MÉTODOS CRIATIVOS - Padarias, cavalos, igrejas e separações são usados para ocultar bens
9 de setembro de 2017, 7h28
Vale tudo na hora de blindar o patrimônio para fugir de cobranças e
ocultar a origem ilícita do dinheiro: abrir negócios de difícil fiscalização,
como lavanderias e padarias; investir em bens de valores imprecisos, como gado
e cavalos; fundar igrejas e até forjar separações.
Investir em cavalos e gado são
métodos eficazes para blindar patrimônio
Desconstituir essas manobras é o
trabalho dos advogados Regina Paz e Guilherme Gabriel
Garcia Dudus, sócios do escritório Paz & Dudus Advogados. Na definição
deles, o que fazem é “antiblindagem”.
Dois métodos clássicos para ocultar
patrimônio, bastante populares entre os investigados na operação “lava jato”,
são o recebimento de valores via contas no exterior e empresas offshore e
a compra de obras de arte.
O ex-presidente da Câmara dos
Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por exemplo, perdeu o mandato por mentir sobre
a existência de contas na Suíça e foi condenado a 15 anos e
4 meses de prisão por ter recebido US$ 1,5 milhão de propina e lavado o dinheiro
naquele país. Já o ex-diretor da Petrobras Renato Duque teve 131 obras de
arte apreendidas em sua
casa. Segundo os investigadores, elas eram usadas para lavar dinheiro de
suborno em obras da estatal.
Mas esses procedimentos estão em baixa, pois ficaram muito “manjados”,
dizem Regina e Dudus. Assim, aqueles que querem blindar seu patrimônio estão
sendo forçados a usar a criatividade. Um caminho que voltou a ganhar força é o
de abrir estabelecimentos comerciais como padarias e lavanderias. Isso porque
tais atividades são difíceis de ser fiscalizadas. Afinal, não há como controlar
quantas roupas passa por um estabelecimento do tipo todos os meses.
Outra opção é aplicar dinheiro ilícito em gado e cavalos. O atrativo é
que não há uma padronização dos preços desses animais. E mais: muito do valor
deles está em suas “coberturas”, o cruzamento ou venda de sêmen para
inseminação artificial.
Em delação premiada, o ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado do
Rio de Janeiro Jonas Lopes afirmou que o presidente da Assembleia Legislativa
fluminense, Jorge Picciani (PMDB-RJ), vendia gado por preço abaixo do mercado
para dissimular verbas que recebia de atividades ilegais.
Existem, porém, manobras ainda mais complexas - como fundar uma igreja.
Essa prática, que é aplicada especialmente sob o manto de entidades
neopentecostais, vem se popularizando devido à baixa prestação de contas a que
instituições religiosas são submetidas. Dessa forma, uma igreja pode ser criada
em um cartório de registro de pessoas jurídicas, sem ser inscrita na Junta
Comercial. Também não há como controlar os recursos que recebe. E claro:
templos têm imunidade tributária.
Regina Paz e Guilherme Dudus atuaram em um caso em que um empresário foi
sistematicamente furtado por um ex-gerente. Este homem desviou R$ 100 milhões
da companhia, abriu uma igreja evangélica e ocultou o dinheiro sob a proteção
religiosa. E haja “antiblindagem” para provar essa fraude.
Outro método pouco ortodoxo é forjar uma separação. Nesse processo,
aquele que quer esconder dinheiro ilícito ou fugir de credores passa a maioria
ou todos os bens ao cônjuge. E este, dependendo da forma como for estruturada a
operação, não pode ser cobrado.
Os advogados Regina e Dudus contam que um empresário carioca fez uma
separação “de fachada” de sua mulher e transferiu todos os imóveis para ela,
exceto uma mansão na Zona Oeste do Rio de Janeiro. No entanto, como esse era
sua residência e sua única propriedade, ele passou a alegar que o bem era
impenhorável. Para incrementar a narrativa, ele combinou com um gerente que um
banco avaliasse o imóvel em R$ 1 milhão, sendo que o valor de mercado real era
de R$ 20 milhões. Com isso, ficou ainda mais difícil executá-lo.
Transferências fraudulentas
A transferência de bens para familiares ou empresas do mesmo grupo econômico também é uma modalidade popular de fugir de credores e blindar o patrimônio, afirma Aldo Moscardini, sócio da Localize, empresa especializada em localização e recuperação de ativos.
A transferência de bens para familiares ou empresas do mesmo grupo econômico também é uma modalidade popular de fugir de credores e blindar o patrimônio, afirma Aldo Moscardini, sócio da Localize, empresa especializada em localização e recuperação de ativos.
A “sucessão fraudulenta” também é usada com esse fim, cita Moscardini.
Isso ocorre quando os donos de uma empresa endividada criam uma nova companhia
que desempenha exatamente as mesmas atividades. Aí, a nova entidade assume a
operação, os clientes e os direitos da antiga, que fica com as dívidas e a
má-reputação.
Manipular garantias reais é outra via para driblar credores, conta
Moscardini. Temendo sofrer uma execução, o devedor aliena fiduciariamente ou
hipoteca o bem. Com isso, o aquele que cobra sua dívida entra na fila, e não
pode exigir a venda do ativo antes do titular da garantia.
Sérgio Rodas é correspondente da
revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico,
9 de setembro de 2017, 7h28
http://www.conjur.com.br/2017-set-09/padarias-cavalos-igrejas-separacoes-sao-usados-ocultar-bens
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