STF garante posse de terras às comunidades quilombolas
Por maioria de votos,
Plenário do STF conclui julgamento de ADI e declara a validade do Decreto
4.887/2003, garantindo, com isso, a titulação das terras ocupadas por
remanescentes das comunidades quilombolas.
Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a
validade do Decreto 4.887/2003, garantindo, com isso, a titulação das terras
ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas. A decisão foi tomada na
sessão desta quinta-feira (8), no julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 3239, julgada improcedente por oito ministros.
A ação foi ajuizada pelo Partido da Frente Liberal (PFL), atual
Democratas (DEM), contra o Decreto 4.887/2003, que regulamenta o procedimento
para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das
terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. A legenda
apontou diversas inconstitucionalidades, entre elas o critério de
autoatribuição fixado no decreto para identificar os remanescentes dos
quilombos e a caracterização das terras a serem reconhecidas a essas
comunidades.
Votaram pela improcedência integral da ação a ministra Rosa Weber e os
ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux, Marco Aurélio, Celso de
Mello e a presidente, ministra Cármen Lúcia. O ministro Luís Roberto Barroso
também votou pela improcedência, mas com a diferença que, além das comunidades
remanescentes presentes às terras na data da publicação da Constituição Federal
de 1988, têm direito à terra aquelas que tiverem sido forçadamente
desapossadas, vítimas de esbulho renitente.
Já os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes votaram pela parcial
procedência da ação, dando interpretação conforme a Constituição ao dispositivo
para também dizer que têm direito às terras, além das comunidades presentes na
data da promulgação da Constituição, os grupos que comprovarem a suspensão ou
perda da posse em decorrência de atos ilícitos praticados por terceiros.
O ministro Cezar Peluso (aposentado), relator do caso, foi o único voto
pela total procedência da ação.
Relator
O julgamento do caso teve início em abril de 2012, quando o relator
votou pela inconstitucionalidade do Decreto 4.887/2003, que regulamenta o
procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e
titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos,
impugnado pelo partido político. Entre outros pontos, o ministro salientou, na
ocasião, que o decreto somente poderia regulamentar uma lei, jamais um
dispositivo constitucional. Outra inconstitucionalidade por ele apontada está
na desapropriação das terras. Isso porque a desapropriação de terras públicas é
vedada pelos artigos 183, parágrafo 3º, e 191, parágrafo único, da
Constituição. O julgamento, então, foi interrompido por um pedido de vista da
ministra Rosa Weber.
Ministra Rosa Weber
No retorno do caso ao Plenário, em março de 2015, a ministra Rosa Weber
abriu a divergência e votou pela improcedência da ação, concluindo pela
constitucionalidade do decreto presidencial. Em seu voto, Rosa Weber disse que
o objeto do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
(ADCT) é o direito dos remanescentes das comunidades dos quilombos de ver
reconhecida pelo Estado a sua propriedade sobre as terras por eles histórica e
tradicionalmente ocupadas. “Tenho por inequívoco tratar-se de norma definidora
de direito fundamental de grupo étnico-racial minoritário, dotada, portanto, de
eficácia plena e aplicação imediata e, assim, exercitável o direito subjetivo
nela assegurado, independentemente de qualquer integração legislativa”.
Novamente o julgamento foi suspenso, dessa vez por pedido de vista do
ministro Dias Toffoli.
Ministro Dias Toffoli
O ministro Dias Toffoli apresentou seu voto vista em novembro de 2015,
oportunidade em que afastou a alegação de inconstitucionalidade formal do
decreto que, de acordo com o autor da ação, estaria regulamentando
autonomamente uma regra constitucional. Ele observou que o decreto impugnado,
na verdade, regulamenta as Leis 9.649/1988 e 7.668/1988, e não a Constituição
Federal diretamente.
O ministro decidiu incluir em seu voto um marco temporal, dando
interpretação conforme a Constituição ao parágrafo 2º do artigo 2º do
decreto, no sentido de esclarecer, nos termos do artigo 68 do ADCT, que somente
devem ser titularizadas as áreas que estavam ocupadas por remanescentes das
comunidades dos quilombos, inclusive as efetivamente utilizadas para a garantia
de sua reprodução física, social, econômica e cultural, na data da promulgação
da Constituição – 5 de outubro de 1988 – salvo os casos em que houver
comprovação, por todos os meios de prova juridicamente admitidos, da suspensão
ou perda da posse em decorrência de atos ilícitos praticados por terceiros.
Ministro Edson Fachin
Na sequência da votação, o ministro Fachin afastou as alegações de
inconstitucionalidade formal e material. Para o ministro, é legítima a opção
administrativa pela instauração de processo de desapropriação das terras
eventualmente na posse ou domínio de terceiros para assegurar a propriedade das
comunidades quilombolas às terras que tradicionalmente ocupam. O ministro
também considerou válido o critério de autodefinição previsto no decreto.
Quanto ao marco temporal sugerido pelo ministro Toffoli, o ministro
Fachin salientou que, se no tocante à questão indígena esse tema já enseja
questionamentos de complexa solução, quanto ao direito à propriedade das áreas
dos quilombolas a questão tem contornos ainda mais sensíveis. Segundo o
ministro, a ausência de regulamentação da matéria antes do advento da
Constituição de 1988 torna muito difícil ou até impossível a comprovação da
presença dessas comunidades. Assim, o ministro votou pela improcedência da ADI.
Ministro Roberto Barroso
O ministro Luís Roberto Barroso também votou pela improcedência da ação,
no sentido da validade do decreto que, para ele, disciplina e concretiza um
direito fundamental, previsto no artigo 68 do ADCT. O ministro também
considerou legítimo o critério da autodefinição, lembrando que esse critério
não é único, mas o início de todo um procedimento que inclui laudos
antropológicos e outros, que tornam possível afastar eventuais fraudes.
Quanto ao marco temporal, o ministro disse que, além das comunidades que
estavam presentes na área quando da promulgação da Constituição de 1988, também
fazem jus ao direito aquelas que tiverem sido forçadamente desapossadas,
vítimas de esbulho renitente, cujo comportamento à luz da cultura aponta para
sua inequívoca intenção de voltar ao território, desde que relação com a terra
tenha sido preservada.
Ministro Ricardo Lewandowski
O ministro Ricardo Lewandowski também votou pela improcedência. Para
ele, o autor da ADI não conseguiu demonstrar minimamente quais seriam as
supostas violações ao texto constitucional. Segundo o ministro, a ação
demonstra, na verdade, um mero inconformismo do autor com os critérios usados
pelo decreto. Ainda de acordo com o ministro Lewandowski, o artigo 68 do ADCT,
ao assegurar reconhecimento propriedade definitiva, encerra norma asseguradora
de direitos fundamentais, de aplicabilidade plena e imediata, uma vez que
apresenta todos os elementos jurídicos necessários à sua pronta incidência.
Com esses argumentos, o ministro acompanhou integralmente a ministra
Rosa Weber, mantendo a definição do marco temporal previsto no decreto.
Ministro Gilmar Mendes
O ministro Gilmar Mendes acompanhou, na integralidade, o voto do
ministro Dias Toffoli pela parcial procedência da ação, para dar
interpretação conforme ao parágrafo 2º do artigo 2º do decreto, no sentido de
que somente devem ser titularizadas as áreas ocupadas por remanescentes das
comunidades dos quilombos, na data da promulgação da Constituição, ressalvados
os territórios que o grupo conseguir comprovar a suspensão ou perda da posse em
decorrência de atos ilícitos praticados por terceiros.
Ministro Luiz Fux
O ministro Luiz Fux salientou que a regularização fundiária das terras
quilombolas tem notório interesse social. Em seu entendimento, a norma
constitucional é claramente protetiva e os requisitos previstos no decreto para
o reconhecimento da comunidade e a titulação da propriedade, como a
ancestralidade da ocupação, trajetória histórica, entre outros, são plenamente
controláveis pelo setor público.
Ministro Marco Aurélio
O ministro Marco Aurélio observou que o artigo 68 do ADCT não cuida de
direitos individuais, mas sim de direitos coletivos. Em seu entendimento, não
há dúvida de que o direito de quilombolas às terras ocupadas pela comunidade
foi reconhecido e que o decreto questionado busca dar concretude à norma
constitucional. Destacou, ainda, que o decreto impugnado, além de não
configurar um ato normativo abstrato autônomo, pois não inovou no cenário
jurídico, não contraria a Constituição Federal.
Ministro Celso de Mello
Para o ministro Celso de Mello, os preceitos do artigo 68 do ADCT são
autoaplicáveis, mas o decreto confere efetividade máxima à norma
constitucional. Segundo ele, a norma constitucional veicula uma série de
direitos fundamentais, pois a propriedade de terras pelas comunidades
quilombolas vincula-se a um amplo conjunto de direitos e garantias sociais de
caráter coletivo, além do direito fundamental à proteção do patrimônio
cultural. Ressaltou que a titulação de terras guarda uma intima vinculação com
o postulado da essencial dignidade da pessoa humana, pois assegura direito a
uma moradia de pessoas carentes e um mínimo necessário para os remanescentes de
quilombos, tendo em vista que a terra apresenta um significado especial para
essas comunidades.
Ministra Cármen Lúcia
Para a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, as alegações de
inconstitucionalidades contra o decreto são infundadas. Ela salientou que o
legislador constituinte reconheceu aos quilombolas a propriedade definitiva das
terras, cabendo ao Estado apenas cumprir essa determinação. Em seu
entendimento, os critérios elencados pelo decreto impugnado para a definição
das comunidades estão de acordo com o texto constitucional.
MB, PR/CR
MB, PR/CR
http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=369187
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