DIREITO AO ESQUECIMENTO - Brasil é segundo país que mais manda Google apagar conteúdo da internet
9 de setembro de 2017, 10h26
O Brasil só perde para a Rússia
no ranking de países que mais enviam ordens para o Google
remover conteúdo de suas plataformas: desde 2009, foram 5.261 solicitações de
órgãos governamentais, quase 70% assinadas pelo Judiciário, envolvendo 54 mil
itens na internet. É o que a empresa afirma em petição com críticas ao chamado direito ao
esquecimento, protocolada nesta quarta-feira (6/9) no Supremo Tribunal Federal.
A quantidade surpreende o Google, já que supera países mais populosos e
com percentuais mais elevados de conectividade. Para a companhia, “o problema
brasileiro é o excesso de cerceamento judicial das liberdades de expressão,
informação e imprensa”.
Embora nem todas as requisições sejam
diretamente sobre esquecimento, a gigante da internet usou a estatística para
justificar por qual motivo deve ser amicus curiae em um
processo que discute se pessoas (ou familiares) podem exigir que seus nomes
sejam retirados de documentos, textos ou reportagens sobre fatos antigos.
Requisições de órgãos oficiais
brasileiros entre 2010 e 2016
Linha vermelha representa percentual
de ordens judiciais no Brasil; amarela indica órgãos do Executivo e linha azul
mostra média de medidas cumpridas pelo Google.
Reprodução/Google Transparency Report
Reprodução/Google Transparency Report
A petição, assinada pelo
escritório Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça Advogados, afirma
que aceitar esse tipo de prática seria dar espaço à censura. “A pretexto de
ajudar as pessoas a superarem acontecimentos infelizes de seu passado, o que se
tem é uma postura deliberada do Estado para cercear comunicações provenientes
da sociedade. Por essa via, retira-se do eleitor, paciente ou consumidor (para
ficar em poucos exemplos) o direito de avaliar e escolher por si mesmo, em
contextos graves.”
Para os advogados, a controvérsia não está em apagar materiais
considerados ilícitos – “o que já é feito cotidianamente no Brasil, por
decisões judiciais” –, e sim presumir que a passagem de tempo gere um direito
automático de que sejam ocultados fatos verdadeiros, mas que depois se tornaram
desconfortáveis a quem foi citado.
Principais casos de solicitações de
remoção (jul a dez/2016)
Fonte: Google/Transparency Report
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||
Motivo
|
Número de pedidos
|
Percentual
|
Difamação
|
189
|
45%
|
Privacidade
e segurança
|
124
|
29%
|
Lei
eleitoral
|
66
|
16%
|
Dossiê
O Google Brasil citou dez exemplos de decisões judiciais que usaram o conceito do direito do esquecimento para chancelar o sumiço de informações. No topo da lista, está uma liminar no Tocantins que mandou apagar publicações de um blog sobre suspeita de que desembargadores foram favorecidos indevidamente na compra de uma ilha.
O Google Brasil citou dez exemplos de decisões judiciais que usaram o conceito do direito do esquecimento para chancelar o sumiço de informações. No topo da lista, está uma liminar no Tocantins que mandou apagar publicações de um blog sobre suspeita de que desembargadores foram favorecidos indevidamente na compra de uma ilha.
Um acórdão no Rio de Janeiro proibiu que apareçam em mecanismos de busca
notícias sobre fraude em concurso para a magistratura, enquanto em São Paulo
ninguém pode mais acessar vídeo com briga “acalorada” de vereadores na Câmara
de Palmital. Em Goiás, já transitou em julgado decisão que exclui das buscas
quaisquer notícias sobre um médico suspeito de causar a morte de uma
paciente.
Esse tipo de tendência, na opinião do Google, pode prejudicar o registro
histórico dos acontecimentos, mesmo quando os casos citados não pareçam ter
muita importância coletiva. “Não é incomum que fatos aparentemente banais
ganhem relevância histórica em momento posterior – seja pela notoriedade
superveniente dos envolvidos, seja como parte de uma análise mais abrangente
dos padrões de comportamento e da evolução dos costumes.”
A companhia diz ainda que o direito ao esquecimento não encontra respaldo
na Constituição Federal nem nas declarações internacionais de direitos humanos
incorporadas à ordem jurídica brasileira. A Declaração Americana dos Direitos e
Deveres do Homem de 1948, por exemplo, garante a todos o direito liberdade de
opinião e de expressão e difusão do pensamento, por qualquer meio.
Na petição, a empresa também
reconhece que a discussão não é exclusivamente brasileira. Desde que o Tribunal
de Justiça da União Europeia reconheceu, em 2014, o direito para quem quiser barrar o
aparecimento de seus nomes, pipocam milhares de pedidos de remoção de conteúdo
com esse fundamento. E não só em sites de buscas, mas em todas as plataformas
do Google, como o YouTube.
O caso levado ao Supremo não cita
diretamente o Google nem a internet. A ré é a Rede Globo, pois os irmãos de uma
mulher assassinada em 1958 no Rio de Janeiro não gostaram de ver a história
relembrada no programa Linha Direta em 2004. Para os
familiares de Ainda Curi, a emissora deve pagar indenização por explorar fato
ocorrido há várias décadas, com “objetivo meramente comercial”.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, já assinou
parecer declarando que a tentativa de impedir a circulação de notícias sobre
fatos antigos caminha lado a lado com o risco de impedir que a sociedade
conheça seu passado e reflita sobre ele. Em junho, o ministro Dias Toffoli,
relator do recurso, organizou audiência pública para ouvir opiniões – o Google Brasil
foi um dos que inscreveu expositores.
Primeiros passos
Em 2013, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu pela primeira vez a aplicação desse direito, em favor de um homem que foi inocentado de participação na chacina da Candelária, ocorrida em 1993, mas acabou retratado como um dos envolvidos no programa Linha Direta.
Em 2013, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu pela primeira vez a aplicação desse direito, em favor de um homem que foi inocentado de participação na chacina da Candelária, ocorrida em 1993, mas acabou retratado como um dos envolvidos no programa Linha Direta.
Já o processo sobre Aida Curi, envolvendo a mesma atração da
Rede Globo, foi negado. A corte entendeu que, se o tempo se encarregou de
tirar o caso da memória do povo, também fez o trabalho de abrandar seus efeitos
sobre a honra e a dignidade dos familiares.
O direito ao esquecimento não é
recente na doutrina do Direito, mas entrou na pauta jurisdicional com mais
contundência desde a edição do Enunciado
531, da VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal. O
texto, uma orientação doutrinária baseada na interpretação do Código Civil,
elenca o direito de ser esquecido entre um dos direitos da personalidade.
Clique aqui para ler a petição do Google Brasil.
RE 1.010.606
RE 1.010.606
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Felipe
Luchete é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico,
9 de setembro de 2017, 10h26
.
VP/AD
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