O que é Município Putativo? - Típico caso de constitucionalidade superveniente declarada pelo STF.
Ubirajara Casado é
Advogado da União
Professor de Processo Civil e Constitucional da EBEJI
EBEJI
O que é Município Putativo?
Lembra do casamento putativo em Direito Civil?
Casamento putativo é o casamento celebrado indevidamente
de boa-fé, ou seja, um “casamento imaginário”, no qual, se imaginava ser
verdadeiro, por ter preenchido todos os requisitos de existência, validade e
produzido seus efeitos, no entanto, posteriormente, verificou se um vício,
suscetível à anulação.
O casamento putativo é válido desde a celebração até o trânsito em
julgado da sentença anulatória.
Putativo é, na ciência jurídica, aquilo que embora ilegítimo, é objeto
de suposição de legitimidade, fundada na boa-fé.
Pois bem, no caso do Município a ideia é bem parecida.
Criação, incorporação, fusão e
desmembramento de Municípios
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LC Federal delimitando espaço temporal
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Lei Estadual
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Estudos de Viabilidade Municipal
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Depois dos estudos, plebiscito prévio com a
população dos Municípios envolvidos
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Na Bahia, existe um Município chamado de Barreiras, e o Estado, por meio
da Lei n. 7.619/2000 criou o Município de Luís Eduardo Magalhães a
partir do desmembramento de Barreiras.
O Partido dos Trabalhadores ajuizou uma ADI (n. 2.240) no STF para
discutir a constitucionalidade a mencionada lei.
Vamos lembrar quais os requisitos necessários para a criação de
um Município nos termos da Constituição de 1988:
Art. 18 § 4º CF/88: A criação, a incorporação, a fusão e o
desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período
determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia,
mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação
dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da
lei.
Então, temos que:
A ADI 2.240 apresentava as seguintes
inconstitucionalidades da lei baiana:
1
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Criação
de novo Município em ano de eleições municipais;
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2
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Ausência
de lei complementar federal delimitando lapso temporal para a criação de
Municípios;
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3
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Plebiscito
realizado apenas com a população do Município que se formou (Luís Eduardo
Magalhães) sem englobar a população total do Município de Barreiras;
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4
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Estudos
de viabilidade municipal publicado em momento posterior ao plebiscito.
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Pelo explanado até agora, você deve estar dizendo: bom, a
violação ao art. 18, parágrafo 4o da CF/88 é
muito nítida, então o STF declarou a lei inconstitucional não é mesmo? Na
verdade, a história do julgamento não foi bem essa, vamos ver.
O STF, por meio do seu relator, reconheceu a afronta a CF/88, mas…
- Não
poderia ignorar a existência de fato do Município há mais de 6 anos,
dotado de autonomia.
- Sua
existência resultou efeitos jurídicos.
- A
não edição de lei complementar federal dentro de prazo razoável determinou
um momento anormal na criação do Município.
- Ponderou
a ofensa à CF com os princípios da segurança jurídica e da continuidade do
Estado.
- Entendeu
que ao julgar a ADI improcedente, mantendo a existência do Município, ao
invés de encorajar a criação de novos municípios indiscriminadamente, ao
contrário, serviria de apelo ao Poder Legislativo a fim de suprir a
omissão constitucional acerca da ausência de lei complementar federal.
Depois das razões do relator, Ministro Eros Grau, pediu vista o Ministro
Gilmar Mendes que construiu a seguinte solução adotada pelo STF ao final:
- Declarar
a lei baiana inconstitucional.
- Contudo,
sem pronunciar a nulidade do ato de criação do Município.
- Mantendo
sua vigência por mais 24 meses.
Percebe-se, claramente, que o STF ponderou a nulidade com a
segurança jurídica, aplicando o art. 27 da Lei n. 9.868/99, ou seja, modulando os
efeitos da inconstitucionalidade.
Art. 27
da Lei n. 9.868/99
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Ao
declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista
razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o
Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros,
restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia
a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser
fixado.
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Interessante o prazo de 24 meses dado pelo STF na ADI. 2.240 para
“constitucionalização” do Município baiano. Nesse prazo, o Congresso
Nacional deve elaborar a lei complementar federal, dando cumprimento ao
disposto no art. 18, parágrafo 4o da CF, bem
como deve, o Município, se ajustar aos requisitos constitucionais.
Perceba que o STF, por meio da ADO 3.682, já havia
fixado prazo de 18 meses para que o Congresso Nacional elaborasse a lei
complementar federal do art. 18, parágrafo 4o da CF. Naquele
julgamento, o STF entendeu que a decisão tem caráter mandamental, ou seja, de
conteúdo obrigatório.
Assim, em tese, o Congresso Nacional teria 18 meses para produzir a lei
complementar e o Município teria 6 meses (24 meses ao total) para se ajustar
aos ditames da Constituição Federal.
Algumas questões ainda são interessantes no julgado da ADI 2.240,
vejamos:
- Pedro
Lenza atenta para utilização, pelo STF, de uma verdadeira CONSTITUCIONALIDADE
SUPERVENIENTE, ou seja, o Supremo acabou por permitir que uma lei que
nasceu inconstitucional seja corrigida mediante procedimento futuro de
adequação ao texto constitucional, como se houvesse uma forma de remediar
a lei inconstitucional para torna-la constitucional.
- Ao
contrário da ADO 3.682, a ADI 2.240 não enviou um mandamento ao Congresso
Nacional para a elaboração da lei complementar federal em 24 meses, o
próprio STF reconheceu que o prazo é apenas de fixação de um
parâmetro temporal razoável (Ofício n. 346/GP, enviado pelo STF
ao Congresso Nacional).
- Se
não elaborada a LC federal, o Município seria desconstituído.
- Se
elaborada a LC federal, mas o Município não se adequasse ao novo
procedimento, seria desconstituído.
Agora, a pergunta: o que aconteceu com Município de Luís Eduardo
Magalhães, na Bahia?
Pois bem! O Congresso Nacional ainda não cumpriu o comando do
STF emanado na ADO 3.862 e ignorou completamente o prazo de 24 meses
determinado na ADI 2.240
Para regularizar a situação do Município em questão e alguns outros, o
Congresso Nacional promulgou a EC n. 57/2008 que adicionou ao ADCT o art. 96
nos seguintes termos:
Art. 96
do ADCT
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Ficam
convalidados os atos de criação, fusão, incorporação e desmembramento de
Municípios, cuja lei tenha sido publicada até 31 de dezembro de 2006,
atendidos os requisitos estabelecidos na legislação do respectivo Estado à
época de sua criação.
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Diante do art. 96, o que fez o STF? Acatou os termos do
Congresso Nacional, vejamos:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
CRIAÇÃO DO MUNICÍPIO DE PINTO BANDEIRA/RS. AÇÃO JULGADA PREJUDICADA
PELA EDIÇÃO SUPERVENIENTE DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 57/2008. ALEGAÇÃO DE
CONTRARIEDADE À EMENDA CONSTITUCIONAL N. 15/1996 E DEFINIÇÃO DA SITUAÇÃO
JURÍDICA POR MEIO DA DECISÃO CAUTELAR. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL AO
QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Nos termos do art. 317, § 4º, do Regimento Interno
do Supremo Tribunal Federal, o agravo regimental não tem efeito suspensivo. 2.
A Lei n. 11.375/1999 do Rio Grande do Sul é ato normativo existente e autônomo,
pelo que pode ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade. 3. Decisões
cautelares têm caráter precário e provisório, necessariamente substituídas por
decisões finais definitivas. 4. Com o advento da Emenda Constitucional
n. 57/2008, foram convalidados os atos de criação de Municípios cuja lei tenha
sido publicada até 31.12.2006, atendidos os requisitos na legislação do
respectivo estado à época de sua criação. 5. A Lei n. 11.375/1999 foi publicada
nos termos do art. 9º da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, alterado
pela Emenda Constitucional n. 20/1997, pelo que a criação do Município de Pinto
Bandeira foi convalidada. 6. Agravo regimental ao qual se nega
provimento. (ADI 2.381-AgR, Min. Cármen Lúcia, DJe 08.04.2011).
Assim, o que temos após a ADI 2.240, ADO 3.862 e EC 57?
- Lei
estaduais que criem Municípios após 31.12.2006 sem LC federal prevista no
art. 18, parágrafo 4o da CF/88 são inconstitucionais por vício
formal.
- O
Congresso Nacional tentou, algumas vezes, cumprir o mandamento da ADO
3.862 enviado à Presidência da República projetos de lei complementar
federal disciplinando a matéria, contudo, em todas as vezes o
projeto foi vetado pelo Presidente da República sob o argumento de
interesse público, uma vez que, segundo o veto, haveria aumento de
despesas com as novas estruturas municipais sem que haja a correspondente
geração de novas receitas (Mensagem n. 250/2014).
O que é mais importante para os seus estudos para a
Advocacia Pública em toda a discussão acima?
- Saber
o que é Município Putativo;
- Saber
que o caso acima é exemplo de “constitucionalidade superveniente”;
- Saber
que a EC/57 convalidou o Município Putativo criado pelo STF e que,
posteriormente, a mesma EC/57 foi acatada pelo Supremo sem maiores
discussões.
Um abraço a todos, Ubirajara Casado.
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