OPINIÃO - É hora de acabar com vantagens ilegais de juízes e MP e frear o corporativismo
28 de dezembro de 2016, 10h35
*Artigo originalmente publicado no
jornal Folha de S.Paulo desta quarta-feira (28/12).
Os pensadores que se propuseram a ensaiar explicações abrangentes sobre
a formação de nosso país, de um modo ou de outro, afirmaram as características
da colonização portuguesa e o ranço patrimonialista que dela herdamos.
Em seu ensaio sobre o segundo escalão do poder no Império, Antonio
Candido afirma que uma das formas de ascensão social no Brasil estava na
nomeação para cargo público, o que aproximava o funcionário dos donos do poder,
dava-lhe amplo acesso à burocracia, propiciando-lhe, assim, proteção
institucional de direitos, interesses e privilégios.
Claro que a crítica se centrava na nomeação de apaniguados, muitas vezes
não habilitados para o exercício das funções públicas. A nova ordem
constitucional procurou, por meio da regra do concurso público, prestigiar o
mérito para a investidura no serviço.
Ocorre que isso acabou por alimentar a capacidade organizacional das
categorias de servidores, situação institucional facilitadora da conquista de
direitos e privilégios, muitas vezes em detrimento da maioria da sociedade
civil, a qual não conta com o mesmo nível de organização.
Infelizmente, a Constituição de 1988 não encerrou esse ciclo. Conta-se
que Sepúlveda Pertence, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, costumava
dizer que o constituinte foi tão generoso com o Ministério Público que o órgão
deveria ver o Brasil com os olhos de uma grande nação amiga.
Na prática atual, no entanto, os altos salários, muitas vezes
inaceitavelmente acima do teto constitucional, e os excessos corporativistas
dos membros do Parquet e do Judiciário nos levam a enxergar a presença de um
Estado dentro do Estado, obnubilando, por um lado, a divisão de tarefas entre
as instituições, que deveria viabilizar o adequado funcionamento do governo, e
escancarando, por outro, o crescente corporativismo que se revela a nova roupa
do nosso velho patrimonialismo.
Em contexto de abalo das lideranças políticas e de irresponsabilidade
fiscal, esse cenário nos levou a vivenciar fenômenos como liminares judiciais
para concessão de aumento de subsídios a juízes -travestido de auxílio-moradia-
e também conduziu o Congresso à aprovação de emenda constitucional que estendeu
a autonomia financeira à defensoria pública, o que obviamente se fez acompanhar
por pressões de diversas outras categorias para obter o mesmo tratamento.
Tais providências trazem grandes prejuízos, tanto por reduzirem
drasticamente a capacidade de alocação orçamentária dos Poderes eleitos para
tanto como porque sempre são adotadas em detrimento dos que necessitam de
políticas publicas corajosas e eficientes.
Reiteradas vezes afirmei que o Brasil está a se transformar em uma
República corporativa, em que o menor interesse contrariado gera uma reação
descabida, de forma que a manutenção e conquista de benesses do Estado por
parte de categorias ganham uma centralidade no debate público inimaginável em
países civilizados.
A autonomia financeira que se pretende atribuir aos diversos órgãos e as
reações exageradas contra quaisquer projetos que visem a disciplinar seus
abusos são a nova face de nosso indigesto patrimonialismo.
Diante da realidade fiscal da nação e dos Estados, é imperioso acabarmos
com vantagens e penduricalhos ilegais e indevidos concedidos sob justificativas
estapafúrdias e com base nas reivindicadas autonomias financeiras e
administrativas que todo e qualquer órgão pretende angariar para si.
Esse tipo de prática alija o Poder Legislativo do processo decisório,
tornando, assim, extremamente difícil o exercício de qualquer forma de controle
sobre essas medidas.
No momento em que encerramos um dos anos mais difíceis de nossa história
recente, devemos pensar no futuro do país e de nossos filhos e netos. É hora de
finalmente ousarmos construir uma sociedade civil livre e criadora e colocar
freios em nosso crescente corporativismo.
http://www.conjur.com.br/2016-dez-28/gilmar-mendes-chegou-hora-frear-corporativismo-juizes-mp
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