal no que toca ao direito à sua indenização, a conclusão, a
meu juízo, é a de que, nos contratos agrários, é proibida a cláusula de
renúncia à indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis, sendo nula qualquer
disposição em sentido diverso.”
Entretanto, nesse
caso, o relator concordou com a decisão do tribunal de origem ao concluir que
“não houve renúncia ao direito de reparação; ao revés, ao que se percebe, as
partes acordaram forma de composição por meio de extensão do prazo de
parceria”.
Pesquisa Pronta
A Secretaria de
Jurisprudência do STJ tem uma pesquisa sobre o tema Fixação do preço do arrendamento rural em frutos, produtos ou equivalente
em dinheiro.
A ferramenta Pesquisa Pronta traz
o resultado de pesquisas sobre temas jurídicos relevantes, organizados por
ramos do direito e assuntos de maior destaque no tribunal. Também são
disponibilizados links para acesso a outros produtos da Secretaria de
Jurisprudência relacionados aos temas pesquisados.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1266975REsp 1336293, REsp 1447082, REsp 1277085REsp 1459668REsp 1182967
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