Atividade policial aumenta risco de esquecimento e justifica testemunho antecipado
Em situações como a
atividade policial, em que o agente é submetido a eventos sucessivos que podem
acarretar a perda de memória específica sobre o fato apurado na ação penal, é
permitida a antecipação da prova testemunhal, conforme estabelece o artigo 366 do Código de Processo Penal. Com base
nesse entendimento, por maioria, a Terceira Seção do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) negou recurso em habeas corpus que tentava anular a oitiva
antecipada de agentes de segurança pública.
O caso foi afetado
para julgamento na seção em razão da relevância do tema. De acordo com o
processo, um homem denunciado por tentativa de homicídio foi citado por edital,
mas deixou de comparecer ao juízo. A juíza suspendeu o processo e o prazo de
prescrição, e determinou a oitiva antecipada dos policiais arrolados como
testemunhas.
Contra essa última
decisão, a defesa ingressou com pedido de habeas corpus, sob o argumento de
inexistência de fundamentação concreta que justificasse a produção de prova
antecipada, conforme exige a Súmula 455 do STJ.
Memória
comprometida
No voto acompanhado
pelo colegiado, o ministro Rogerio Schietti Cruz apresentou estudos científicos
que demonstram que a memória é suscetível a falhas com o decurso do tempo,
estando sujeita a eventos como a convergência de lembranças verdadeiras com
sugestões vindas de outras pessoas.
Por essa razão,
disse o ministro, os estudiosos defendem a necessidade de assegurar o menor
intervalo de tempo possível entre o fato delituoso e as declarações das vítimas
e das testemunhas, “para que seja menor a possibilidade de haver esquecimento e
contaminação de influências externas”.
Além disso,
Schietti ressaltou a existência de circunstâncias que agravam as limitações
habituais da mente humana, como no caso do trabalho realizado pelos policiais.
Nessas situações, “a testemunha corre sério risco de confundir fatos em
decorrência da sobreposição de eventos, que, de corriqueiros e cotidianos,
tendem a perder sua importância no registro mnemônico dos agentes da
segurança”.
Súmula 455
Apesar desses
estudos científicos, o ministro assinalou que o STJ, por meio da Súmula 455,
estabeleceu que o simples argumento de que as testemunhas poderiam esquecer
detalhes com o passar do tempo não permitiria, por si só, a produção antecipada
da prova, havendo a necessidade de fundamentação concreta da decisão de antecipação.
Schietti defendeu a
necessidade de interpretação criteriosa da súmula, pois, por natureza, a
produção da prova testemunhal é urgente. “Considero que a fundamentação
da decisão que determina a produção antecipada de provas pode limitar-se a
destacar a probabilidade de que, não havendo outros meios de prova disponíveis,
as testemunhas devem ser ouvidas com a possível urgência”, afirmou.
No caso concreto
analisado pela seção, por exemplo, o ministro destacou que a juíza de primeiro
grau justificou a produção antecipada da prova pela exposição constante do
agente de segurança pública a inúmeras situações de conflito. Já em segunda
instância, ao analisar o pedido de habeas corpus, o Tribunal de Justiça do
Distrito Federal ressaltou que havia risco de perecimento da prova.
Equilíbrio
Rogerio Schietti
destacou ainda que a jurisdição penal tem o dever de evitar que o acusado seja
processado e julgado à revelia, mas não pode ter seus resultados comprometidos
pela tardia atividade probatória.
“O processo penal”,
salientou, “permite ao Estado exercitar seu jus puniendi de
modo civilizado e eficaz, devendo as regras pertinentes ser lidas e
interpretadas sob dúplice vertente – proteção do acusado e proteção da
sociedade –, sob pena de desequilibrarem-se os legítimos interesses e direitos
envolvidos na persecução penal. É dizer, repudia-se tanto a excessiva
intervenção estatal na esfera de liberdade individual (proibição de excesso),
quanto a deficiente proteção estatal de que são titulares todos os integrantes do
corpo social (proibição de proteção penal deficiente).”
Prejuízo à defesa
O ministro também
observou que “não se pode olvidar que a realização antecipada de provas não
traz prejuízo para a defesa, visto que, além de o ato ser realizado na presença
de defensor nomeado, caso o réu compareça ao processo futuramente, poderá
requerer a produção das provas que julgar necessárias para a tese defensiva”.
“Desde que
apresente argumentos idôneos, poderá até mesmo conseguir a repetição da prova
produzida antecipadamente”, concluiu o ministro ao negar provimento ao recurso.
Leia o acórdão.
http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Atividade-policial-aumenta-risco-de-esquecimento-e-justifica-testemunho-antecipado
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