2ª Turma concede HC coletivo a gestantes e mães de filhos com até doze anos presas preventivamente
Imprensa
Seguindo o voto do relator, ministro Ricardo
Lewandowski, o colegiado determinou a substituição da prisão preventiva pela
domiciliar das mulheres nessa situação, em todo o território nacional, sem
prejuízo da fixação de medidas cautelares alternativas.
A Segunda
Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na sessão desta terça-feira
(20), por maioria de votos, conceder Habeas Corpus (HC 143641) coletivo para
determinar a substituição da prisão preventiva por domiciliar de mulheres
presas, em todo o território nacional, que sejam gestantes ou mães de crianças
de até 12 anos ou de pessoas com deficiência, sem prejuízo da aplicação das
medidas alternativas previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal (CPP).
Para o
Coletivo de Advogados em Direitos Humanos, impetrante do habeas corpus, a
prisão preventiva, ao confinar mulheres grávidas em estabelecimentos prisionais
precários, tira delas o acesso a programas de saúde pré-natal, assistência
regular na gestação e no pós-parto, e ainda priva as crianças de condições
adequadas ao seu desenvolvimento, constituindo-se em tratamento desumano, cruel
e degradante, que infringe os postulados constitucionais relacionados à
individualização da pena, à vedação de penas cruéis e, ainda, ao respeito à
integridade física e moral da presa.
Sustentações
O
defensor público-geral federal citou precedentes do STF e do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) para defender, da tribuna, o cabimento de habeas corpus
coletivo. Quanto ao mérito, destacou que “não é preciso muita imaginação” para
perceber os impactos do cárcere em recém-nascidos e em suas mães: a criança
nascida ou criada em presídios fica afastada da vida regular.
Advogadas
do Coletivo de Advogados em Direitos Humanos defenderam também o cabimento do
habeas coletivo, afirmando que apenas um instrumento com esta natureza pode
fazer frente a violências que se tornaram coletivizadas. Para elas, trata-se do
caso mais emblemático de violência prisional com violação aos direitos humanos.
Também se
manifestaram durante a sessão defensores públicos de São Paulo e do Rio de
Janeiro e representantes da Pastoral Carcerária, do Instituto Alana, da
Associação Brasileira de Saúde Coletiva e do Instituto de Defesa do Direito de
Defesa.
Cabimento
Inicialmente,
os ministros da Segunda Turma discutiram o cabimento do HC coletivo. Para o
relator, ministro Ricardo Lewandowski, o habeas corpus, como foi apresentado,
na dimensão coletiva, é cabível. Segundo ele, trata-se da única solução viável
para garantir acesso à Justiça de grupos sociais mais vulneráveis. De acordo
com o ministro, o habeas corpus coletivo deve ser aceito, principalmente, porque
tem por objetivo salvaguardar um dos mais preciosos bens do ser humano, que é a
liberdade. Ele lembrou ainda que, na sociedade contemporânea, muitos abusos
assumem caráter coletivo.
Lewandowski
citou processo julgado pela Corte Suprema argentina, que, em caso envolvendo
pessoas presas em situação insalubre, reconheceu o cabimento de habeas
coletivo. O mesmo ocorreu com o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, em
situação envolvendo presos colocados em contêineres, transformou um HC
individual em corpus coletivo.
Já o
ministro Dias Toffoli citou, entre outros argumentos, os incisos LXVIII, LXIX e
LXX do artigo 5º da Constituição Federal, que afirmam o cabimento de mandado de
segurança quando não couber habeas corpus. Assim como o MS pode ser coletivo,
ele entende que o HC também pode ter esse caráter. Contudo, o ministro conheceu
em parte do HC, por entender que não se pode dar trâmite a impetrações contra
decisões de primeira e segunda instâncias, só devendo analisar os pleitos que
já passaram pelo STJ. Nos demais casos, contudo, o STF pode conceder ordens de
ofício, se assim o entender, explicou o ministro.
Para o
ministro Gilmar Mendes, do ponto de vista constitucional, é preciso ser
bastante compreensivo no tocante à construção do HC como instrumento
processual. O habeas, segundo o ministro, é a garantia básica que deu origem a
todo o manancial do processo constitucional. O caso em julgamento, frisou, é
bastante singularizado e necessita de coletivização.
O decano
da Corte, ministro Celso de Mello, defendeu que se devem aceitar adequações a
novas exigências e necessidades resultantes dos processos sociais econômicos e
políticos, de modo a viabilizar a adaptação do corpo da Constituição a nova
conformação surgida em dado momento histórico.
O
presidente da Turma, ministro Edson Fachin, concordou com os argumentos
apresentados pelos demais ministros quanto à elasticidade da compreensão que
permite a impetração de habeas corpus coletivo. Contudo, acompanhou o ministro
Dias Toffoli quanto à abrangência do conhecimento, que não atinge decisões de
primeira e segunda instâncias.
Mérito
Quanto ao
mérito do habeas corpus, o relator ressaltou que a situação degradante dos
presídios brasileiros já foi discutida pelo STF no julgamento da medida
cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347.
Nesse ponto, lembrou o entendimento jurídico segundo o qual fatos notórios
independem de provas.
A
pergunta em debate reside em saber se há, de fato, deficiência estrutural no
sistema prisional que faça com que mães e crianças estejam experimentando
situação degradantes, privadas de cuidados médicos. E a resposta, de acordo com
o relator, é afirmativa. Ele citou novamente o julgamento da ADPF 347, quando o
STF reconheceu o estado de coisas inconstitucional no sistema prisional
brasileiro.
O relator
citou dados do Infopen (Levantamento de Informações Penitenciárias) que
demonstram que as mulheres presas passam por situações de privação. Para o
ministro, é preciso tornar concreto o que a Constituição Federal determina,
como o disposto no artigo 5º, inciso XLV, que diz que nenhuma pena passará para
terceiro. E, para o ministro Lewandowski, a situação em debate leva a que se
passe a pena da mãe para os filhos.
O
ministro revelou que seu voto traz narrativas absolutamente chocantes do que
acontece nas prisões brasileiras com mulheres e mães, que demonstram um
descumprimento sistemático de normas constitucionais quanto ao direito das
presas e seus filhos. Não restam dúvidas de que cabe ao Supremo concretizar
ordem judicial penal para minimizar esse quadro, salientou.
Além
disso, o ministro lembrou que os cuidados com a mulher presa se direcionam
também a seus filhos. E a situação em análise no HC 143641 viola o artigo 227
da Constituição, que estabelece prioridade absoluta na proteção às crianças.
O
ministro destacou ainda que o legislador tem se revelado sensível a essa
realidade e por isso foi editada a Lei 13.257/2016 (Estatuto da Primeira
Infância) que, segundo Lewandowski, trouxe aspectos práticos relacionados à
custódia cautelar da gestante e da mãe encarcerada, ao modificar o artigo 318
do CPP. O dispositivo autoriza o juiz a converter a prisão preventiva em
domiciliar quando a mulher estiver grávida ou quando for mãe de filho de até 12
anos incompletos.
O relator
votou no sentido de conceder a ordem para determinar a substituição da prisão
preventiva pela domiciliar – sem prejuízo da aplicação concomitante das
medidas alternativas previstas no artigo 319 do CPP – de todas as mulheres
presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças com até 12 anos sob sua guarda
ou pessoa com deficiência, listadas no processo pelo Departamento Penitenciário
Nacional (DEPEN) e outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal
condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência
ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas,
as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelo juízes que denegarem o
benefício.
O
ministro estendeu a ordem, de ofício, às demais as mulheres presas, gestantes,
puérperas ou mães de crianças, bem assim às adolescentes sujeitas a medidas
socioeducativas em idêntica situação no território nacional, observadas as
restrições previstas quanto ao item anterior.
Os
ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello acompanharam
integralmente o voto do relator quanto ao mérito.
Divergência
O ministro
Edson Fachin divergiu quanto à concessão do HC. Para ele, o estado de coisas
inconstitucional no sistema prisional brasileiro, reconhecido no julgamento da
ADPF 347, não implica automático encarceramento domiciliar. Apenas à luz dos
casos concretos se pode avaliar todas as alternativas aplicáveis, frisou.
O
ministro votou no sentido de deferir a ordem exclusivamente para dar
intepretação conforme aos incisos IV, V e VI do artigo 318 do CPP, a fim de
reconhecer como única interpretação a que condiciona a substituição da prisão
preventiva pela domiciliar à análise concreta e individualizada do melhor
interesse da criança, sem revisão automática das prisões preventivas já
decretadas.
MB/AD
http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=370152
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