Administração pública, agentes e responsabilidades: questões de gestão pública na pauta do STJ
ESPECIAL
25/03/2018 06:52
Ao assumir a posição de gestor em qualquer das
esferas da administração, o agente público precisa estar atento a uma série de
leis, normas e princípios que devem orientar sua conduta ao realizar
contratações, ordenar despesas e gerir as atividades administrativas como um
todo.
Textos como a Lei de Licitações (Lei 8.666/93),
a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92)
e os regimes de servidores, a exemplo do Regime Jurídico dos Servidores
Públicos da União (Lei 8.112/90),
são alguns dos mais importantes para os administradores públicos, sejam agentes
políticos, sejam servidores de áreas de gestão da União, estados ou municípios.
No contexto do controle judicial dos atos de gestão
pública, uma parte considerável dos recursos julgados pelo Superior Tribunal de
Justiça (STJ) diz respeito a eventuais atos de improbidade dos administradores
em procedimentos como licitações e na gestão financeira dos órgãos.
Licitações
Fixada como exigência constitucional na Carta Magna
de 1988, a licitação tem relação direta com princípios como os da
indisponibilidade e da supremacia do interesse público. A Lei de Licitações –
de observância obrigatória pela União, estados, Distrito Federal e municípios –
regulamenta o inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal, e estabelece as
modalidades, fases e casos de dispensa ou inexigibilidade do procedimento
licitatório.
“No âmbito das contratações pelo Poder Público, a
regra é a subordinação do administrador ao princípio da licitação, decorrência,
aliás, do artigo 37, XXI, da Constituição Federal. Tratando-se, portanto, a
inexigibilidade de licitação de exceção legal, é certo que a sua adoção, pelo
gestor público, deverá revestir-se de redobrada cautela, em ordem a que não
sirva de subterfúgio à inobservância do certame licitatório”, destacou o
ministro Sérgio Kukina em julgamento que manteve a
condenação de servidores de Assis (SP) que realizaram contratação direta de
empresa fora das hipóteses previstas em lei.
Os casos de dispensa indevida de licitação ou de
fraude ao processo licitatório estão entre as principais hipóteses discutidas
pelo STJ. Nesses casos, quando constatado o ato ilegal, o tribunal possui o
entendimento de que há o chamado dano in re ipsa – ou seja, o
dano presumido, que prescinde de comprovação.
“No que tange à possibilidade de imposição de
ressarcimento ao erário, nos casos em que o dano decorrer da contratação
irregular proveniente de fraude a processo licitatório, a jurisprudência desta
corte de Justiça tem evoluído no sentido de considerar que o dano, em tais
circunstâncias, é in re ipsa, na medida em que o poder público
deixa de, por condutas de administradores, contratar a melhor proposta”,
explicou o ministro Og Fernandes ao analisar ação
civil pública que apontava fraude na contratação de empresa de assistência
contábil em Fernandópolis (SP).
Dolo específico
Na esfera penal, todavia, o STJ tem jurisprudência
no sentido de que, para a configuração do crime de dispensa de licitação ou
inexigibilidade fora das hipóteses previstas em lei, é indispensável a
comprovação do dolo específico do agente em causar dano ao erário, assim como
do prejuízo à administração pública.
O entendimento foi aplicado pela Sexta Turma
ao examinar pedido
de habeas corpus de ex-prefeito de Santa Cecília (SC) condenado a três anos de
detenção, em regime aberto, por ter dispensado licitação para a compra de areia
em hipótese não prevista pela Lei 8.666/93. A pena foi aplicada em razão do
crime previsto no artigo 89 da Lei de Licitações.
O relator do pedido de habeas corpus, ministro Nefi
Cordeiro, apontou que a condenação se baseou na natureza formal de crime de
perigo abstrato e na suficiência de dolo genérico para a caracterização do
delito descrito pela Lei de Licitações.
No entanto, para o ministro, o julgamento
contrariou decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do STJ no sentido da
necessidade de demonstração da vontade livre e consciente do agente dirigida
para a não realização do ato licitatório, bem como da intenção do gestor de
trazer prejuízos aos cofres públicos em virtude da dispensa do certame.
“No caso, assim como é da letra do aresto
impugnado, não havendo comprovação da ocorrência de prejuízo ou de dolo de
causar dano ao erário com as contratações realizadas, deve ser reconhecida a
atipicidade da conduta”, concluiu o ministro ao anular a condenação.
Improbidade
Os esforços brasileiros para o combate à corrupção
e aos desvios de administradores públicos tiveram um grande impulso com a
entrada em vigor da Lei de Improbidade Administrativa, em 1992. Fruto de
demandas sociais para a moralização do serviço público, a lei estabeleceu
aspectos materiais e processuais para apuração de atos de improbidade e punição
dos responsáveis, com a definição dos sujeitos ativos e passivos, penas
aplicáveis e os procedimentos administrativos e judiciais cabíveis.
Nos artigos 9º, 10 e 11, a legislação especificou
atos considerados ímprobos, a exemplo daqueles que geram enriquecimento
ilícito, causam prejuízo ao erário e atentam contra os princípios da
administração.
“Para a correta fundamentação da condenação
por improbidade administrativa, é imprescindível, além da subsunção do fato à
norma, caracterizar a presença do elemento subjetivo. A razão para tanto é que
a Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil, mas sim o
desonesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé.”
A avaliação foi feita pelo ministro Herman Benjamin
ao julgar recurso
oriundo de ação civil pública proposta contra ex-presidente da Câmara Municipal
de Novo Hamburgo (RS) que, segundo o Ministério Público, teria determinado
licitação para a contratação de empresa para impressão das leis municipais em
braile, mesmo havendo parecer contrário da assessoria jurídica.
Em virtude do valor apurado para contratação da
empresa – cerca de R$ 78 mil –, a assessoria jurídica advertiu o então chefe da
casa legislativa sobre a possibilidade de aquisição de uma impressora de
documentos em braile por cerca de R$ 17 mil. Para o órgão de assessoramento, a
alternativa geraria uma economia de R$ 61 mil ao erário sem que fosse afetado o
objetivo de democratizar as informações legislativas. Mesmo assim, a licitação
foi realizada.
Proporção
Após sentença de primeiro grau que considerou
improcedente o pedido de condenação por improbidade, o Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul reformou o julgamento por entender que a conduta do
ex-presidente da Câmara foi dolosa, com a configuração do ato de improbidade.
Por isso, o tribunal gaúcho estabeleceu penas como o ressarcimento do dano ao
erário, em valor equivalente a uma impressora em braile, além de multa civil e
suspensão dos direitos políticos por cinco anos.
Em análise do recurso do ex-chefe do Legislativo
municipal, o ministro Herman Benjamin destacou que, ainda que a intenção do
administrador tenha sido boa – disponibilizar as leis às pessoas com
dificuldades de leitura –, ficou demonstrado nos autos que a sua atitude feriu
princípios constitucionais e gerou prejuízo ao erário. Em relação à dosimetria
da pena, porém, o ministro entendeu que a avaliação da proporção entre o ato
ímprobo e a sanção aplicada pode ser reavaliada pelo STJ em casos excepcionais.
“O caso presente se enquadra nessa
excepcionalidade. Apesar de caracterizada a improbidade, a conduta única do réu
não se reveste de lesividade intensa ao bem jurídico a justificar a suspensão
dos direitos políticos por cinco anos, por ser pena excessiva, razão pela qual
se deve suprimir tal sanção, mantidas as demais punições impostas na origem”,
concluiu o ministro ao acolher parcialmente o recurso.
Insignificância
Elementos de dolo, culpa e o princípio da
insignificância também foram analisados pelo
ministro Herman Benjamin em mandado de segurança impetrado por servidora
demitida sob acusação de haver violado, entre outros, os incisos IX (valer-se
de cargo público para obter proveito pessoal) e XVI (utilizar recursos públicos
em atividades particulares) do artigo 117 da Lei 8.112/90.
De acordo com a comissão disciplinar, a servidora,
como usuária do sistema Siafi, requisitou autorização para pagamento com
irregularidades nos processos de concessão de auxílio financeiro a indígena e,
sem seguida, enviou ordem bancária no valor de R$ 27 mil para liquidação sem
assinatura do gestor financeiro. Ela também teria se apropriado indevidamente
de celular pertencente à Fundação Nacional do Índio (Funai) e recebido
ilegalmente diárias do órgão.
No mandado de segurança, a servidora demitida
defendeu a aplicação do princípio da insignificância ao caso, tendo em vista o
baixo potencial ofensivo de sua conduta. Também alegou que não tinha interesse
em causar prejuízo ao erário e, além disso, a pena de demissão – e a
consequente cassação de sua aposentadoria – seria desproporcional aos atos que
lhe foram imputados.
O ministro Herman Benjamin destacou que, no caso
analisado, o prejuízo ao erário era incontroverso e havia, se não o dolo, ao
menos a culpa confessada pela própria ex-servidora. “Por via de consequência,
ainda que se afastasse o dolo na conduta, permaneceria a culpa. Nesse contexto,
a improbidade administrativa é evidente e o resultado jurídico é a aplicação da
penalidade de demissão”, explicou.
Em relação à alegação de irrazoabilidade da sanção,
o ministro lembrou que, entre as condutas imputadas à servidora, está a
participação em concessão irregular de auxílio financeiro de R$ 27 mil.
“Nesse quadro, não se pode considerar irrisório o
prejuízo causado e nem mesmo leve a gravidade da conduta”, apontou o ministro
ao negar o pedido de suspensão da pena de demissão.
Pesquisa Pronta
No serviço Pesquisa Pronta, a
cargo da Secretaria de Jurisprudência, o STJ oferece diversas pesquisas sobre
temas relacionados à gestão pública. A ferramenta atualiza, em tempo real, o
resultado de pesquisas sobre assuntos jurídicos relevantes, casos notórios e
teses de recursos repetitivos.
Algumas dessas pesquisas podem ser consultadas
abaixo:
Biblioteca
Na série Bibliografias Selecionadas, a
Biblioteca do STJ reuniu documentos de doutrina, legislação e notícias
sobre Corrupção e
Improbidade Administrativa, publicados entre 2015 e 2017. O
acesso à íntegra das obras poderá ser feito por meio do link disponível abaixo
de cada referência. Para acessar o texto integral das obras que não contenham o
link, solicite cópia pelo e-mail atendimento.biblioteca@stj.jus.br.
Outros assuntos estão disponíveis em BDJur >
Doutrina > Bibliografias Selecionadas.
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a Biblioteca.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1275469REsp 728341HC 377711REsp 1674354MS 21715
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