STF nega habeas corpus preventivo ao ex-presidente Lula
Por maioria, o Plenário negou pedido da defesa que
buscava garantir ao ex-presidente o direito de recorrer em liberdade até
julgamento de todos os recursos cabíveis contra a sua condenação
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) negou, por maioria de
votos, o Habeas Corpus (HC) 152752, por meio do qual a defesa do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva buscava impedir a execução provisória da pena diante
da confirmação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) de sua
condenação pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Também por
maioria, os ministros negaram pedido para estender a duração do salvo-conduto
concedido a Lula na sessão do último dia 22 de março (vencidos, nesse ponto, os
ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski).
Voto condutor
A maioria dos ministros seguiu o voto do relator, ministro Edson Fachin,
no sentido da ausência de ilegalidade, abusividade ou teratologia
(anormalidade) na decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que aplicou ao
caso a atual jurisprudência do STF, que permite o início do cumprimento a pena
após confirmação da condenação em segunda instância.
Ao votar pelo indeferimento do HC, o ministro Edson Fachin ressaltou que
deve haver estabilidade e respeito ao entendimento dos tribunais e que, no caso
da execução provisória da pena, não houve até o momento revisão da
jurisprudência em sede de controle concentrado. Para Fachin, eventual alteração
do entendimento sobre a matéria só pode ocorrer no julgamento de mérito das
Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44. Até lá, não se pode
se dizer que há ilegalidade na decisão do STJ que negou HC preventivo do
ex-presidente.
O ministro ainda rebateu argumento trazido pela defesa do ex-presidente
no sentido de que as decisões recentes do STF que tratam da possibilidade de
execução provisória da pena não teriam força vinculante. De acordo com Fachin,
tal argumento não se aplica ao caso, uma vez que a decisão do TRF-4 sobre esse
aspecto não se baseou em decisão do STF, mas em súmula da própria corte
federal.
O ministro Alexandre de Moraes acompanhou o relator. Segundo seu voto,
em quase 30 anos desde a edição da Constituição Federal de 1988, apenas durante
sete anos, entre 2009 e 2016, o STF teve entendimento contrário à prisão em
segunda instância. “Não há nenhuma ilegalidade ou abuso de poder que permitiria
a concessão do habeas corpus”, afirmou. “A decisão do STJ, ao acompanhar e
aplicar a decisão do Supremo, agiu com total acerto. A presunção de inocência,
todos sabemos, é uma presunção relativa”.
Seguindo os fundamentos do relator, o ministro Roberto Barroso destacou
os efeitos negativos trazidos pela posição contrária, adotada pelo STF entre
2009 até 2016, sobre o tema da prisão provisória, que, a seu ver, incentivou a
interposição infindável de recursos protelatórios para gerar prescrição, impôs
a seletividade do sistema ao dificultar a punição dos condenados mais ricos e
gerou descrédito do sistema de justiça penal junto à sociedade. Barroso citou
números segundo os quais a reversão do resultado em favor do réu em recursos
interpostos nos tribunais superiores chega a pouco mais de 1% do total. “É ilógico,
a meu ver, moldar o sistema com relação à exceção e não à regra”, afirmou.
A ministra Rosa Weber também acompanhou o relator do HC, destacando que
prevalece no STF o entendimento de que a execução provisória de acórdão de
apelação não compromete a presunção de inocência. Seu voto desenvolveu a
questão da importância da previsibilidade das decisões do Judiciário e o local
e o momento adequado para a revisão desses posicionamentos. Segundo ela, nem a
simples mudança de composição nem os fatores conjunturais são fatores
suficientes para legitimar a mudança de jurisprudência, e não há como reputar
ilegal, abusiva ou teratológica a decisão que rejeita habeas corpus,
“independentemente da minha posição pessoal quanto ao ponto e ressalvado meu
ponto de vista a respeito, ainda que o Plenário seja o local apropriado para
revisitar tais temas”.
Também para o ministro Luiz Fux, a presunção de inocência prevista no
artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal não impede a execução
provisória da pena. “A presunção de inocência cessa a partir do momento em que,
por decisão judicial, se considera o réu culpado”, disse. A necessidade de
trânsito em julgado para que se possa efetivar uma prisão, segundo Fux, não
está contemplada na Constituição. “Interpretar de forma literal o dispositivo,
é negar o direito fundamental do Estado de impor a sua ordem penal”.
A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, manteve a posição que
manifestou em 2009, quando o Tribunal mudou seu entendimento para adotar a
necessidade de trânsito em julgado para se admitir a execução da pena. Segundo
ela, o que se discute nesse tema é a chamada antecipação da execução penal
quando já esgotados os recursos ordinários. “O processo penal possui fases, e o
que se admite no caso é que haja também uma gradação na forma de execução”,
observou.
O cumprimento da pena após o duplo grau de jurisdição não representa, no
seu entendimento, ruptura ou afronta ao princípio da não culpabilidade, uma vez
que atende ao desafio de não criar um déficit judicial sem prejudicar as
garantias da ampla defesa. “Admitir que a não culpabilidade impossibilita
qualquer atuação do Estado pode levar à impunidade”, afirmou, observando que
se, por um lado, a Constituição Federal assegura direitos fundamentais, por
outro garante a efetividade do direito penal e da aplicação da pena de prisão.
Recursos no STJ
Abrindo divergência parcial em relação ao relator, o ministro Gilmar
Mendes se manifestou no sentido de conceder a ordem para que eventual
cumprimento da pena contra o ex-presidente Lula ocorra somente a partir do
julgamento da matéria pelo STJ. Ao contrário do relator, ele entendeu que, do
ponto de vista processual e constitucional, não faz diferença se o Supremo está
discutindo o tema em HC ou ADC, e ressaltou a necessidade de pacificação do
tema.
O ministro disse que a decisão do STF no julgamento do HC 126292,
realizado em fevereiro de 2016, vem sendo aplicada pelas instâncias anteriores
automaticamente, independente do crime ou da pena aplicada. “A possibilidade
virou obrigação”, ressaltou, citando exemplos nos quais se comprovou ter sido
indevida a execução provisória da pena, uma vez que condenações acabaram
reformadas pelo STJ. Por isso, considera o marco do julgamento de recurso
especial pelo STJ se mostra como medida mais segura, seguindo assim a posição
apresentada do ministro Dias Toffoli no julgamento das medidas cautelares nas
ADCs 43 e 44. Para o ministro, fora deste marco fixado, a possibilidade de
antecipação do cumprimento da pena se restringe a poucas situações, explicitadas
em seu voto – entre elas no caso de condenação, confirmada em segunda
instância, por crimes graves, para a garantia da ordem pública ou da aplicação
da lei penal.
O ministro Dias Toffoli reiterou os fundamentos apresentados em seu voto
no julgamento da medidas cautelares nas ADCs 43 e 44 no sentido de aguardar o
julgamento no STJ de recurso especial. Isso porque, para ele, a necessidade de
demonstração de repercussão geral como requisito para o recebimento de recurso
extraordinário pelo STF dificulta a admissão no caso de matéria penal, pois
pressupõe a transcendência dos interesses subjetivos do recorrente. “Como o
recurso extraordinário não se presta à correção de ilegalidades de cunho
meramente individual, não há razão para se impedir a execução da condenação na
pendência de seu julgamento”, afirmou.
Toffoli ressaltou, entretanto, que o fato de se aguardar o julgamento de
recurso especial pelo STJ não estabelece a possibilidade de prescrição. “O
sistema processual penal, endossado pela jurisprudência do STF, dispõe de
mecanismos hábeis para obstar o uso abusivo ou protelatório dos recursos
criminais”, observou.
Trânsito em julgado
O ministro Ricardo Lewandowski votou pela concessão do habeas corpus
para que o ex-presidente Lula permaneça em liberdade até o trânsito em julgado
da sentença penal condenatória. Para ele, as decisões do TRF-4 e do STJ que
admitem a execução provisória da pena são ilegais por falta de fundamentação
adequada e motivação. A prisão, afirma, foi determinada automaticamente pelos
tribunais, em afronta ao que dispõe o artigo 288 do Código de Processo Penal,
que exige a fundamentação. O ministro destacou ainda que, em caso de reforma da
sentença condenatória, não é possível restituir a liberdade de alguém preso
ilegalmente. “A vida e a liberdade não se repõem jamais”, afirmou. A presunção
de inocência, enfatizou, “representa a mais importante salvaguarda dos
cidadãos, considerado o congestionadíssimo e disfuncional sistema judiciário
brasileiro”.
O ministro Marco Aurélio votou pela concessão da ordem nos termos
propostos pelo ministro Lewandowski. Para ele, o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória é condição para se chegar à execução da pena. “É
necessário que a culpa esteja extreme de dúvidas”, explicou. A possibilidade de
cumprimento de pena antes do trânsito em julgado, no seu entendimento, é medida
precoce, e a garantia constitucional da presunção de inocência não é letra
morta. “Meu dever maior não é atender a maioria indignada, mas tornar
prevalecente”, concluiu.
Ao também votar pela concessão do habeas corpus, o decano do Tribunal,
ministro Celso de Mello, enfatizou que há quase 29 anos tem julgado que as
sanções penais somente podem ser executadas após o trânsito em julgado da
sentença condenatória. Ele afirmou que o julgamento transcende a pessoa do
ex-presidente Lula, pois o que se discute – a presunção de inocência –
constitui garantia fundamental assegurada pela Constituição Federal aos
cidadãos. Para o ministro, o princípio da presunção de inocência não é absoluto
e encontra limite temporal no trânsito em julgado de sentença condenatória.
Trata-se, segundo ele, de limitação constitucional ao poder do Estado de
investigar, processar e julgar. “Ninguém pode ser tratado pelo Poder Público
como se culpado fosse sem que haja como fundamento uma sentença condenatória
transitada em julgado”, afirmou. “O direito de ser presumido inocente é um
direito fundamental”.
Redação/CR, AD
- Processo relacionado: HC 152752
http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=374437
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