ATIVISMO JUDICIAL- Magistrados dizem que reforma trabalhista não pode ser aplicada como foi aprovada
9 de outubro de 2017, 17h01
Aprovada no Congresso Nacional e sancionada pela Presidência da
República, a reforma trabalhista ainda não foi discutida pelos tribunais,
mas juízes, desembargadores e ministros da Justiça do Trabalho já dizem
que as novas normas não poderão ser aplicadas integralmente.
Eles estão reunidos em Brasília nesta segunda-feira (9/10) em evento da
Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). No
encontro, ministros do Tribunal Superior do Trabalho, desembargadores,
procuradores e auditores fiscais do Trabalho, entre outros, fizeram duras
críticas às mudanças nas leis que regem as relações entre patrões e empregados
e avisaram: diversos pontos da reforma não se tornarão realidade, pois
desrespeitam a Constituição Federal e tratados internacionais dos quais o
Brasil é signatário.
Godinho, do TST. disse que a reforma
prejudica o acesso à Justiça do Trabalho.
Para o ministro do TST Mauricio Godinho, por exemplo, caso a nova lei
seja interpretada de maneira literal, a população não terá mais acesso à
Justiça do Trabalho no Brasil, o que representaria clara ofensa ao princípio do
amplo acesso ao Judiciário estabelecido pela Constituição.
“Faremos a interpretação do diploma jurídico em conformidade com a
Constituição. Não houve constituinte no país e não houve processo
revolucionário que tenha suplantado a Constituição Federal. A
Constituição é a grande matriz que vai iluminar o processo interpretativo
da Reforma Trabalhista”, avisou.
O Brasil, lembrou o magistrado, é um 10 países do mundo que mais
subscrevem ou ratificam tratados internacionais -- segundo ele, são mais de 80.
E a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal Federal, ressaltou Godinho, é
no sentido de que os acordos com outras nações têm força supralegal e devem ser
respeitados como qualquer outra norma jurídica vigente.
Ele listou alguns pontos da nova lei que considera prejudiciais aos
trabalhadores. Equiparar a dispensa coletiva a demissões isoladas, disse,
é um dos exageros. Na visão do ministro, não há como dizer que demitir uma
pessoa é a mesma coisa do que dispensar 4 mil funcionários. "A
Constituição e outras normas, como o Código de Processo Civil, tratam com
cuidado e zelo à figura do abuso do direito", argumentou.
As novas regras que disciplinam os contratos com autônomos não
poderão valer para todas as situações, afirmou. Deve-se examinar caso a
caso: "Se os elementos de relação de emprego estiverem presentes, o
indivíduo é empregado e ponto final".
O trecho do texto que trata do salário e sua composição
também deverá ter uma interpretação restritiva, defendeu Godinho. “Como
uma gratificação habitual vai deixar de compor o salário? Gratificação dada
durante vários anos faz parte do salário por força de princípios da CF e do
tratado da Organização Internacional do Trabalho”, frisou.
Vincular o cálculo da indenização por danos morais ao salário é
questionável, apontou. Com a terceirização da mão de obra em atividade
fim, permitida pela Lei 13.429/2017, aprovada pouco antes da reforma, a
tendência é que se acabem as categorias profissionais, pois todos serão
terceirizados, sustentou. Os três métodos de interpretação das
leis, o lógico racional, o sistemático e o teleológico, terão que ser
aplicados na análise de processos após a reforma, disse.
O Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho e ministro do TST, Renato
de Lacerda Paiva, evitou fazer críticas diretas à reforma, mas reconheceu que é
um momento delicado para a advocacia trabalhista no Brasil. "O que ocorre
no momento é uma mudança de paradigma conjuntural da sociedade. Mera
conjuntura. E acho que temos que ter essa percepção, que já passamos por
momentos piores e superamos. E vamos superar esse agora também, que vai
passar”, previu.
E o evento é oportuno para se discutir esse novo paradigma que,
segundo ele, quem escolheu foi a sociedade. "Que esse debate seja feito em
alto nível, com equilíbrio e respeito. Com tranquilidade e sem paixão, para que
nós consigamos alcançar resultados que tragam aquilo que sempre fizemos. Nosso
papel na sociedade sempre foi o de promover a paz social e a segurança
jurídica. Que o resultado desse evento possa ser nessa direção. Vamos dar um
testemunho à sociedade do que nós somos”, afirmou.
Aqueles que criticam os profissionais da área trabalhistas, disse, o
fazem por desconhecimento. “Como corregedor, posso garantir que a Justiça do
Trabalho é seríssima e se pautada pela excelência, com raríssimas exceções”,
salientou.
O presidente da Anamatra, Guilherme Feliciano, classificou a nova legislação
como “altamente polêmica” e admitiu que faz parte da corrente que vê na lei
inúmeras "inconstitucionalidades e inconvencionalidades". Vários
pontos da reforma também se chocam com tratados internacionais, que integram o
ordenamento jurídico com status de supralegalidade, defendeu. A norma não é o
texto, a norma é o que se extrai do texto, explicou.
Ele comemorou a alta adesão de profissionais da área ao evento, que teve
mais de 600 inscritos, e disse que o encontro servirá para descortinar um
horizonte hermenêutico em relação ao tema. “Negar ao Judiciário a sua
independência institucional ─ e, ao juiz, a sua independência técnica ─, em
qualquer tema que seja (inclusive na reforma), é fazer claudicar o sistema
constitucional de freios e contrapesos. É ferir de morte a Democracia. E é, no
limite, negar um dos fundamentos da República”, disse.
Garantias individuais respeitadas
Ele criticou as afirmações de que os juízes do Trabalho vão "ignorar" a nova legislação ou que a própria subsistência da Justiça do Trabalho estaria condicionada ao cumprimento da Lei 13.467/17. Não há como saber de antemão como a lei será aplicada, avisou: "Na livre convicção motivada de cada juiz do Trabalho, a partir de 11 de novembro, reside a indelével garantia do cidadão. A garantia de que o seu litígio será concretamente apreciado por um juiz natural, imparcial e tecnicamente apto para, à luz das balizas constitucionais, convencionais e legais, dizer a vontade concreta da lei".
Ele criticou as afirmações de que os juízes do Trabalho vão "ignorar" a nova legislação ou que a própria subsistência da Justiça do Trabalho estaria condicionada ao cumprimento da Lei 13.467/17. Não há como saber de antemão como a lei será aplicada, avisou: "Na livre convicção motivada de cada juiz do Trabalho, a partir de 11 de novembro, reside a indelével garantia do cidadão. A garantia de que o seu litígio será concretamente apreciado por um juiz natural, imparcial e tecnicamente apto para, à luz das balizas constitucionais, convencionais e legais, dizer a vontade concreta da lei".
Para o presidente da Associação Brasileira dos Advogados
Trabalhistas Roberto Parahyba, “a reforma foi aprovada de uma forma
açodada, com uma urgência irresponsável e desmesurada, em que pretende atacar
os alicerces sob os quais encontram-se construídos todos os princípios do
Direito do Trabalho e do direito social, que são espécie do gênero direitos
fundamentais”. O objetivo do encontro, disse, é tentar minimizar ao máximo o
impacto da reforma.
*Texto alterado às 18h18 do dia 9 de
outubro de 2017.
Matheus Teixeira é repórter da revista Consultor
Jurídico.
Revista Consultor Jurídico,
9 de outubro de 2017, 17h01
https://www.conjur.com.br/2017-out-09/juizes-ministros-discutem-nao-aplicar-reforma-trabalhista
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