COMPENSAÇÃO HISTÓRICA - Lei de Cotas no serviço público federal é constitucional, decide Supremo
8 de junho de 2017, 21h41
A validade da Lei 12.990/2014, que
reserva para negros e pardos 20% das vagas em concursos públicos para cargos na
administração pública federal, foi reconhecida por unanimidade pelo Supremo
Tribunal Federal nesta quinta-feira (8/6). O julgamento começou em maio, quando
o relator, ministro Luís Roberto Barroso, votou pela constitucionalidade da
norma.
Relator, ministro Barroso votou pela
constitucionalidade da norma e foi seguido por todos os colegas.
Ele considerou que a lei é motivada por um dever de reparação histórica
decorrente da escravidão e de um racismo estrutural existente na sociedade
brasileira. Naquela sessão, acompanharam o relator os ministros Alexandre
de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber e Luiz Fux.
Votaram na sessão desta quinta a ministra Cármen Lúcia e os ministros
Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello. Toffoli
lembrou em seu voto que já se manifestou, quando era advogado-geral da União,
pela compatibilidade de ações afirmativas — como a norma em questão — com o
princípio da igualdade.
Para o ministro, mais do que
compatível com a Constituição, trata-se mesmo de uma exigência do texto maior,
em decorrência do princípio da isonomia prevista no caput do
artigo 5º. Esse entendimento, continuou, está em sintonia com a jurisprudência
do STF, que já confirmou a constitucionalidade da instituição da reserva de
vaga para portador de deficiência física e do sistema de cotas para acesso ao
ensino superior público.
Toffoli explicou, contudo, que seu voto restringe os efeitos da
decisão para os casos de provimento por concurso público, em todos os órgãos
dos Três Poderes da União, não se estendendo para os estados, Distrito Federal
e municípios, uma vez que a lei se destina a concursos públicos na
administração direta e indireta da União e deve ser respeitada a autonomia
dos entes federados.
O julgamento do Supremo na Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental 186, quando foi confirmada a constitucionalidade do sistema de
cotas raciais nas universidades públicas, foi citado pelo ministro Ricardo
Lewandowski em seu voto. Ele recordou que, na sua gestão à frente do Conselho
Nacional de Justiça, foi editada a Resolução 203/2015, que reservava 20% de
vagas para os negros no âmbito do Poder Judiciário.
A resolução levou em conta, segundo ele, o primeiro censo do Judiciário
feito pelo CNJ, que apontou que apenas 1,4% dos juízes brasileiros se
declarara negro, e 14%, pardos, dados que divergiam dos números
do censo demográfico brasileiro de 2010, do IBGE, segundo o qual o percentual
da população brasileira que se declarou negra foi de 7,6%, e parda,
de 43,1%.
O ministro Marco Aurélio destacou que, quando ocupou a Presidência do
STF (2001-2002), determinou que fosse inserida em edital para contratação de
prestadores de serviço a exigência de reserva de 30% das vagas para negros.
Para o ministro, uma sociedade justa e solidária é baseada no tratamento
igualitário, mas é notória a falta de oportunidade para os negros.
O decano do Supremo, ministro Celso de Mello, iniciou seu voto citando a
história do advogado Luiz Gama (1830-1882), que ficou conhecido como advogado
dos escravos, para demonstrar “como tem sido longa a trajetória de luta das
pessoas negras em nosso país na busca não só de sua emancipação jurídica, como
ocorreu no século XIX, mas de sua emancipação social e de sua justa, legítima e
necessária inclusão”.
Ao defender as políticas de inclusão, o decano salientou que de nada
valerão os direitos e de nenhum significado serão revestidas as liberdades se
os fundamentos em que esses direitos e liberdades se apoiam, além de
desrespeitados pelo poder público ou eventualmente transgredidos por
particulares, também deixarem de contar com o suporte e o apoio de mecanismos
institucionais, como os proporcionados pelas políticas de ações afirmativas.
Para o ministro, “sem se reconhecer a realidade de que a Constituição
impõe ao Estado o dever de atribuir a todos os que se situam à margem do
sistema de conquistas em nosso país a condição essencial de titulares do
direito de serem reconhecidos como pessoas investidas de dignidade e
merecedoras do respeito social, não se tornará possível construir a igualdade
nem realizar a edificação de uma sociedade justa, fraterna e solidária,
frustrando assim um dos objetivos fundamentais da República, a que alude o
inciso I do artigo 3º da Carta Política”.
Com base não só nos fundamentos já trazidos no julgamento, mas também no
princípio do direito à busca da felicidade, o ministro se manifestou pela
constitucionalidade de medidas compensatórias como a inserida na lei em
questão.
Ao também reconhecer a constitucionalidade da norma em debate, a
ministra Cármen Lúcia salientou que muitas vezes o preconceito é insidioso e
existe de forma acobertada. Em outras vezes, continuou, é traduzido em
brincadeiras, que nada mais são do que verdadeiras injúrias, que indignam.
Para a presidente do Supremo, ações
afirmativas como a que consta da Lei 12.990/2014 demonstram
que "andamos bem ao tornar visível o que se passa na sociedade".
O advogado Marcus Vinícius
furtado Coêlho, presidente da comissão Nacional de Direito Constitucional
da OAB, comemora. "É uma histórica vitória da afirmação da igualdade
de todos os brasileiros. Uma dívida histórica do Brasil. A nação fica mais
republicana com essa decisão", diz Furtado Coêlho, que representou a
entidade no caso. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
Ação Declaratória de
Constitucionalidade 41
*Texto atualizado às 13h29 do dia 9
de junho de 2017.
Revista Consultor Jurídico,
8 de junho de 2017, 21h41
http://www.conjur.com.br/2017-jun-08/lei-cotas-servico-publico-federal-constitucional-stf
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