DIGNIDADE HUMANA - Proibição a revista íntima em prisões garante dignidade humana, decide TJ-RJ
19 de março de 2018, 18h11
A revista íntima daqueles que vão
visitar familiares em prisões é desproporcional, humilhante e viola a dignidade
humana. Assim, lei estadual de iniciativa do Legislativo que só permite a
prática após exame de scanner e em caso de fundada suspeita
foi editada para assegurar o cumprimento de um direito fundamental, e não
invade a competência do governador para gerir secretarias do Executivo.
Revista íntima é medida
"medieval", disse desembargador Reinaldo Alberto Filho.
Reprodução
Esse foi o entendimento firmado nesta
segunda-feira (19/3) pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro ao negar três ações diretas de constitucionalidade que buscavam
invalidar as leis fluminenses 7.010/2015 e 7.011/2015. Duas delas
foram propostas pelo deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL), e a outra, pelo
Ministério Público.
Em 2015, os deputados estaduais Marcelo Freixo (PSOL), Jorge Picciani
(PMDB) e André Ceciliano (PT) apresentaram dois projetos de lei para extinguir
as revistas vexatórias em prisões e estabelecimentos de recuperações de
adolescentes no estado. Alegando vício de iniciativa, o governador Luiz
Fernando Pezão (MDB) vetou integralmente as propostas.
Porém, a 13ª Câmara Cível do TJ-RJ
aceitou pedido da Defensoria Pública fluminense em ação civil pública e
suspendeu a revista íntima no Rio. Em seguida, a Assembleia Legislativa do Rio
de Janeiro (Alerj) derrubou os vetos de Pezão e promulgou as duas leis. No ano
passado, o governo firmouacordo com a
Defensoria para cessar a medida em prisões.
As normas – a 7.010 trata de estabelecimentos prisionais, a 7.011
daqueles para o cumprimento de medidas sócio-educativas – estabelecem que a
revista de visitantes “será realizada com respeito à dignidade humana”. E esse
procedimento será feito de forma mecânica, como o uso de equipamentos como
detectores de metais e aparelhos de raio-x.
Assim, as leis proíbem a revista íntima de visitantes e presos
retornando ao cárcere – quando a pessoa é obrigado a se despir e ser analisado
manualmente ou visualmente. É comum que agentes penitenciários obriguem
mulheres a ficarem nuas e se agacharem sobre espelhos, de forma a verificar se
carregam algo em suas vaginas.
Porém, há uma exceção: a revista
íntima pode ser feita se houver “fundada suspeita” de que o visitante porte
itens que não podem ser levados a prisões, como armas, drogas e celulares.
Nessas situações, a medida equivale à busca pessoal, regulada pelo Código de Processo Penal.
A “fundada suspeita” deverá ter caráter objetivo e ser detalhadamente
registrada em livro da administração prisional, que deve ser assinado revistado
e duas testemunhas. Antes de a revista ser feita, o responsável pelo
estabelecimento deverá explicar ao visitante os motivos que justificam o
procedimento, dando-lhe a opção de se recusar a passar por ele e desistir da
visita. Se ele concordar, o exame deverá ser feito em local reservado, por
agente prisional do mesmo sexo, e com o acompanhamento de duas testemunhas.
Tratamento humilhante
O relator do caso, desembargador Reinaldo Pinto Alberto Filho, afirmou que as normas regulamentaram a dignidade da pessoa humana – uma garantia fundamental. A seu ver, forçar alguém a ficar nu diante outras pessoas e revistá-lo é um ato de “violência institucional” por parte do Estado.
O relator do caso, desembargador Reinaldo Pinto Alberto Filho, afirmou que as normas regulamentaram a dignidade da pessoa humana – uma garantia fundamental. A seu ver, forçar alguém a ficar nu diante outras pessoas e revistá-lo é um ato de “violência institucional” por parte do Estado.
O magistrado destacou que a revista íntima, salvo se houver fundadas
razões para fazê-la, é uma medida “desproporcional”. “A atividade estatal deve
ser pautada por medidas proporcionais, não autoritárias”.
Definindo a prática como “medieval”, o relator disse que ela enfraquece
a segurança pública. Alberto Filho também citou que a Organização dos Estados
Americanos já considerou a revista íntima indiscriminada um ato de tortura.
Dessa maneira, ele votou por negar as ações e declarar constitucionais
as leis 7.010/2015 e 7.011/2015. O desembargador Nagib Slaibi Filho divergiu
parcialmente. Ele entendeu que o artigo 4º, parágrafo 2º, das normas, é
inconstitucional. Isso porque regulamenta a “fundada suspeita” que permite a
revista íntima, matéria processual penal, que só poderia ser tratada pela
União.
Contudo, nenhum outro desembargador seguiu Slaibi Filho. Todos os demais
integrantes do Órgão Especial concordaram com o relator e rejeitaram as ações.
Sacrifício social
Em sustentação oral na sessão desta segunda do Órgão Especial, Lygia Regina de Oliveira Martan, representando Flávio Bolsonaro, afirmou que as leis 7.010/2015 e 7.011/2015 possuem vício formal. Como foram propostas por deputados estaduais, desrespeitam o artigo 112 da Constituição do Rio de Janeiro, alegou. O dispositivo estabelece que normas sobre a criação e extinção de secretarias e órgãos públicos são de iniciativa privativa do governador. Segundo a advogada, as leis ofendem a separação de poderes e geram custos indevidos para o Estado, que tem que comprar scanners para colocar em prisões.
Em sustentação oral na sessão desta segunda do Órgão Especial, Lygia Regina de Oliveira Martan, representando Flávio Bolsonaro, afirmou que as leis 7.010/2015 e 7.011/2015 possuem vício formal. Como foram propostas por deputados estaduais, desrespeitam o artigo 112 da Constituição do Rio de Janeiro, alegou. O dispositivo estabelece que normas sobre a criação e extinção de secretarias e órgãos públicos são de iniciativa privativa do governador. Segundo a advogada, as leis ofendem a separação de poderes e geram custos indevidos para o Estado, que tem que comprar scanners para colocar em prisões.
Fazendo a ressalva de que “todos queremos um país melhor, em que a dignidade
humana seja efetiva”, a advogada de Bolsonaro afirmou que não dá para ignorar
que visitas levam armas, drogas e celular a presos. De acordo com Lygia, as
normas violam a razoabilidade, pois o estado do Rio, que passa por crise
financeira, não tem recursos para comprar equipamentos para fiscalizar todas as
prisões. Sem poder fazer revistas íntimas, o estado estaria estimulando a
entrada de objetos que podem aumentar a violência dentro das penitenciárias,
disse a advogada, apontando que nenhum direito é absoluto e pode se sobrepor ao
interesse da sociedade.
“Revista íntima é, sim, constrangedora. Mas é um ônus a ser suportado em
prol da segurança de toda a sociedade”, declarou Lygia Martan.
Por sua vez, a procuradora do estado do Rio Fabiana Braga argumentou que
as leis são formalmente inconstitucionais por dois outros motivos. Um deles é
que as normas impõem limitações à busca pessoal que o CPP não autoriza. E
apenas a União pode legislar sobre Direito Penal e Direito Processual Penal.
E essa “rotina burocrática” exigida pelas leis estaduais para que se
possa fazer uma revista íntima contraria a presunção de legitimidade dos atos
administrativos, sustentou a procuradora. “Abusos devem ser reprimidos, mas com
base no devido processo legal”, disse Fabiana, ressaltando que exames
vexatórios não estão mais sendo feitos no Rio.
Avanço civilizatório
Como amicus curiae, o defensor público-geral fluminense, o defensor público-geral do Rio, André Luís Machado de Castro, classificou a revista vexatória de “procedimento humilhante, incivilizado e absolutamente contrário à Constituição Federal e à Constituição do Rio de Janeiro”.
Como amicus curiae, o defensor público-geral fluminense, o defensor público-geral do Rio, André Luís Machado de Castro, classificou a revista vexatória de “procedimento humilhante, incivilizado e absolutamente contrário à Constituição Federal e à Constituição do Rio de Janeiro”.
Citando o tema 917 de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal,
Castro destacou que as leis não possuem vício de iniciativa, uma vez que não
usurparam a competência do chefe do Executivo. Isso porque não criaram cargos
nem alteraram a estrutura da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária.
O defensor-geral ainda avaliou que a revista íntima é ineficaz em
prevenir a entrada de objetos proibidos em prisões. Castro mencionou que estudo
feito no sistema penitenciário de São Paulo mostrou que a cada 10 mil pessoas
submetidas a exame vexatório, apenas uma era flagrada com droga ou celular –
nunca armas. E mais: de todas as apreensões feitas em prisões, somente 3% das
de entorpecentes e 8% das de telefones foram feitas com esse procedimento.
“A proibição da revista vexatória foi um avanço civilizatório. Voltar
atrás não faria sentido”, afirmou André Luís Castro.
Já o procurador da Alerj Rodrigo Lopes Lourenço opinou que, ao submeter
visitantes a exames íntimos, o Estado trata essas pessoas como se eles tivessem
sido condenadas criminalmente – algo ilegal, uma vez que a pena não ultrapassa
a pessoa do sentenciado. Conforme Lourenço, os scanners são eficazes em
detectar objetos ilegais. E eles indicam quando realmente é imprescindível
fazer a revista íntima – tanto que os equipamentos constituem a checagem comum
feita em aeroportos.
Já o advogado Carlos Nicodemos Oliveira Silva, em nome do amicus curiae
Organização de Direitos Humanos - Projeto Legal, declarou que a Lei 7.011/2015
– que regula a revista íntima para visitas a adolescentes – apenas regulamentou
o direito à convivência familiar, um dos pilares da ressocialização dos
detidos.
Processos 0026431-47.2015.8.19.0000, 0026457-45.2015.8.19.0000
e 0036136-69.2015.8.19.0000
*Texto atualizado às 18h35 do dia
19/3/2018 para acréscimo de informações.
https://www.conjur.com.br/2018-mar-19/proibicao-revista-intima-prisoes-garante-dignidade-tj-rj
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