REFLEXÕES TRABALHISTAS - As particularidades jurídicas da greve dos caminhoneiros
25 de maio de 2018, 8h05
Quando se fala em greve, sempre se cogita que o conflito da
reivindicação de pretensões dos trabalhadores decorre de resistência pelos
empregadores, envolvendo pleitos de natureza trabalhista. A greve, embora
originalmente tenha surgido no campo do confronto entre assalariados e patrões,
há muito abandonou esse quadro de exclusividade, e a expressão tem sido
utilizada para identificar paralisação de atividades profissionais ou de
prestação de serviços nos mais variados seguimentos que tenham por objeto a
defesa dos interesses da profissão.
No Direito brasileiro, o exercício do direito de greve está assegurado
no artigo 9º da Constituição Federal como um dos direitos fundamentais dos
trabalhadores, os quais poderão, por meio da greve, defender os interesses que
assim consideram devam ser defendidos.
A greve dos caminhoneiros tem particularidades jurídicas relevantes
quanto ao seu enquadramento e forma de solução, além da questão fática relativa
ao modo de organização e de união dos profissionais no âmbito nacional.
No caso da paralisação dos caminhoneiros, não se trata de greve de assalariados,
hipótese em que se daria o enquadramento jurídico como greve típica. Ao
contrário, cuida-se de massa de trabalhadores autônomos cuja motivação de
reivindicação é a redução do preço de óleo diesel em razão de constantes
reajustes, superando os índices de inflação e que comprometem o ganho dos
profissionais que vendem transporte de carga.
Do ponto de vista jurídico, pode-se afirmar que se trata de uma greve
profissional e política, porque os interesses estão voltados exclusivamente
para redução de impostos e política de reajustes de preço de combustível. É,
portanto, dirigida contra os poderes públicos para obtenção de reivindicações e
que não são suscetíveis de negociação coletiva. É a chamada greve política e
social, sustentada juridicamente no artigo 9º da Constituição Federal.
Comparativamente ao modelo formal de organização sindical, o agrupamento
de caminhoneiros revela que a reunião de trabalhadores por categoria fragmenta
e impede o resultado de adesão ao movimento. Parece que o modelo de dependência
de transporte rodoviário para escoamento de produtos e insumos, quase
exclusivamente, facilita a organização e a imposição de reivindicações.
Não há uma organização que tenha motivado a paralisação, e, segundo o
noticiário, a proposta de greve foi circulada em redes sociais e grupos de
WhatsApp de motoristas caminhoneiros que conseguiram, neste episódio, por meio
de comunicação de internet, uma assembleia virtual dos profissionais,
independentemente do ramo de transporte (alimentos, combustível etc.), a união
nacional de profissionais em torno da reivindicação. A representação classista
da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA) reúne a maioria
dos sindicatos e, aos poucos, outros sindicatos de caminhoneiros juntaram-se
aos protestos, como a Associação Brasileira de Caminhoneiros (Abcam) e a União
Nacional dos Caminhoneiros do Brasil (Unicam).
Ao que tudo indica, não há prazo para terminar a paralisação e, se assim
for, todos os demais setores da economia serão aos poucos afetados por falta de
suprimentos de manutenção das atividades de rotina.
Trata-se de uma greve espontânea de insuportabilidade de custo em
decorrência dos impostos atribuídos pelo governo aos motoristas caminhoneiros e
que coloca em risco o nível de precariedade na condição de vida.
Os efeitos da greve dos caminhoneiros contaminam os diferentes setores
de atividade econômica de modo indiscutível e afetam diretamente as obrigações
trabalhistas internas, inclusive, em alguns casos, com a ausência de trabalho a
ser executado, caso de frentistas de postos de gasolina, para ficar no exemplo
mais imediato. Como se trata de situação excepcional, não poderá o empregado
sofrer as consequências em seu salário, mas poderá o empregador exigir a
reposição de horas no período de 45 dias, conforme disposição expressa do
artigo 61, parágrafo 3º, da CLT.
A finalidade do movimento é de cunho protecionista de um setor de
atividade, e, portanto, ainda que se possa considerar a greve política, ela tem
natureza econômica e profissional e, desse modo, conforma-se no enquadramento
jurídico do artigo 9º da Constituição Federal. Os efeitos da greve nos demais
setores de atividade econômica deverão ser administrados por empresa de acordo
com sua especificidade, quando possível.
Paulo Sergio João é advogado e professor da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Fundação Getulio Vargas.
Revista Consultor Jurídico,
25 de maio de 2018, 8h05
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