PRECONCEITO SOCIAL - Juiz que adiou audiência porque lavrador usava chinelos terá que pagar R$ 12 mil
9 de março de 2017, 13h17
Embora o Estado responda objetivamente pelos danos causados por seus
agentes, ele pode exigir o ressarcimento pelas indenizações que tiver de pagar
se os servidores tiverem agido com dolo ou culpa. Com base nessa regra, a 1ª
Vara Federal de Paranaguá (PR) condenou o juiz da 21ª Vara Trabalhista de
Curitiba, Bento Luiz de Azambuja Moreira, a ressarcir a União em R$ 12,4 mil
por adiar audiência porque o lavrador Joanir Pereira calçava chinelos.
Justiça Federal considerou que juiz
agiu de forma imprudente ao proibir que lavrador usasse chinelos em audiência
Na sessão, ocorrida em 2007, o então
juiz da 3ª Vara do Trabalho de Cascavel (PR) afirmou que não iria “realizar
esta audiência, tendo em vista que o reclamante compareceu em Juízo trajando
chinelo de dedos, calçado incompatível com a dignidade do Poder Judiciário”.
A atitude de Moreira foi repudiada por
profissionais do Direito. O então presidente da Associação Nacional dos
Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Cláudio Montesso, disse que “a
decisão está em desacordo com o pensamento da maioria dos juízes do trabalho
comprometidos com o exercício da cidadania e a preservação dos direitos mais
elementares”.
“Não se pode considerar que a roupa do trabalhador, muitas vezes a única
que possui, atenta contra a dignidade da Justiça, pois assim se está dizendo
que os mais humildes não são dignos da atenção dos juízes e que apenas os bem
vestidos a merecem”, disse.
A seccional paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil também lamentou
a postura do juiz do trabalho. “Num país tropical como o Brasil, uma decisão
como essa no âmbito da Justiça é absurda. Um fato como esse deve entrar para os
registros das aberrações jurídicas”, disse o então presidente da OAB Paraná,
Alberto de Paula Machado.
Na audiência seguinte, Bento Luiz
Moreira pediu desculpas ao
trabalhador e levou um par de sapatos para presenteá-lo. O trabalhador não
aceitou e preferiu permanecer com os calçados emprestados do sogro, dois
números a menos do que ele usa.
Moreira afirmou que não aceitou prosseguir com a primeira audiência
porque não estava acostumado com pessoas usando chinelos de dedo em ambientes
formais. “Atuei como juiz dez anos em Curitiba, onde os hábitos são diferentes,
onde há um consenso social de que a pessoa não vá de chinelos a uma audiência.
Mas aqui a situação é diferente. Temos muitas áreas rurais. Tenho que refazer
os meus conceitos”, afirmou.
Ele disse, ainda, que não pensou que a atitude do rapaz fosse uma
ofensa. “Mas pensei que devemos manter o decoro em uma audiência. Em um
casamento, por exemplo, você vai vestido adequadamente”, exemplificou.
Joanir Pereira moveu ação
indenizatória contra a União, e a juiza Marize Cecília Winkler, da 2ª Vara
Federal de Cascavel (PR), concedeu-lhe reparação de R$ 10 mil
pelo dano moral sofrido por ter que se retirar da audiência porque calçava
chinelos de dedos.
Na decisão, a juíza afastou o argumento da União de que Bento Luiz
Moreira agiu no estrito cumprimento do dever legal ou no exercício legal de um
direito ao cancelar uma audiência porque o trabalhador não trajava calçado.
Para Marize, “comparecer a um ato judicial trajando calça jeans, camisa social
e chinelo não gera ofensa alguma à Justiça do Trabalho", nem causa tumulto
ao ato o que ocorreria se " o reclamante comparecesse fantasiado, num
nítido tom de deboche".
Ação de regresso
A Advocacia-Geral da União então moveu ação contra o Bento Luiz Moreira para que ele fosse obrigado a ressarcir os cofres públicos pela despesa. “Como tal valor tem origem nos tributos pagos pelos contribuintes brasileiros, circunstância que lhe atribui caráter indisponível, deve o referido montante ser ressarcido à União pelo réu da ação, com os devidos acréscimos legais”, argumentou o órgão na petição.
A Advocacia-Geral da União então moveu ação contra o Bento Luiz Moreira para que ele fosse obrigado a ressarcir os cofres públicos pela despesa. “Como tal valor tem origem nos tributos pagos pelos contribuintes brasileiros, circunstância que lhe atribui caráter indisponível, deve o referido montante ser ressarcido à União pelo réu da ação, com os devidos acréscimos legais”, argumentou o órgão na petição.
Os advogados da União destacaram que o parágrafo 6º do artigo 37 da
Constituição Federal deixa claro que o Estado pode pedir aos seus agentes o
ressarcimento pelos danos causados a terceiros que foi obrigado a reparar.
Eles também ressaltaram que a conduta do juiz foi “absolutamente
irrazoável e socialmente discriminatória”, em especial se levado em
consideração que grande parte da força de trabalho rural é formada por pessoas
pobres, com rendimentos muitas vezes insuficientes até mesmo para suprir
necessidades básicas.
“Nesse contexto, discriminar tais cidadãos e subtrair-lhes direitos
simplesmente porque não usam sapatos fechados representa uma insensibilidade
absurda, que beira a desumanidade. Se já seria grave tal tipo de discriminação
quando exercida por qualquer pessoa, beira o surrealismo imaginar que tal
preconceito partiu de um juiz do trabalho que tem por obrigação promover a
solução de conflitos entre tais empregados e seus empregadores, assegurando,
assim, a concreção da garantia fundamental de acesso à Justiça”.
Para a AGU, a conduta do juiz prejudicou a prestação jurisdicional a um
cidadão por motivo banal e humilhou o lavrador, “acusado de atentar contra a
dignidade do Poder Judiciário, quando, em verdade, tinha a sua própria
dignidade atingida pelo ato levado a termo pelo magistrado trabalhista réu”.
Os advogados da União também ponderaram que o pedido de ressarcimento
não pretendia afrontar a autonomia do Judiciário e tampouco a liberdade dos
juízes para julgar segundo seu livre convencimento, mas só assegurar o
cumprimento de preceitos constitucionais que asseguram a igualdade de
tratamento entre as pessoas e a celeridade na tramitação de processos.
Atitude discriminatória
A 1ª Vara Federal de Paranaguá (PR) deu razão à AGU e condenou o juiz a ressarcir a União. A decisão lembrou que juízes estão sujeitos a responsabilização civil por atos administrativos que causem danos a terceiros, ainda que praticados sem dolo, ou seja, sem a intenção deliberada de provocar tal efeito.
Para o juiz que analisou o caso,
Bento Luiz Moreira agiu de forma imprudente, uma vez que era previsível que o
ato ofenderia o lavrador, “pessoa de poucos recursos financeiros que não foi à
audiência usando sapatos porque sequer tinha esse tipo de calçado, não porque
quisesse ofender a dignidade do Poder Judiciário”. Com informações da
Assessoria de Imprensa da AGU.
Processo 5000622-16.2013.4.04.7008
*Texto alterado às 20h01 do dia
9/3/2017 para correção de informação.
Revista Consultor Jurídico, 9 de março de 2017, 13h17
http://www.conjur.com.br/2017-mar-09/juiz-adiou-sessao-porque-lavrador-usava-chinelos-ressarcira-uniao
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