ALÍNEA L - Variações na jurisprudência do TSE mudam resultados de eleições de 2016
14 de dezembro de 2016, 20h30
Nem todos os resultados das eleições municipais deste ano estão
definidos, embora o pleito tenha se encerrado em novembro. É que o Tribunal
Superior Eleitoral voltou a apresentar decisões conflitantes em relação à
inelegibilidade por improbidade administrativa nos termos da Lei da Ficha
Limpa. Segundo dados da corte, apenas em relação ao segundo turno, feito em 92
cidades, chegaram mil processos. As variações na jurisprudência, portanto,
prometem influenciar diretamente nos resultados das urnas.
A última decisão foi
tomada nesta terça-feira (13/12), quando o tribunal cassou o registro de
candidatura do prefeito eleito de Foz do Iguaçu (PR). Por quatro votos a
três, a corte entendeu que a condenação por improbidade administrativa não
precisa dizer expressamente que houve enriquecimento ilícito se a conclusão é
inevitável a partir da leitura do acórdão. Portanto, ficou definido que a
Justiça Eleitoral pode interpretar o mérito das condenações da Justiça comum.
Para o ministro Herman Benjamin, não
é necessário que o acórdão da condenação contenha a expressão “enriquecimento
ilícito” para que seja aplicada a causa de inelegibilidade da alínea “l”.
Nesse caso, venceu o ministro Herman Benjamin, relator. A interpretação
dele se aplica à alínea “l” do inciso I do artigo 1º da Lei Complementar
64/1990. O dispositivo da chamada Lei das Inelegibilidades diz que não pode se
candidatar quem tiver sido condenado por ato doloso de improbidade
administrativa que tenha causado dano ao erário e tenha resultado em
enriquecimento ilícito.
Para o ministro Herman, não é necessário que o acórdão da condenação
contenha a expressão “enriquecimento ilícito” para que seja aplicada a causa de
inelegibilidade da alínea “l”. No caso de Foz do Iguaçu, o acórdão falava em
“diferença imotivada” entre o valor contratado e o valor pago numa contratação.
No entendimento do ministro, é possível entender que a decisão da Justiça comum
concluiu que houve enriquecimento ilícito, embora não tenha usado um sinônimo.
Com a decisão, o prefeito eleito de Foz do Iguaçu, Paulo Ghisi (PDT),
teve a candidatura cassada e não poderá ser diplomado. Assumirá a prefeitura o
concorrente dele no segundo turno, Chico Brasileiro (PSD), que teve quatro mil
votos a menos. A cidade tem 165.730 eleitores, segundo dados do TSE sobre as
eleições deste ano.
Vencedores vencidos
O ministro Herman foi acompanhado pelos ministros Luiz Fux, Henrique Neves e Rosa Weber. Os ministros Gilmar Mendes e Napoleão Nunes Maia Filho acompanharam o voto-vista da ministra Luciana Lóssio, que abriu a divergência. Saíram vencidos.
Para os três, embora o candidato tenha sido condenado por improbidade, a
condenação não fala em enriquecimento ilícito. Fala apenas em dano ao erário, e
a Lei das Inelegibilidades exige que as duas situações estejam presentes para
configurar a inelegibilidade. Portanto, não caberia à Justiça Eleitoral avaliar
o que o acórdão da Justiça comum quis dizer ou permite concluir.
Com isso, aplicaram a jurisprudência que o TSE havia firmado em maio
deste ano, também sobre as eleições municipais deste ano. Era um caso de Quatá
(SP), em que o candidato mais votado teve a candidatura impugnada por ter sido
condenado por improbidade administrativa.
Entretanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a condenação do
primeiro grau justamente por não ter visto “locupletamento das partes”
decorrente do ato de improbidade. Com isso, reduziu as sanções aplicadas ao
candidato — agora prefeito eleito.
A ministra Luciana Lóssio abriu
divergência ao entender que, embora o candidato tenha sido condenado por
improbidade, a condenação não fala em enriquecimento ilícito.
Venceu o voto da ministra Luciana Lóssio, que disse: “Se o próprio
Tribunal de Justiça afastou o locupletamento dos envolvidos de modo categórico,
não é possível ultrapassar essa conclusão para entender configurada a
inelegibilidade nesta Justiça Especializada, devendo ser observada a tipificação
legal feita pelo órgão competente para o julgamento da improbidade”.
Caso Maluf
A decisão do caso de Quatá aplicou o que havia sido definido pelo TSE em dezembro de 2014, quando foi liberada a candidatura do deputado federal Paulo Maluf (PP-SP). Naquela ocasião, em embargos de declaração, o tribunal definiu que a Justiça Eleitoral não pode tirar conclusões a partir do acórdão da Justiça comum, se a decisão não diz expressamente que houve enriquecimento ilícito.
O caso concreto é o de fraude a licitação nas obras do Túnel Ayrton
Senna, em São Paulo. O Tribunal de Justiça de São Paulo condenou Maluf,
prefeito na época da contratação, por improbidade, mas não falou sobre
enriquecimento ilícito. O Tribunal Regional Eleitoral do estado cassou o
registro de candidatura dele por entender que o acórdão do TJ conduzia à
conclusão do enriquecimento ilícito.
Inicialmente, quando julgou o mérito,
o TSE concordou com a decisão da corte regional.
E abriu um período de conflitos entre os ministros. O ministro Dias Toffoli,
então presidente do TSE, criticou o entendimento vencedor, da ministra Luciana,
e disse que o acórdão não foi omisso porque não disse o que se queria que ele
dissesse.
O ministro Gilmar Mendes, na época vice-presidente da corte eleitoral,
chegou a chamar os colegas de despreparados e acusou o tribunal de julgar
processos de acordo com as partes envolvidas. “Um tribunal que se propõe a
criar jurisprudência a partir de capa de processo não se qualifica”,
disse.
Regras do jogo
A advogada Karina Kufa, que defendeu o prefeito eleito de Quatá, reclama da decisão de Foz do Iguaçu. Para ela, o tribunal mudou sua jurisprudência em prejuízo de um candidato e interferiu diretamente no resultado das eleições.
No entendimento dela, o TSE contrariou a jurisprudência definida pelo
Supremo Tribunal Federal no caso dos chamados “prefeitos itinerantes”. São
candidatos que, depois de dois mandatos em uma cidade, mudam o registro para
outra para poder se candidatar de novo.
Nesse caso, o Supremo entendeu que o princípio da anualidade da lei
eleitoral também se aplica a mudanças de jurisprudência. Ou seja, o princípio
constitucional que diz que leis novas de matéria eleitoral só se aplicam
depois de um ano de aprovadas também serve para mudanças de
jurisprudência.
“Mudanças radicais na interpretação
da Constituição devem ser acompanhadas da devida e cuidadosa reflexão sobre
suas consequências, tendo em vista o postulado da segurança jurídica”, escreveu
o relator da matéria no Supremo, ministro Gilmar Mendes (clique aqui para ler o
acórdão do STF).
“Não só a Corte Constitucional, mas também o Tribunal que exerce o papel
de órgão de cúpula da Justiça Eleitoral devem adotar tais cautelas por ocasião
das chamadas viragens jurisprudenciais na interpretação dos preceitos
constitucionais que dizem respeito aos direitos políticos e ao processo
eleitoral. Não se pode deixar de considerar o peculiar caráter normativo dos
atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, que regem todo o
processo eleitoral.”
Questões diferentes
O advogado Gustavo Guedes, que representou os autores da impugnação da candidatura do prefeito eleito de Foz do Iguaçu, discorda da colega eleitoralista. Para ele, o que o TSE fez foi, na verdade, aplicar sua jurisprudência.
De acordo com Guedes, essa
jurisprudência foi firmada em 2014, no caso do registro de candidatura de
José Geraldo Riva (PSD), que concorria à reeleição para governador
de Mato Grosso. Ele havia sido condenado por improbidade administrativa, mas o
acórdão do Tribunal de Justiça do estado não falava expressamente que o esquema
que resultou na condenação implicou enriquecimento ilegal de Riva.
Entretanto, de acordo com o relator, ministro João Otávio de Noronha, o
enriquecimento decorria de “conclusão evidenciada em inúmeras passagens dos
acórdãos condenatórios da justiça comum”. “O reconhecimento da justiça comum no
que tange ao enriquecimento ilícito parece-me muito claro”, concluiu Noronha.
Segundo Guedes, o precedente do caso Maluf não se aplica à situação de
Foz do Iguaçu. Isso porque ali, diz ele, a discussão se deu em torno de o ato
de improbidade ter sido doloso ou culposo.
O acórdão do TJ de São Paulo falava em “culpa grave”, e o TRE do estado
entendeu que a decisão da Justiça comum indicava dolo, e não culpa. “E nos
embargos de declaração do caso Maluf ficou claro que a decisão foi a de que a
Justiça Eleitoral não pode desdizer o acórdão da Justiça comum”, explicou
Guedes.
Limpeza mais fácil
Em meio a essas discussões, ainda há outro elemento que pode causar ainda mais instabilidade às eleições. O ministro Herman Benjamin tem veiculado entre os colegas uma tese de que a Lei da Ficha Limpa, ao tratar da inelegibilidade dos condenados por improbidade administrativa, considera apenas o dano ao erário ou o enriquecimento ilícito.
Portanto, o ministro quer que, em vez de obrigar que haja as duas
situações, apenas o reconhecimento de uma delas já cause a inelegibilidade do
candidato. De acordo com o ministro, é o tribunal que considera a necessidade
das duas situações “cumulativamente”, numa interpretação “literal e
gramatical”.
Na opinião dele, a melhor interpretação deve levar em conta “os valores
éticos-jurídicos que fundamentam o dispositivo [alínea ‘l’ do inciso I do
artigo 1º da LC 64]”. “A conjunção ‘e’, utilizada em ‘lesão ao patrimônio
público e enriquecimento ilícito’, não significa que se exija presença de ambos
em decreto condenatório de suspensão de direitos políticos por ato doloso de
improbidade administrativa.”
Segundo o ministro Herman, considerar inelegível apenas quem comete os
dois atos de improbidade ao mesmo tempo contradiz o princípio da moralidade na
administração pública, descrita no artigo 37 da Constituição Federal. Seria
dizer que quem recebeu dinheiro de forma ilegal em decorrência de um ato de
improbidade pode ser eleito. Ou que quem causou danos ao erário pode
administrar um ente federado.
A tese foi rejeitada. Seguiu-se o voto da ministra Luciana Lóssio, para
quem a Lei da Ficha Limpa pretendeu punir o ímprobo, e não o administrador
inapto. “Não se pode admitir interpretação que vai além do que quis dizer o
legislador.”
Pedro Canário é editor da revista Consultor
Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico,
14 de dezembro de 2016, 20h30
Comentários
Postar um comentário