LIMITE PENAL - Encarceramento feminino cresce, e sociedade paga caro por isso
22 de janeiro de 2016, 8h00
O encarceramento feminino é um fenômeno recente decorrente de diversos
fatores, valendo destacar, dentre eles, a ampliação da condução das “mulheres”
de “maridos” presos por tráfico, bem assim pela inserção da associação para o
tráfico (Lei 11.343/2006, artigo 35). Estimulados pela pretensão de punirem com
maior vigor o dito traficante e seus familiares, tornou-se prática corrente a
lógica de imputar ao núcleo familiar a conduta criminal. Por um lado os agentes
públicos conseguem aumentar a sensação de punição, já que o conduzido também
responderá pela associação e, de outro, geram a externalidade de conduzirem as
mulheres, necessárias para preenchimento do artigo 35 da Lei de Drogas, até
porque alguns querem dar uma “lição”. Claro que existem situações diversas, mas
o grosso do processo de criminalização se dá para “rede” que pesca todos do
entorno do agente. Esse modo de pensar custa dinheiro do contribuinte e não
consegue ampliar o enquadramento da situação social.
Salvo bem poucos, os conduzidos por
tráfico moram em zonas excluídas (como se um dia tivessem sido incluídas), não
se tratando, em absoluto, dos gestores do “negócio” da droga. São “acionistas
do nada”, na feliz expressão de Orlando Zaccone[1].
Aliás, a ingenuidade, mesclada de cinismo, faz com que se prenda um exército de
desdentados e mal nutridos em nome do bem do justo e dos moralistas de plantão.
E a mulher, em muitos casos, também vai junto.
Custo alto
Como já afirmei, segundo dados do Tribunal de Contas de Santa Catarina, em 2012, cada preso custava ao mês, para o contribuinte, no regime de autogestão, R$ 1.649,03, enquanto no regime de cogestão, R$ 3.010,92. Assim é que a manutenção de uma pessoa presa em Santa Catarina, por ano, não sairá por menos de R$ 20 mil. Além da existência de diversos problemas, dentre eles a superlotação, violações de Direitos, o que resta apontar é que uma simples condenação por tráfico, muitas vezes do “mula”, por cinco anos, custará R$ 100 mil (critiquei isso aqui)
Como já afirmei, segundo dados do Tribunal de Contas de Santa Catarina, em 2012, cada preso custava ao mês, para o contribuinte, no regime de autogestão, R$ 1.649,03, enquanto no regime de cogestão, R$ 3.010,92. Assim é que a manutenção de uma pessoa presa em Santa Catarina, por ano, não sairá por menos de R$ 20 mil. Além da existência de diversos problemas, dentre eles a superlotação, violações de Direitos, o que resta apontar é que uma simples condenação por tráfico, muitas vezes do “mula”, por cinco anos, custará R$ 100 mil (critiquei isso aqui)
O Ministro do STF, Ricardo
Lewandowski, em artigo publicado na Folha de
S.Paulo, afirma que cada preso não sairá por menos de R$2,5 mil
ao mês. Assim, um ano de prisão custará R$30 mil.
A primeira ilusão é a da
privatização. Na verdade, privatizar é um negócio milionário e que conta com o
apoio dos departamentos de marketing de quem lucra com as
prisões, basta ler Loic Wacquant, falando dos EUA:
“O aprisionamento com fins lucrativos reaparecerá a partir de 1983,
açambarcando, rapidamente, a décima segunda parte do “mercado” nacional, ou
seja, cerca de 150.000 detentos, três vezes a população penitenciária da
França. Tais empresas, cotadas em bolsa de valores, propalam taxas recordes de
crescimento e de lucro. A “nova economia” americana, não é apenas a da internet
e a das tecnologias de informação: é também, a que industrializa o castigo. A
título de ilustração, vale lembrar que as prisões do Estado da Califórnia
empregam duas vezes mais pessoas do que a Microsoft…” Além do que, pelos dados,
cada ano de preso custaria, em Santa Catarina, R$ 36 mil. E nós pagamos.
É um verdadeiro paradoxo, dado que se
ilude a população com um direito penal máximo e apaziguador, quando na verdade,
a prisão não atende mais aos anseios que se pretende, bem assim significa um
novo mercado para quem lucra, inclusive com o Processo Penal do Espetáculo
(Rubens Casara[2]).
A manipulação da opinião pública (na falta de outro conceito) e do aparato de
segurança pública/Judiciário, constroem o fato de termos hoje a terceira
população carcerária do mundo, com pífios resultados. E um custo brutal.
De mais a mais, a ideia de que
punição resolve problemas sociais anda arraigada em uma população que está com
medo (Alexandre Bizzoto[3])
e que não sabe outro caminho mais democrático. O “efeito manada” se faz
presente, manipulado sem que nos demos conta. Precisamos, então, conversar
sobre os custos da prisão, inclusive cautelar, dado o custo mensal de se manter
alguém presumidamente inocente.
Assim é que este breve escrito
procura fazer inserir, em cada decisão judicial, na linha do que indica o Conselho Nacional de Políticas Criminais (a
necessidade de indicação do custo mensal de cada preso, por estabelecimento
penal, nos termos do artigo 6º), a fatura de quanto custará a execução da pena.
Em Santa Catarina, por exemplo, cada ano de pena custará R$20 mil. Feitas as
contas e assustados com os valores, quem sabe, possamos repensar a lógica do
encarceramento por meio de medidas alternativas (redutores de dano) ou mesmo
apontar que não há custo-benefício (trade-off). Quem sabe possamos ser
mais inteligentes com o nosso dinheiro, já que o orçamento do Estado é único e
poderíamos usar em saúde e educação, por exemplo. A condenação gera efeitos na
vida de todos nós, especialmente se fizermos uma simples conta no Brasil: 700
mil presos x R$2,5 mil = R$ 1,75 bilhão.
Com estas contas podemos, assim,
entender que o Direito Penal deveria ser mínimo e que estamos procurando a
resposta para nossa segurança no lugar errado, diz Zaffaroni[4].
A proposta é a de que, que pelo menos, o Judiciário faça as contas de quanto
custa punir alguém e se o dinheiro não poderia ser usado em questões mais
relevantes que mitiguem a criminalização. Mas seria necessário rever posições
cristalizadas e que alimentam uma infinidade de interesses de estamentos que
lucram, muito, com nossa alienação. Enquanto isso o estado de Santa Catarina,
por exemplo, gastou em 2012, R$ 292.565.511,64 com um sistema falido e que se
privatizado, torna-se mais oneroso ainda.
Em resumo: cada decisão penal
condenatória deveria apresentar, prestando contas, quanto custará ao
contribuinte, a fatura total da condenação. Depois podemos nos perguntar se
há trade-off. E se for o caso deixar de aplicar a pena ou mesmo
reduzi-la?
Poderia ser motivo de um indulto
especial?
A imensa maioria das mulheres encarceradas não apresenta riscos maiores de reiteração e poderia, muito bem, se for o caso, permanecer em regime aberto. Os impactos, aliás, na família são imensos, especialmente aos filhos, consoante demonstraram Marli Canello Modesti (Mulheres Aprisionadas: As drogas e as dores da privação de liberdade) e Thais Zanetti de Mello Moretto (Da Realidade Social ao Discurso Jurídico-Penal: O Encarceramento Feminino por Tráfico de Drogas e o Insucesso do Proibicionismo Criminalizador).
A imensa maioria das mulheres encarceradas não apresenta riscos maiores de reiteração e poderia, muito bem, se for o caso, permanecer em regime aberto. Os impactos, aliás, na família são imensos, especialmente aos filhos, consoante demonstraram Marli Canello Modesti (Mulheres Aprisionadas: As drogas e as dores da privação de liberdade) e Thais Zanetti de Mello Moretto (Da Realidade Social ao Discurso Jurídico-Penal: O Encarceramento Feminino por Tráfico de Drogas e o Insucesso do Proibicionismo Criminalizador).
Nesse sentido, o Conselho Nacional de
Justiça promoveu diversos encontros sobre a temática do Encarceramento Feminino,
produzindo a Carta de Brasília, na qual
consta: “Considerar que, diante do aumento do número de mulheres encarceradas no Brasil na última década, um certo número delas não
representa maior risco para a segurança da sociedade, de modo que o seu
encarceramento pode dificultar ou inviabilizar sua futura reinserção social,
propondo ao Congresso Nacional, por meio dos atores do sistema de justiça
criminal e da sociedade civil, a efetivação ou criação de mecanismos legais que
permitam melhor avaliação dos riscos e classificação das presas, facultando-se,
quando for o caso, a adoção de medidas alternativos à pena privativa de
liberdade, especialmente no caso de presas grávidas por ocasião da prática do
delito, mães de filhos que sejam delas dependentes econômica ou emocionalmente,
evitando-se, o quanto possível, a desagregação ou destruição do grupo
familiar.”
Daí que a negação a priori do
indulto para mulheres encarceradas decorre muito mais do preconceito
generalizado do que da racionalidade que pode se operar. Pensemos: a) as
mulheres condenadas por tráfico não praticaram crimes graves; b) não
representam, a priori, o perigo que se imagina; c) implicam em
custos excessivos de manutenção do regime prisional; d) podem ser acompanhadas
em regime aberto. Obama fez nos EUA, por diversas razões, nos mostra Kenarik Boujikian.
E aí?
Enfim, do ponto de vista lógico, em um país com lotação carcerária e com escassez de recursos, negar o indulto ou pelo menos comutação para boa parte das mulheres encarceradas, em crimes sem violência, é uma posição perdulária. E quem paga a conta somos todos nós. Punidas sem sentido e nós pagando a imensa conta.
Enfim, do ponto de vista lógico, em um país com lotação carcerária e com escassez de recursos, negar o indulto ou pelo menos comutação para boa parte das mulheres encarceradas, em crimes sem violência, é uma posição perdulária. E quem paga a conta somos todos nós. Punidas sem sentido e nós pagando a imensa conta.
[1] ZACCONE,
Orlando. Acionistas do nada: quem são os traficantes de drogas. Rio de Janeiro:
Revan, 2007.
[2] CASARA, Rubens. Processo Penal do Espetáculo. Florianópolis: Empório do Direito, 2015.
[3] BIZZOTO, Alexander. A mão invisível do medo e o pensamento criminal libertário. Florianópolis: Empório do Direito, 2015.
[4] ZAFFARONI, Eugênio Raul. O Inimigo no Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007.
[2] CASARA, Rubens. Processo Penal do Espetáculo. Florianópolis: Empório do Direito, 2015.
[3] BIZZOTO, Alexander. A mão invisível do medo e o pensamento criminal libertário. Florianópolis: Empório do Direito, 2015.
[4] ZAFFARONI, Eugênio Raul. O Inimigo no Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007.
Alexandre Morais da Rosa é juiz em Santa
Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor de Processo Penal na UFSC
(Universidade Federal de Santa Catarina) e na Univali (Universidade do Vale do
Itajaí).
Revista Consultor Jurídico,
22 de janeiro de 2016, 8h00
http://www.conjur.com.br/2016-jan-22/limite-penal-encarceramento-feminino-cresce-sociedade-paga-caro-isso
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