REGRA POSTA - Juízes, MP e policiais desrespeitam prazos legais para prisões preventivas
22 de abril de 2017, 7h32
O Instituto Brasileiro de Ciências
Criminais (IBCCrim) propôs, nesta terça-feira
(18/4) estabelecer prazos para prisões preventivas. Contudo, especialistas
ouvidos pela ConJur avaliam que a medida não teria grande
impacto prático. Isso porque as normas penais já estabelecem limites temporais
— mas eles são sistematicamente desrespeitados por magistrados, integrantes do
Ministério Público e policiais.
Para especialistas ouvidos pela ConJur,
se prazos do CPP fossem cumpridos, prisões preventivas não durariam tanto
tempo.
Reprodução
Reprodução
No documento “16 medidas contra o encarceramento em massa”, o
IBCCrim, em parceria com a Pastoral Carcerária, a Associação Juízes para a
Democracia e o Centro de Estudos em Desigualdade e Discriminação (CEDD/UnB),
propõe que seja fixado prazo de 60 dias para prisões preventivas. As detenções
poderiam ser renovadas se houver “fundamento em fatos novos” e sem ultrapassar
seis meses, no total. Durante esse período, nenhum preso poderia firmar acordos
de colaboração processual.
Porém, na visão do juiz da Vara de
Execução Penal de Manaus, Luís Carlos Valois, determinar mais um
limite temporal “não vai adiantar nada”, pois “ninguém cumpre prazo algum no
Brasil”. A situação chegou a tal ponto que é possível concluir que o Código de Processo Penal não
está mais em vigor no país, opina. Ou pior: que o Judiciário descumpre a norma
sistematicamente.
Conforme ressalta, o CPP estabelece prazos de conclusão das fases do
processo penal, como inquérito (10 dias se o indiciado estiver preso, ou 30, se
solto, de acordo com o artigo 10), oferecimento da denúncia (5 dias caso o
denunciado esteja encarcerado, ou 15, se solto, segundo o artigo 46) e sentença
(10 dias após o recebimento das alegações finais, conforme o artigo 404,
parágrafo único).
“Mas isso não impede que os presos permaneçam nas penitenciárias por
muito mais tempo do que todos esses prazos somados”, declarou Valois.
Nessa mesma linha, a defensora
pública do Rio de Janeiro Patricia Carlos Magno analisa que a
fixação de um prazo para prisões preventivas seria algo inócuo. O problema, na
visão dela, é que os limites temporais fixados no CPP não vinculam magistrados,
integrantes do MP e delegados. Dessa maneira, as autoridades que desrespeitam
tais regras não são punidas.
Para fortalecer seu argumento, Patrícia cita que o Brasil já foi
condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por violar a duração
razoável do processo. Mesmo assim, nada mudou, destaca a defensora.
Maíra Fernandes receia que prazos
para preventivas poderiam banalizá-las.
Bruno Martins
A ex-presidente do Conselho
Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro Maíra Fernandes, sócia do
escritório Técio Lins e Silva, Ilídio Moura e Advogados Associados, pensa que a
restrição do tempo que alguém poderia ficar preso preventivamente pode evitar
detenções cautelares de dois, três anos – situação que não é rara de se
encontrar no sistema penitenciário, relata.
Entretanto, a criminalista receia que
a fixação de um prazo banalize ainda mais as prisões preventivas. Cerca de 40%
das pessoas que estão presas no Brasil ainda não foram condenadas,
conforme levantamento feito pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen).
São quase 250 mil detentos provisórios no país.
“Na maioria das vezes, a prisão poderia ser substituída por medidas
cautelares alternativas, ou o acusado poderia simplesmente responder em
liberdade. Se o suspeito tem direito a uma dessas medidas, elas devem ser
aplicadas, e ele não tem que ficar preso, ainda que seja por um tempo
determinado. Tenho certo medo disso, porque há juízes que acham que não tem
problema nenhum a pessoa ficar uns dias presa. Mas um único dia de prisão
injusta já é uma violação aos direitos humanos”.
Compensação financeira
Em fevereiro, o Supremo Tribunal Federal decidiu que presos submetidos a condições degradantes em presídios devem ser indenizados em dinheiro. Por 7 votos a 3, o Plenário da corte definiu a responsabilidade civil do Estado pelas pessoas que mantém presas. E se elas estão sem “condições mínimas de humanidade”, devem ser indenizadas, inclusive por danos morais, declaram os ministros.
Em fevereiro, o Supremo Tribunal Federal decidiu que presos submetidos a condições degradantes em presídios devem ser indenizados em dinheiro. Por 7 votos a 3, o Plenário da corte definiu a responsabilidade civil do Estado pelas pessoas que mantém presas. E se elas estão sem “condições mínimas de humanidade”, devem ser indenizadas, inclusive por danos morais, declaram os ministros.
Na visão de Luís Carlos Valois, Patricia Carlos Magno e Maíra Fernandes,
tal precedente pode ser aplicado a casos de pessoas presas preventivamente por
muito tempo. Até porque a maioria dos detidos provisoriamente não são
condenados à prisão, ressalta Maíra.
Ela cita levantamento do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da
Universidade Candido Mendes que mostrou que apenas 37,5% dos que responderam a
processo atrás das grades no Rio de Janeiro foram condenados ao regime fechado
ou semiaberto.
Contudo, nenhum dos três acredita que a decisão do STF terá um impacto
significativo na superlotação do sistema carcerário. A advogada entende que o
julgamento não melhorará as “péssimas condições” dos presídios.
Valois, por seu turno, acha justo que o Estado indenize aqueles mantidos
em más condições, mas opina que o Judiciário, quando verificasse uma
ilegalidade, deveria imediatamente suspendê-la, não deixar como está e
posteriormente arbitrar uma reparação.
O cenário só irá mudar de verdade, diz Patrícia, quando forem feitas
mudanças na estrutura do sistema prisional. Isso poderia ser feito, em seus
olhos, com a descriminalização de condutas e a compreensão do porquê de as
pessoas cometerem delitos.
“É preciso punir quem cometeu crime, mas também temos que pensar em
medidas de não repetição do delito. Essa é a lógica dos direitos humanos”,
declarou.
Sérgio Rodas é correspondente da revista Consultor
Jurídico no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico,
22 de abril de 2017, 7h32
http://www.conjur.com.br/2017-abr-22/juizes-mp-policiais-desrespeitam-prazos-legais-preventivas
Comentários
Postar um comentário