ANUÁRIO DA JUSTIÇA - De cada três leis, duas foram julgadas inconstitucionais pelo STF em 2016
29 de maio de 2017, 8h52
*Reportagem especial do Anuário da Justiça Brasil 2017,
que será lançado na próxima quarta-feira (31/5) no Tribunal Superior Eleitoral.
*O número de leis questionadas não é
igual ao de ADIs, pois pode haver mais de uma ação questionando a mesma lei,
assim
como pode uma única ação questionar mais de uma lei.
como pode uma única ação questionar mais de uma lei.
Mais da metade das leis questionadas
em sua constitucionalidade e julgadas no mérito pelo Supremo Tribunal Federal
em 2016 foram retiradas do ordenamento jurídico. Em 68 ações diretas de
inconstitucionalidade (ADIs) entre as mais de 1.700 em tramitação analisadas
pelo Plenário da corte, foi questionada a constitucionalidade de 62 leis, das
quais 41 foram consideradas inconstitucionais, de acordo com levantamento do Anuário
da Justiça. Ou seja, de cada três normas analisadas, duas foram
consideradas em desconformidade com a Constituição.
O controle concentrado de constitucionalidade de leis aprovadas pelo
Legislativo e julgadas pelo Judiciário criou tensão entre os poderes. Foi o
caso da ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 402) ajuizada pela
Rede Sustentabilidade com o pedido de afastamento do senador Renan Calheiros
(PMDB-AL) do cargo de presidente do Senado. Em decisão liminar, o ministro
Marco Aurélio acatou o pedido, sob a alegação de que, ao se tornar réu em
decorrência do Inquérito 2.593, o senador não preenchia as condições para
figurar na linha de sucessão do presidente da República. Chamado às pressas para
analisar o mérito da questão, o Plenário do Supremo manteve a proibição, mas
deixou de referendar a parte da decisão monocrática que ordenava o afastamento
imediato de Renan Calheiros da Presidência do Senado, nos termos do voto
produzido pelo ministro Marco Aurélio.
Das 68 ADIs julgadas no mérito pelo Supremo em 2016, 40 (59%) foram
consideradas procedentes, no todo ou em parte. Outras 53 ADIs chegaram a ser
incluídas na pauta de julgamento do Plenário, mas tiveram o prosseguimento
cancelado ou foram extintas sem análise do mérito, quase sempre por
ilegitimidade da parte autora ou por perda do objeto — que ocorre quando a lei
ou o dispositivo impugnado já não existe mais no universo jurídico.
A maior taxa de sucesso no questionamento de leis, em tese, foi
registrada pela Procuradoria-Geral da República, com dez ações propostas e nove
delas consideradas procedentes (90%). As confederações patronais foram
responsáveis pelo maior número de ADIs ajuizadas no Supremo (17 no total),
conseguindo vitórias em 12 delas (70%). Nas quatro vezes em que questionou a
validade de leis no Supremo, o Conselho Federal da OAB conseguiu apenas uma
vitória (25%).
Na única vitória obtida no Supremo, a OAB derrubou lei que autorizava a
Assembleia Legislativa do Pará a pagar aos seus deputados subsídios variáveis
por participação em sessões extraordinárias. Na ADI 4.509, proposta em dezembro
de 2010, a OAB viu reconhecida pelo STF a tese de que a Constituição Federal
proíbe a percepção de qualquer parcela indenizatória por convocação
extraordinária para deputados federais e senadores, vedação que se estende aos
deputados estaduais.
Entre as 68 ADIs julgadas no mérito, apenas cinco foram ajuizadas em
2016, e outras nove chegaram ao Supremo em 2015. Mais da metade dos casos (38)
deu entrada antes de 2010 e quando chegaram ao Plenário já estavam com os
efeitos suspensos por decisões liminares.
Cinco ADIs foram ajuizadas para questionar pontos das novas regras para
a propaganda eleitoral gratuita aprovadas na minirreforma eleitoral (Lei
13.165/2015). Uma delas (ADI 5.423) questionava a distribuição de tempo para
propaganda eleitoral e as demais (ADIs 5.487, 5.488, 5.491 e 5.577) a
participação de candidatos nos debates eleitorais. Por maioria de votos, o
Plenário decidiu que os candidatos que têm participação garantida pela norma em
debates eleitorais não podem vetar a presença de outros, convidados pela
emissora organizadora dos debates, mesmo que esse convidado não atenda ao
requisito legal que garante a participação no evento. A lei diz que a
participação em debates está assegurada para candidatos de partidos que possuam
um mínimo de dez deputados na Câmara dos Deputados, facultada a participação
dos demais pretendentes.
O STF manteve, no entanto, as regras de distribuição de tempo da
propaganda eleitoral, ao considerar improcedente ação direta de
inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN). Para a
maioria dos ministros, a distribuição do tempo de maneira proporcional ao
número de representantes na Câmara dos Deputados respeita os princípios
constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade. Marco Aurélio e Celso
de Mello divergiram dos demais nesse ponto, por entenderem que um tempo maior
de propaganda para os maiores partidos impõe uma barreira insuperável aos
partidos minoritários e rompe a igualdade de participação dos que atuam no
processo eleitoral.
A Associação Nacional das Operadoras Celulares (Acel) também atuou em
bloco no Supremo Tribunal Federal e conseguiu anular leis estaduais que
obrigavam a instalação de bloqueadores de sinais de telefones celulares em
presídios no Paraná, na Bahia, em Santa Catarina e em Mato Grosso do Sul. A
primeira dessas ações (ADI 3.835) questionava a Lei 3.153/2005, de Mato Grosso
do Sul.
Por maioria de votos e sob o fundamento de que a lei invade a
competência privativa da União para legislar em matérias relativas a
telecomunicações, além de criar para as operadoras obrigação diretamente
relacionada ao objeto da concessão do serviço móvel pessoal, a norma estadual
foi declarada inconstitucional.
Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin, Roberto Barroso e Rosa
Weber, que defenderam a tese de que a distribuição de competência entre os
diversos entes federativos não deveria se dar apenas sob o ponto de vista da
predominância de interesses, havendo espaço nos quais os entes poderiam se
sobrepor a áreas de competências de outros entes. Em anos anteriores, o STF já
havia declarado a inconstitucionalidade formal e suspendido a vigência de
normas estaduais e distritais que interferiam diretamente na prestação da
atividade desempenhada pelas concessionárias de serviços de telecomunicação.
Para o STF, em situações que envolvam possível interdisciplinaridade, as
questões relacionadas ao interesse geral ou nacional deveriam ser tratadas de
maneira uniforme no país inteiro e não isoladamente por cada ente da Federação.
Teve grande repercussão jurídica o julgamento conjunto de quatro ADIs
(2.386, 2.397, 2.390 e 2.859) contra o artigo 6º da Lei Complementar 105/2001,
que permite aos órgãos da administração tributária requisitar aos bancos
informações sobre transações financeiras de contribuintes sem necessidade de
autorização judicial. Por maioria de votos, vencidos os ministros Celso de
Mello e Marco Aurélio, o Plenário acompanhou o relator, ministro Dias Toffoli,
e decidiu pela improcedência das ações.
Toffoli sustentou a tese de que a entrega das informações ao Fisco não
configura quebra de sigilo bancário, e sim “transferência de dados sigilosos de
um determinado portador, que tem o dever de sigilo, para outro, que mantém a
obrigação de sigilo, permanecendo resguardadas a intimidade e a vida privada do
correntista, exatamente como determina o artigo 145, parágrafo 1º, da
Constituição Federal”. Destacou, ainda, dois elementos em seu voto: a
inexistência de violação de direito fundamental (nesse caso, à intimidade) nos
dispositivos questionados e a confluência entre o dever do contribuinte de
pagar tributos e o do Fisco de tributar e fiscalizar. Ele também ressaltou que
a Receita tem a obrigação do sigilo fiscal e que os dados bancários não são, em
tese, divulgados.
Decano do STF, o ministro Celso de Mello acompanhou a divergência aberta
pelo ministro Marco Aurélio e votou pela necessidade de ordem judicial para que
a Receita Federal tenha acesso aos dados bancários dos contribuintes. Para o
decano, a quebra de sigilo deve se submeter ao postulado da reserva de
jurisdição, só podendo ser decretada pelo Poder Judiciário, que é terceiro
desinteressado, devendo sempre ser concedida em caráter de absoluta
excepcionalidade. “Não faz sentido que uma das partes diretamente envolvida na
relação litigiosa seja o órgão competente para solucionar essa litigiosidade”,
alertou.
Para o ministro Marco Aurélio, “a quebra de sigilo não pode ser
manipulada de forma arbitrária pelo poder público”. Criticou a virada na
jurisprudência, já que em 2010, seguindo o seu voto, o tribunal entendeu ser
inconstitucional a quebra de sigilo sem autorização judicial. Atribuiu o
resultado à nova composição do Plenário, “talvez colocando-se em segundo plano
o princípio da impessoalidade”. Para o vice-decano, quem detém a prerrogativa
de quebrar o sigilo bancário é o Poder Judiciário, “mesmo assim limitado pela
Constituição”.
Ao julgar a ADI 1.532, o STF anulou a eleição da nova administração do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, de 5 de dezembro de 2016, vencida pelo
desembargador Luiz Zveiter. Zveiter, que presidira a corte de 2009 a 2011,
participou do pleito respaldado pela Resolução 1/2014, do TJ-RJ, que alterou a
regra vigente para permitir um novo mandato a ex-presidentes do tribunal,
“desde que observado o intervalo de dois mandatos”.
Em 2015, a PGR ajuizou a ação no Supremo arguindo a
inconstitucionalidade da norma, por contrariar o artigo 102 da Lei Orgânica da
Magistratura (Lei Complementar 35/1979), que veda a reeleição para cargos de
direção dos Tribunais de Justiça. O mérito da ação foi julgado nove dias depois
da eleição de Zveiter, com o STF reconhecendo a ilegalidade da norma. Relatora
da ADI, a ministra Cármen Lúcia destacou no voto que, ao permitir nova eleição
de desembargador para cargo no órgão diretivo do tribunal, mesmo se observando
o intervalo de dois mandatos, “o Plenário do TJ-RJ inovou e, dessa forma,
contrariou as balizas fixadas pela Loman”. A decisão do Supremo levou o TJ-RJ a
realizar nova eleição, vencida pelo desembargador Milton Fernandes, que vai
comandar a corte fluminense no período 2017/2018.
http://www.conjur.com.br/2017-mai-29/cada-tres-leis-duas-foram-julgadas-inconstitucionais-2016
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