Provedores, redes sociais e conteúdos ofensivos: o papel do STJ na definição de responsabilidades
Em um cenário contemporâneo de desenvolvimento da
comunicação digital, as redes sociais têm se consolidado como importante fonte
de expressões, tendências de comportamento e conflitos. Por meio de comunidades
virtuais de diversos tipos, usuários postam informações, formam grupos e discutem
temas sensíveis – normalmente sem que haja controle prévio por parte dos
provedores que gerenciam as redes. Assuntos como a legitimidade do anonimato e
a extensão do direito à liberdade de expressão ganham novos contornos quando
levados ao mundo on-line.
O Brasil tem encabeçado várias estatísticas de
participação em sistemas de relacionamento virtual no mundo. De acordo
com relatório (em inglês) de 2017 da consultoria We Are
Social, cerca de 58% da população brasileira possui contas ativas nas
principais redes sociais do planeta. São mais de 100 milhões de brasileiros
participando de plataformas como Facebook, Twitter e Instagram.
Em comparação a 2016, o país registrou aumento de
18% no número total de perfis nas redes – um incremento anual de novos 19
milhões de usuários, o que representa o quinto maior crescimento em todo o
mundo. Segundo o mesmo relatório, os internautas brasileiros gastam em média
quase quatro horas diárias utilizando mídias sociais. O país ocupa o segundo
posto global nesse quesito, perdendo apenas para as Filipinas.
Com a crescente expansão das interações em
ambientes virtuais – e os consequentes desafios, oportunidades e também
problemas gerados pelos novos modelos de relacionamento –, o Brasil precisou
estabelecer paradigmas de responsabilização e de conduta para os diversos
atores do mundo on-line, como usuários e provedores de conteúdo. O
exemplo mais recente ocorreu em 2014, com o início da vigência da Lei do Marco Civil da Internet. A nova lei fixou
princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no país.
De forma concomitante, os tribunais brasileiros têm
dedicado atenção especial à interpretação da legislação e das novas situações
de conflito na rede. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), as discussões
costumam estar relacionadas a temas como a responsabilidade dos provedores de
internet pelo conteúdo gerado por usuários, a remoção das publicações ofensivas
e a fixação de indenização pelos danos causados. Por meio de pelo menos 98 acórdãos,
o tribunal já fixou entendimentos jurisprudenciais sobre esses assuntos.
Responsabilidade subjetiva
Ao analisar em
recurso especial a responsabilidade da Google Brasil por conteúdo adulterado
postado no YouTube contra candidato a prefeito, a ministra Nancy Andrighi
destacou a complexidade das discussões que envolvem a responsabilidade civil
dos provedores de aplicações, pois, em tese, não se examina uma suposta ofensa
causada diretamente pelo provedor, mas sim pelos usuários. Segundo a ministra,
as dificuldades são ainda maiores quando os provedores não exercem controle
prévio sobre as publicações.
Na maioria dos casos, explicou a ministra, o STJ
tem aplicado a tese da responsabilidade subjetiva, segundo a qual o provedor de
aplicação torna-se responsável solidário pelo conteúdo inapropriado publicado
por terceiros se, ao tomar conhecimento da lesão, não tomar as providências
necessárias para a remoção.
Todavia, após o início da vigência do Marco Civil,
o marco temporal para atribuição da responsabilidade do provedor foi deslocado
da comunicação realizada pelo usuário para a notificação efetuada pelo Poder
Judiciário, após a provocação do ofendido. A modificação guarda relação com
o artigo 19 da lei, que dispõe que o provedor de
aplicações só pode ser responsabilizado por danos decorrentes do conteúdo
gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar providências
para remover o conteúdo apontado como infringente.
Ineficiência
Em sentido semelhante, durante o julgamento de
outro recurso da Google, o ministro Villas Bôas Cueva explicou que é comum a
existência de ferramentas de denúncia disponibilizadas pelos próprios
provedores, o que deveria sugerir uma segurança mínima contra usuários
mal-intencionados. Contudo, a grande maioria das denúncias são rejeitadas com
base em uma resposta tipo padrão.
Segundo o ministro, a aparente ineficiência dos
provedores não justifica sua imediata responsabilização, pois, caso todas as
denúncias fossem acolhidas, haveria o risco de censura, com violação da
liberdade de expressão e pensamento assegurada pelo artigo 220 da Constituição
Federal.
“Não se pode exigir dos provedores que determinem o
que é ou não apropriado para divulgação pública. Cabe ao Poder Judiciário,
quando instigado, aferir se determinada manifestação deve ou não ser extirpada
da rede mundial de computadores e, se for o caso, fixar a reparação civil
cabível contra o real responsável pelo ato ilícito”, apontou o ministro.
URL
Também com base no artigo 19 do Marco Civil da
Internet, em agosto, a Terceira Turma decidiuque
a falta de informações precisas sobre o endereço eletrônico (URL) no qual foram
postadas ofensas inviabiliza o cumprimento de decisão judicial para retirada do
conteúdo.
No caso analisado, o Tribunal de Justiça de Minas
Gerais havia entendido ser suficiente a indicação do nome completo do ofensor para
que o Facebook retirasse as mensagens do site. Todavia, para a turma, o
Judiciário não poderia repassar ao provedor a tarefa de analisar e filtrar as
mensagens, dada a exigência, conforme o texto legal, da necessidade da
“identificação clara e específica” do conteúdo supostamente ofensivo.
“A necessidade de indicação do localizador URL não
é apenas uma garantia aos provedores de aplicação, como forma de reduzir
eventuais questões relacionadas à liberdade de expressão, mas também é um
critério seguro para verificar o cumprimento das decisões judiciais que
determinarem a remoção de conteúdo na internet”, concluiu a ministra Nancy
Andrighi ao acolher o recurso do Facebook.
Valores de indenização
Nas situações em que há o reconhecimento da
responsabilidade dos provedores pela publicação de conteúdo impróprio, com o
consequente arbitramento de indenização por danos morais, os provedores
costumam discutir o caráter exorbitante ou desproporcional da condenação.
Em um desses casos, a Google Brasil foi condenada
ao pagamento de R$ 100 mil a título de danos morais a mulher que teve fotos de
conteúdo sexual explícito publicadas na extinta rede social Orkut. Para o
Google, o valor da condenação era excessivo e configuraria enriquecimento sem
causa em favor da ofendida.
Entretanto, o ministro João Otávio de Noronha
apontou que o tribunal de origem fixou a indenização em decorrência da inércia
do provedor em retirar conteúdo sexual. Além disso, destacou o ministro, a
revisão do valor de indenização fixado em segunda instância só poderia ser
feita em recurso especial pelo STJ caso o montante fosse considerado
exorbitante ou ínfimo, o que foi afastado no caso julgado, em virtude do grave
dano à imagem e à honra da mulher.
“Inequívoca a situação vexatória e o dano moral de
grave intensidade, os quais foram estendidos pela inércia da recorrente, não se
vislumbra que o valor arbitrado tenha gerado enriquecimento ilícito à
recorrida”, concluiu o ministro.
Pesquisa Pronta
Os interessados em conhecer os
principais julgados do STJ sobre o tema podem acessar pesquisa específica
elaborada pela Secretaria de Jurisprudência do tribunal. Clique aqui.
A Pesquisa Pronta está
permanentemente disponível no portal do STJ. Basta acessar Jurisprudência >
Pesquisa Pronta, a partir do menu na barra superior do site.
Destaques de hoje
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