Leitura dinâmica - Precedente usado por Janot em caso de impedimento contraria sua tese
9 de maio
de 2017, 18h28
Para alegar a suspeição do
ministro Gilmar Mendes, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot,
cita um precedente do Supremo
Tribunal Federal. No entanto, a decisão citada é exatamente oposta à tese que o
PGR tenta emplacar.
A arguição de suspeição afirma que o Supremo já
definiu, num Habeas Corpus de relatoria do ministro Gilmar, que pode haver
“impedimento por analogia”. Mas o acórdão define justamente
a “impossibilidade de criação pela via da interpretação de causas de
impedimento”.
Na tentativa de anular a concessão de um HC ao
empresário Eike Batista, Janot pede que o Supremo aplique o Código de Processo
Civil a um caso penal. A jurisprudência do STF não permite a manobra, mas o
chefe do Ministério Público Federal afirma que a 2ª Turma já autorizou a
interpretação no Habeas Corpus 97.544.
O próprio trecho do voto de Gilmar citado por Janot
contraria frontalmente a tese dele: “Quando esta corte assenta que não se pode
estender, pela via da interpretação, o rol do artigo 252 do Código de Processo
Penal, quer ela dizer que não e possível ao Judiciário legislar para incluir
causa não prevista pelo legislador. Essa inclusão pode se dar por analogia a
pura e simples, como também pela dita interpretação extensiva, que nada mais é
do que a inclusão, a partir de um referencial legal, de um item não previsto
num rol taxativo”.
Na verdade, a interpretação que o PGR quer dar ao
caso foi a mesma tese desenvolvida pelo ministro Eros Grau, relator do
“precedente” de Janot. Mas Eros ficou vencido, porque a maioria dos integrantes
da 2ª Turma concordou com Gilmar Mendes.
A ementa desse Habeas Corpus também não dá muita
margem a interpretações: “Habeas Corpus. 2. Magistrado que julgou o feito
criminal e o de natureza cível decorrentes do mesmo fato. 3. Impedimento. Art.
252 do CPP. Rol taxativo. 4. Impossibilidade de criação pela via da
interpretação de causas de impedimento. Precedentes do STF. 5. Ordem denegada”.
Impedimento reflexo
Janot quer declarar Gilmar Mendes suspeito para tentar anular um Habeas Corpus concedido a Eike Batista em abril. Com isso, quer fazê-lo voltar à prisão preventiva. O argumento é o de que o empresário é cliente, na área cível, de escritório Sérgio Bermudes Advogados, que tem a mulher de Gilmar como sócia, embora a banca não atue nos processos penais de Eike.
Janot quer declarar Gilmar Mendes suspeito para tentar anular um Habeas Corpus concedido a Eike Batista em abril. Com isso, quer fazê-lo voltar à prisão preventiva. O argumento é o de que o empresário é cliente, na área cível, de escritório Sérgio Bermudes Advogados, que tem a mulher de Gilmar como sócia, embora a banca não atue nos processos penais de Eike.
O procurador-geral sabe que o Código de Processo
Penal não permite o reconhecimento do impedimento ou da suspeição de juízes
nessa situação. O artigo 252 da lei só proíbe juízes de atuarem nas causas em
que parentes ou cônjuges atuem diretamente.
Por isso, Janot usa o inciso VIII do Código de
Processo Civil para tentar tirar Gilmar da causa. O dispositivo diz que o juiz
não pode julgar causas de clientes de escritórios de cônjuges e parentes, ainda
que o caso concreto seja patrocinado por outra banca.
Ele se baseia no artigo 3º do CPP, que permite a
interpretação por analogia. Diz que, com essa tese, “apenas se está garantindo
a unidade e coerência do sistema normativo como um todo, unificando e
harmonizando a garantia de imparcialidade do juiz em sede processual em geral”.
O próprio Sérgio Bermudes, professor de Direito
Processual, explicou à ConJur que a tese de Janot não faz sentido.
Segundo o advogado, o artigo 3º só se aplica aos casos em que o CPP é omisso, o
que não acontece em matéria de suspeição e impedimento.
Reportagem da ConJur
publicada nesta terça-feira (9/5) mostra que a tese usada por Janot, no
entanto, inviabilizaria a operação "lava jato", já que a filha do
próprio procurador-geral da República advoga para empresas centrais no caso,
como Braskem, controlada pela Odebrecht, OAS e Petrobras.
Clique aqui para ler o acórdão do
Habeas Corpus citado por Janot na arguição de suspeição do ministro Gilmar
Mendes
Pedro Canário é editor da revista Consultor
Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 9 de maio de
2017, 18h28
http://www.conjur.com.br/2017-mai-09/alegar-suspeicao-gilmar-janot-usa-precedente-contraria
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