A CONTA-GOTAS Brasil tem 26 mil pedidos de refúgio e só 13 pessoas para analisá-los
14 de abril de 2017, 9h22
O Brasil tem 26 mil pedidos de refúgio pendentes de análise. E 13
pessoas para fazer o serviço. Além disso, o tempo de avaliação desses pedidos
(em média um ano e meio) tende a aumentar, já que o governo decidiu não renovar
o acordo com um braço da Organização das Nações Unidas que auxiliava a área com
dez consultores.
Se hoje parassem de chegar pedidos de refúgio no Brasil, os 13
encarregados teriam de analisar mais de 2 mil casos até o fim do ano para
zerar o estoque.
Não é tarefa simples. Significa avaliar se pessoas que deixaram
seus países para fugir de guerras ou de perseguições políticas, muitas vezes
sem documentos ou quaisquer bens, têm condições de entrar no país. São feitas
inclusive entrevistas presenciais antes de conceder o visto ou o refúgio.
Os pedidos de refúgio são feitos por pessoas de países em guerra ou com
medo de voltar a seus países por sofrerem perseguição por motivos de raça,
religião, nacionalidade, opinião política, pertencimento em grupos sociais
ou violação generalizada de direitos humanos. O Brasil tem uma política
"de portas abertas": é possível entrar no país para
só depois fazer o pedido formal para o governo.
Os pedidos são encaminhados ao Comitê
Nacional para Refugiados (Conare), vinculado ao Ministério da Justiça. O comitê
é formado por representantes de cinco ministérios (Justiça, Relações
Exteriores, Trabalho, Saúde e Educação), da Polícia Federal e de uma ONG
dedicada à assistência de refugiados.
Atividade-fim
O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) também é membro convidado de todas as reuniões do Conare, com direito a voz, mas sem voto. E foi justamente com o Acnur que o governo alegou ter os problemas que desencadearam na redução drástica da quantidade de responsáveis por avaliar os pedidos de refúgio.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) também é membro convidado de todas as reuniões do Conare, com direito a voz, mas sem voto. E foi justamente com o Acnur que o governo alegou ter os problemas que desencadearam na redução drástica da quantidade de responsáveis por avaliar os pedidos de refúgio.
A parceria com o Acnur começou
em 2015. À época, o Brasil tinha 8,4 mil refugiados reconhecidos e 12,6 mil
solicitações de refúgio pendentes. Sentindo o aumento de pedidos de refúgio
principalmente de Haitianos e Sírios, o Conare começou a se
descentralizar, criou escritórios regionais em São Paulo, Rio de Janeiro e
Porto Alegre. Contratou, então, por meio do Acnur, dez consultores
especialistas na área de refúgio para apoiar a equipe de oficiais de
elegibilidade e passou a buscar funcionários públicos que pudessem ser
deslocados para o órgão.
Na época, o então secretário nacional
de Justiça e cidadania, Beto Vasconcelos, afirmou em entrevista à agência de
notícias alemã DeutscheWelle, ao inaugurar a parceria:
“O aumento do número de solicitantes e de refugiados é uma realidade nova
para o Brasil. É um reflexo da crise humanitária que o mundo tem vivido”.
Uma série de acordos com a ONU serviu
para auxiliar no fluxo de solicitações de refúgio. O Acnur trouxe consultores
estrangeiros para melhorar o trabalho no Brasil, em operação assistida. Ou
seja, acompanhando in loco os funcionários brasileiros e
fazendo o trabalho junto com eles, para mostrar as melhores práticas. Ao
mesmo tempo, o Ministério da Justiça solicitou concurso para preencher vagas
com 129 servidores, além da contratação de 60 temporários.
Os concursos não foram feitos até hoje, e a verba para os temporários
também não foi liberada.
No entanto, durante a gestão de
Alexandre de Moraes (hoje ministro do Supremo Tribunal Federal) no Ministério
da Justiça, o contrato com o Acnur não foi renovado. Com a saída dos
consultores, que traziam expertise ao trabalho dos servidores, o número de
pessoas dedicadas à análise dos pedidos foi reduzido drasticamente.
O motivo apontado pelo governo para
não renovar o contrato com o Acnur é que o contrato está sendo
investigado pela Corregedoria do Ministério da Justiça e pelo do Ministério
Público do Trabalho sob a acusação de ser terceirização ilegal da função
(apesar de serem consultores trabalhando em operação assistida).
O Ministério da Justiça diz que a
investigação ainda está em curso e é sigilosa. Pessoas ligadas ao caso, no
entanto, contaram à ConJur que a investigação surgiu de uma
falácia, pois teve como “denúncia” cartas enviadas por um único funcionário do
Ministério da Justiça, que buscava ser alocado no Conare, mas que, por
decisões internas, não conseguia. Ele, então, passou a acusar o órgão de ocupar
a vaga que ele queria com os consultores do Acnur.
Chance de redução
Os pedidos de refúgio tiveram seu pico em 2015, com mais de 29 mil novos pedidos, 14 mil deles de haitianos. Os migrantes do Haiti, no entanto, não se enquadravam na categoria de refugiados, explica Bernardo Laferté, chefe de gabinete da Secretaria Nacional de Justiça. Por isso, o número começou a ser reduzido quando o governo criou o “visto humanitário”, aplicado a vítimas de crises econômicas e ambientais.
Os pedidos de refúgio tiveram seu pico em 2015, com mais de 29 mil novos pedidos, 14 mil deles de haitianos. Os migrantes do Haiti, no entanto, não se enquadravam na categoria de refugiados, explica Bernardo Laferté, chefe de gabinete da Secretaria Nacional de Justiça. Por isso, o número começou a ser reduzido quando o governo criou o “visto humanitário”, aplicado a vítimas de crises econômicas e ambientais.
Em 2016, foram feitos 10 mil novos
pedidos. Com mais casos haitianos sendo resolvidos pelo visto humanitário, o
topo da lista de pedidos foi ocupado por venezuelanos (3,7 mil). A esperança de
quem atua na área, diz Laferté, está na nova Lei de Migração (SCD 7/2016), cuja votação no Plenário do Senado é
aguardada para este mês.
Trata-se de um substitutivo da Câmara para um projeto de lei de autoria
do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), que, em dezembro de 2016, foi aprovado e
retornou para a análise do Senado. A lei substituirá o Estatuto do Estrangeiro
(Lei 6815/1980).
Quem atua na área espera que a nova lei reduza os números de pedidos de
refúgio por facilitar a imigração propriamente dita. Assim, o refúgio deixaria
de servir como um processo mais rápido e menos burocrático para viabilizar a
estadia de estrangeiros no Brasil.
De acordo com a proposta, a moradia no Brasil será autorizada para os
casos previstos de visto temporário e também para o aprovado em concurso; para
beneficiário de refúgio, de asilo ou de proteção ao apátrida; para quem tiver
sido vítima de tráfico de pessoas, de trabalho escravo ou de violação de
direito agravada por sua condição migratória; a quem já tiver possuído a
nacionalidade brasileira e não desejar ou não reunir os requisitos para
readquiri-la.
Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da
revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico,
14 de abril de 2017, 9h22
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