DEFESA DE DIREITOS - Especialistas comentam pronunciamento da ONU a favor de Lula
17 de agosto de 2018, 20h33
Ao defender o direito de
o ex-presidente Lula se candidatar a presidente da República, a ONU provocou um
debate sobre a influência de pronunciamentos de órgãos internacionais no
território brasileiro.
Para a Organização das Nações Unidas,
mesmo preso, Lula deve ter seus direitos políticos de concorrer às eleições de
outubro garantidos.
Para o advogado Michel Saliba,
um dos autores do livro Vontade Popular e Democracia — Candidatura
Lula?, o Estado deve se submeter à determinação, uma vez que é
signatário de diplomas normativos. "O Judiciário brasileiro pode até se
negar a aplicar a referida decisão, por entender se tratar de recomendação,
despida de caráter cogente, isso, todavia, poderá ter proporções muito
negativas no âmbito das relações internacionais", afirma.
Já de acordo com o
constitucionalista Lenio Streck, embora a situação do
Judiciário brasileiro seja uma "saia justa", a Procuradoria-Geral da
República já tomou decisão no sentido da obrigatoriedade de seguir e cumprir
uma determinação internacional, ainda que em caráter
provisório. "Claro que os advogados do ex-presidente podem usar a
decisão da ONU como preliminar na defesa das impugnações ao registro,
mas o competente para dizer a palavra final acerca do cumprimento ou não
da decisão é o STF", comenta o advogado.
Michel Saliba, advogado e
professor:
A partir do momento em que o Estado Brasileiro é signatário de diplomas
normativos internacionais, ele (Estado) deve se submeter às decisões embasadas
nestes diplomas, notadamente quando emanadas pelo mais importante organismo
mundial: a Organização das Nações Unidas.
Prestar jurisdição é uma das funções do Estado, logo, suas deliberações
estão sujeitas à observância das orientações e decisões da ONU, sem que com
isso haja qualquer violação à soberania nacional.
O Judiciário brasileiro pode até se negar a aplicar a referida decisão,
por entender se tratar de recomendação, despida de caráter cogente, isso,
todavia, poderá ter proporções muito negativas no âmbito das relações
internacionais.
Se o próprio STF, nos debates que concluíram pela interpretação da
execução antecipada da pena, e que hoje inclusive atinge o ex-presidente Lula,
teve como indicativos de alguns debates as conclusões de organismos
internacionais sobre uma suposta impunidade no Brasil, seria, no mínimo, não
retilíneo que o Judiciário deixasse de se orientar por uma decisão específica da
ONU, principalmente porque trata de proteção às garantias fundamentais e aos
direitos humanos.
Confio — e sempre confiei — muito na isenção e imparcialidade do
Tribunal Superior Eleitoral, e não poderia ser diferente."
Lenio Streck, jurista e professor
de Direito Constitucional:
Eis uma saia justa para o judiciário brasileiro e para a
Procuradoria-Geral da República. Explico. Há duas teses: a dualista e a
monista. Pela primeira, o Brasil não tem obrigação. Pela monista, sim. O STF
não sufraga a tese monista. Sua posição é “dualista-moderada”. A Constituição
Federal não diz se o Brasil deveria ser dualista ou monista.
No entanto, o artigo 5º, parágrafo 2º, da CF dá azo a que se
dê obrigatoriedade a tratados que tratem de direitos humanos. É o que se chama
de bloco de constitucionalidade. Por essa tese monista, é possível sustentar a
obrigatoriedade quando se trata de direitos humanos. Seria o caso da decisão do
Comitê de Direitos Humanos da ONU.
O Brasil firmou esse pacto, que trata da competência do Comitê de
direitos Humanos da ONU sobre assuntos desse tipo. É uma obrigação politica,
jurídica e moral. O artigo primeiro é claro. Não esqueçamos que há um
decreto legislativo (311 de 2009) incorporando o Pacto ao ordenamento brasileiro.
Como sempre, essa discussão acabará no STF. Claro que os advogados do
ex-presidente podem usar a decisão da ONU como preliminar na defesa das
impugnações ao registro. De todo modo, o competente para dizer a palavra final
acerca do cumprimento ou não da decisão é o Supremo.
O fato é que existe decisão internacional que, no caso, em caráter
provisório, dá um comando à justiça brasileira, por mais contestações que isso
venha a gerar no meio político e jurídico.
Tem um detalhe interessante: na ADPF 320, que o PSOL impetrou sobre uma
decisão da Corte Interamericana que condenou o Brasil à época, a posição
da Procuradoria-Geral da República vai nessa linha da obrigação de cumprimento
de decisão internacional.
Há uma parte no parecer de Rodrigo Janot em que ele diz: "não é
admissível que, tendo o Brasil se submetido à jurisdição da CIDH, por ato de
vontade soberana, despreze a validade e a eficácia da sentença. Isso significa
flagrante descumprimento dos compromissos internacionais do país". A ver,
pois.
Não é desarrazoado dizer que a decisão do Comitê da ONU, ainda que
provisória, é equiparável à decisão da CIDH. Portanto, vamos ver o que dirá a
PGR, agora. Se levarmos em conta a posição de Janot, então chefe da
Procuradoria, cabe ADPF junto ao STF para fazer cumprir a decisão do comitê da
ONU."
Mariana Oliveira é repórter da revista Consultor
Jurídico.
Revista Consultor Jurídico,
17 de agosto de 2018, 20h33
https://www.conjur.com.br/2018-ago-17/especialistas-comentam-pronunciamento-onu-favor-lula
https://www.conjur.com.br/2018-ago-17/especialistas-comentam-pronunciamento-onu-favor-lula
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