CONTROLE DIFUSO CNJ - pode deixar de aplicar leis que considere inconstitucionais, decide STF
10 de janeiro de 2018, 10h37
Por terem a obrigação de cumprir a
Constituição, “órgãos administrativos autônomos” podem deixar de aplicar leis
que considerem inconstitucionais. A tese foi definida pelo Supremo Tribunal
Federal, por unanimidade, na última sessão do Plenário de 2016,
mas o acórdão só foi
publicado em dezembro de 2017.
A ministra Cármen Lúcia, relatora do caso analisado, permitiu que o
Conselho Nacional de Justiça reconheça institucionalidade de leis ao
analisar situações específicas. Em seu voto, ela disse que deixar de aplicar
uma norma por entendê-la inconstitucional é diferente de declará-la inconstitucional,
algo que só pode ser feito pelo Judiciário.
Órgãos de controle administrativo, conforme a ministra, têm o
“poder implicitamente atribuído” de adotar essa prática. Cármen citou o
CNJ, o Conselho Nacional do Ministério Público e o Tribunal de Contas da
União, todos com a possibilidade de “apreciar a constitucionalidade” de leis
pela Súmula 347 do STF.
“Se o órgão de controle concluir fundar-se o ato objeto de análise em
norma legal contrária à Constituição da República, afastar-lhe-á a aplicação na
espécie em foco”, escreveu. “Afinal, quem dá os fins, dá os meios.”
A ministra já era, na época, presidente do STF e do CNJ. O caso
concreto envolvia pedido para suspender decisão do conselho que
impediu a nomeação de cem comissionados pelo Tribunal de Justiça da
Paraíba. O fundamento do CNJ foi que a lei que deu origem às nomeações era
inconstitucional — a norma autorizou o TJ-PB a contratar comissionados para
“atos típicos” de servidores públicos, o que o Supremo já declarou
inconstitucional em diversas ocasiões.
Embora o entendimento do Supremo já tenha mais de um ano, o acórdão
só existe há um mês. No fim de 2017, o ministro Luiz Edson Fachin já aplicou o
entendimento por analogia ao reconhecer conduta semelhante do CNMP
e negar liminar num mandado de segurança (MS 34.987).
O próprio CNMP tem uma resolução, editada em março
de 2017, que permite ao órgão deixar de aplicar leis que considera inconstitucionais.
Para justificar a medida, o conselho cita dois precedentes do Supremo: a
decisão de dezembro de 2016, relatada pela ministra Cármen, e um mandado de
segurança que autoriza o CNJ a avaliar a legalidade dos atos administrativos do
Judiciário.
Entrelinhas
Para justificar seu argumento, a ministra Cármen Lúcia citou o livro Direito Municipal Brasileiro, de Hely Lopes Meirelles. Nele, o doutrinador diz que leis inconstitucionais não pode ser aplicadas pelo Executivo, justamente por seu conflito com uma “lei maior”. “Entre o mandamento da lei ordinária e o da Constituição deve ser atendido o deste e não o daquela, que lhe é subordinada”, escreveu o autor.
Para justificar seu argumento, a ministra Cármen Lúcia citou o livro Direito Municipal Brasileiro, de Hely Lopes Meirelles. Nele, o doutrinador diz que leis inconstitucionais não pode ser aplicadas pelo Executivo, justamente por seu conflito com uma “lei maior”. “Entre o mandamento da lei ordinária e o da Constituição deve ser atendido o deste e não o daquela, que lhe é subordinada”, escreveu o autor.
Para Cármen, embora a doutrina se refira a chefes do Executivo, o
entendimento pode ser aplicado aos órgãos administrativos. Para ela, a
construção faz parte do “ideal de sociedade aberta de intérpretes” descrito
pelo professor alemão Peter Häberle: “A interpretação constitucional é, em
realidade, mais um elemento da sociedade aberta, que envolve todas as potências
públicas, participantes materiais do processo social”.
O ministro Gilmar Mendes explicou que esse entendimento não é novo no
tribunal e deriva de precedente do ministro Moreira Alves, ainda dos anos 1990.
Naquela ocasião, Moreira Alves declarou constitucional ato administrativo do
governador de São Paulo orientando os órgãos do governo a deixar de aplicar
leis inconstitucionais.
Segundo o ministro Gilmar, esse tipo de situação “tradicionalmente
ocorre quanto o governo perde o controle nas assembleias legislativas”. No caso
paulista, o governador havia vetado diversas leis por entendê-las
inconstitucionais, mas deputados estaduais derrubaram os vetos,
promulgando as leis.
“Desde então, parte da doutrina tem lido que, se a autoridade dispõe da
alternativa de arguir a inconstitucionalidade, não precisa de se socorrer desse
elemento extremo”, concluiu Gilmar.
O ministro Luís Roberto Barroso também se declarou a favor dessa
interpretação. “Quem quer que tenha que aplicar lei, sem ser um órgão subalterno,
deve interpretar a Constituição e, se entender que a lei é incompatível com a
Constituição, tem que ter o poder de não a aplicar, sob pena de estar violando
a Constituição.”
*Texto editado às 13h59 para
acréscimo de informação
Clique aqui para ler o
acórdão.
PET 4.656
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https://www.conjur.com.br/2018-jan-10/cnj-nao-aplicar-leis-considere-inconstitucionais-stf
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