“O poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades.” (ARENDT, Hannah Condição Humana, 2007, p. 212)

LIBERDADE DE IMPRENSA - Reportagem que aponta erro da Justiça não rende dano moral a julgador


29 de janeiro de 2017, 8h32
A publicação de reportagem que aponta provável erro judicial não dá direito a reparação moral, desde que os fatos narrados sejam verdadeiros. Assim, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul confirmou, na íntegra, sentença que negou indenização por danos morais ao desembargador aposentado Nereu Giacomolli, da 6ª Câmara Criminal da corte estadual.
Ele processou o jornal Zero Hora por ter publicado a reportagem “Preso por engano”, na edição de 5 de fevereiro de 2012, assinada pelo jornalista Humberto Trezzi. Segundo o processo, o jornalista questionou Giacomolli sobre a confirmação de sentença condenatória, já que existia uma prova excluindo a participação do acusado do crime de estupro.
Como o desembargador demorou para responder aos questionamentos, três dias após o contato, o repórter publicou a matéria. E explicou a posição do desembargador no contraponto: “[Giacomolli] manifestou surpresa ao saber que o DNA inocenta Israel. Prefere não opinar sobre o mérito do caso antes de ver o processo, mas acha que possa ter ocorrido algum engano na interpretação do exame por parte dos julgadores”.

Preso por estupro
A notícia relatou o caso de um jovem de 23, preso havia quatro anos por erro da Justiça, já que o laudo do Instituto Geral de Perícias (IGP), órgão da Polícia Civil gaúcha, atestou que não era dele o material genético analisado num caso de estupro ocorrido na Comarca de Lajeado. O material, segundo a reportagem, era de um assaltante que responde a outros processos criminais. Na origem, o jovem foi condenado a 13 anos de prisão, em regime fechado.
“O desembargador Nereu Giacomoli, relator do acórdão que manteve Israel condenado, se embasou no reconhecimento e usou como argumento o fato de o exame de DNA ter constatado que o material genético coletado no local pertence a Israel. A justificativa está no acórdão de setembro de 2009. Mas o exame de DNA, feito em maio do mesmo ano, informava o contrário. Anexado ao processo, o teste diz ser possível excluir que o material biológico no tecido da colcha pertença a Israel”, narrou a reportagem.
Em função do ocorrido, Giacomolli se sentiu ofendido e ajuizou ação indenizatória contra o jornal. Reclamou de não ter sido ouvido e disse que, em função da reportagem, caiu o número de convites para palestras e conferências, além ver diminuída as possibilidades para ser indicado ao cargo de ministro do Superior Tribunal de Justiça.
Sentença improcedente
O juiz Luiz Augusto Guimarães de Souza, da 10ª. Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, observou que no curso daquela ação penal foi reconhecido o equívoco no voto do desembargador, no trecho em que afirmou que o material encontrado na colcha seria do acusado, quando o laudo do IGP dizia o contrário. Entretanto, destacou o juiz, a maioria dos integrantes da 6ª Câmara Criminal entendeu que o “erro material” nem o novo laudo seriam capazes de desconstituir o restante da prova — calcada no reconhecimento feito pela vítima.
“Imprecisão ou erro material que, aliado à prova do IGP,  provavelmente, foi o que inspirou o repórter da requerida [ZH] a elaborar a matéria ora discutida, levantando a existência de possível erro judiciário. Diante de tal contexto, é possível tenha ocorrido erro. Fato, de resto, admitido pelo próprio suplicante, segundo declarou ao jornal ZH”, escreveu na sentença.
Para o juiz, a notícia, apesar de trazer algumas imprecisões jurídicas, não foi escrita com o intuito de causar danos à personalidade do autor da ação indenizatória. Isso porque é lícito questionar a existência de erro judiciário, assim como fez o Ministério Público no Superior Tribunal de Justiça, em parecer no julgamento do Habeas Corpus impetrado pelo réu. Em síntese, a possibilidade de erro existia.
“Embora respeite a suscetibilidade do autor, enquanto honorável e competente juiz, recentemente aposentado, penso que o direito de crítica é ínsito à imprensa e a outros órgãos. Desde que o façam de modo elevado, respeitoso, sem adjetivações desnecessárias, o que, de resto, não vislumbro aqui tenha ocorrido”, concluiu o julgador, julgando improcedente a demanda.
Aperfeiçoamento das instituições
O relator da Apelação na 10ª Câmara Cível, desembargador Jorge Alberto Schreiner Pestana, foi na mesma linha. Em seu voto, seguido à unanimidade pelo colegiado, afirmou que a reportagem não trouxe ao público qualquer fato inverídico nem atingiu de forma negativa a imagem do desembargador. “O caráter informativo da notícia não exclui por inteiro a opinião do jornalista e do veículo de imprensa na qual foi publicada. É notório o cunho crítico da publicação, mas não há excesso ofensivo por parte da demandada”, anotou no acórdão.
O desembargador Miguel Ângelo da Silva, colega de Pestana, foi além, reconhecendo que as decisões judiciais não estão imunes à crítica, inclusive dos veículos de imprensa. Para ele, no Estado de Direito, a crítica tem de ser tolerada, desde que não resvale para ataques à honra subjetiva dos magistrados. E tais críticas, a seu ver, no caso concreto, não ultrapassaram os limites do regular exercício da liberdade de imprensa.
“A postura crítica da imprensa deve ser admitida e, de regra, é até mesmo necessária, sobretudo quando divulga fatos que envolvem a conduta de agentes públicos, cuja atuação deve se realizar em prol da coletividade. A atuação midiática, sobretudo nas matérias jornalísticas de cunho ou teor investigativo, não raro serve ao aprimoramento das instituições, das práticas administrativas e dos serviços públicos”, concluiu em seu voto.
Clique aqui para ler a sentença.
Clique aqui para ler o acórdão.

http://www.conjur.com.br/2017-jan-29/reportagem-aponta-erro-justica-nao-rende-dano-moral

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