Quarta-feira, 05 de outubro de 2016
Por maioria, o
Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que o artigo 283 do Código
de Processo Penal (CPP)* não impede o início da execução da pena após
condenação em segunda instância e indeferiu liminares pleiteadas nas Ações
Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44.
O Partido Nacional
Ecológico (PEN) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
autores das ações, pediam a concessão da medida cautelar para suspender a
execução antecipada da pena de todos os acórdãos prolatados em segunda
instância. Alegaram que o julgamento do Habeas Corpus (HC) 126292, em fevereiro
deste ano, no qual o STF entendeu possível a execução provisória da pena, vem
gerando grande controvérsia jurisprudencial acerca do princípio constitucional
da presunção de inocência, porque, mesmo sem força vinculante, tribunais de
todo o país “passaram a adotar idêntico posicionamento, produzindo uma série de
decisões que, deliberadamente, ignoram o disposto no artigo 283 do CPP”.
O caso começou a
ser analisado pelo Plenário em 1º de setembro, quando o relator das duas ações,
ministro Marco Aurélio, votou no sentido da constitucionalidade do artigo 283,
concedendo a cautelar pleiteada. Contudo, com a retomada do julgamento na
sessão desta quarta-feira (5), prevaleceu o entendimento de que a norma não
veda o início do cumprimento da pena após esgotadas as instâncias ordinárias.
Ministro Edson
Fachin
Primeiro a votar na
sessão de hoje, o ministro Edson Fachin abriu divergência em relação ao relator
e votou pelo indeferimento da medida cautelar, dando ao artigo 283 do CPP
interpretação conforme a Constituição que afaste aquela segundo a qual a norma
impediria o início da execução da pena quando esgotadas as instâncias
ordinárias. Ele defendeu que o início da execução criminal é coerente com a
Constituição Federal quando houver condenação confirmada em segundo grau, salvo
quando for conferido efeito suspensivo a eventual recurso a cortes superiores.
Fachin destacou que
a Constituição não tem a finalidade de outorgar uma terceira ou quarta chance
para a revisão de uma decisão com a qual o réu não se conforma e considera
injusta. Para ele, o acesso individual às instâncias extraordinárias visa a
propiciar ao STF e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) exercer seus papéis de
uniformizadores da interpretação das normas constitucionais e do direito
infraconstitucional. Segundo ele, retomar o entendimento anterior ao julgamento
do HC 126292 não é a solução adequada e não se coaduna com as competências
atribuídas pela Constituição às cortes superiores. Por fim, afastou o argumento
de irretroatividade do entendimento jurisprudencial prejudicial ao réu,
entendendo que tais regras se aplicam apenas às leis penais, mas não à
jurisprudência.
Ministro Roberto
Barroso
Seguindo a divergência,
o ministro defendeu a legitimidade da execução provisória após decisão de
segundo grau e antes do trânsito em julgado para garantir a efetividade do
direito penal e dos bens jurídicos por ele tutelados. No seu entendimento, a
presunção de inocência é princípio, e não regra, e pode, nessa condição, ser
ponderada com outros princípios e valores constitucionais que têm a mesma
estatura. “A Constituição Federal abriga valores contrapostos, que entram em
tensão, como o direito à liberdade e a pretensão punitiva do estado”, afirmou.
“A presunção da inocência é ponderada e ponderável em outros valores, como a
efetividade do sistema penal, instrumento que protege a vida das pessoas para
que não sejam mortas, a integridade das pessoas para que não sejam agredidas,
seu patrimônio para que não sejam roubadas”.
Barroso
contextualizou a discussão citando exemplos para demonstrar que o entendimento
anterior do STF sobre a matéria não era garantista, “mas grosseiramente
injusto”, e produziu consequências “extremamente negativas e constatáveis a
olho nu”. Entre elas, incentivou à interposição sucessiva de recursos para
postergar o trânsito em julgado, acentuou a seletividade do sistema penal e
agravou o descrédito da sociedade em relação ao sistema de justiça – o que, a
seu ver, contribui para aumentar a criminalidade.
Ministro Teori
Zavascki
Ao acompanhar a
divergência, o ministro Teori Zavascki reafirmou entendimento já manifestado no
julgamento do HC 126292, de sua relatoria, afirmando que o princípio da presunção
da inocência não impede o cumprimento da pena. Teori ressaltou que esta era a
jurisprudência do Supremo até 2009.
“A dignidade defensiva dos acusados deve ser calibrada, em termos de processo, a partir das expectativas mínimas de justiça depositadas no sistema criminal do país”, afirmou. Se de um lado a presunção da inocência e as demais garantias devem proporcionar meios para que o acusado possa exercer seu direito de defesa, de outro elas não podem esvaziar o sentido público de justiça. “O processo penal deve ser minimamente capaz de garantir a sua finalidade última de pacificação social”, afirmou.
“A dignidade defensiva dos acusados deve ser calibrada, em termos de processo, a partir das expectativas mínimas de justiça depositadas no sistema criminal do país”, afirmou. Se de um lado a presunção da inocência e as demais garantias devem proporcionar meios para que o acusado possa exercer seu direito de defesa, de outro elas não podem esvaziar o sentido público de justiça. “O processo penal deve ser minimamente capaz de garantir a sua finalidade última de pacificação social”, afirmou.
Outro argumento
citado pelo ministro foi o de que o julgamento da apelação encerra o exame de
fatos e provas. “É ali que se concretiza, em seu sentido genuíno, o duplo grau
de jurisdição”, ressaltou.
Ministra Rosa Weber
A ministra Rosa
Weber acompanhou o voto do relator, entendendo que o artigo 283 do CPP espelha
o disposto nos incisos LVII e LXI do artigo 5º da Constituição Federal, que
tratam justamente dos direitos e garantias individuais. “Não posso me afastar
da clareza do texto constitucional”, afirmou.
Para Rosa Weber, a
Constituição Federal vincula claramente o princípio da não culpabilidade ou da
presunção de inocência a uma condenação transitada em julgado. “Não vejo como
se possa chegar a uma interpretação diversa”, concluiu.
Ministro Luiz Fux
O ministro seguiu a
divergência, observando que tanto o STJ como o STF admitem a possiblidade de
suspensão de ofício, em habeas corpus, de condenações em situações
excepcionais, havendo, assim, forma de controle sobre as condenações em segunda
instância que contrariem a lei ou a Constituição.
Segundo seu
entendimento, o constituinte não teve intenção de impedir a prisão após a
condenação em segundo grau na redação do inciso LVII do artigo 5º da
Constituição. “Se o quisesse, o teria feito no inciso LXI, que trata das
hipóteses de prisão”, afirmou. O ministro ressaltou ainda a necessidade de se
dar efetividade à Justiça. “Estamos tão preocupados com o direito fundamental
do acusado que nos esquecemos do direito fundamental da sociedade, que tem a
prerrogativa de ver aplicada sua ordem penal”, concluiu.
Ministro Dias
Toffoli
O ministro
acompanhou parcialmente o voto do relator, acolhendo sua posição subsidiária,
no sentido de que a execução da pena fica suspensa com a pendência de recurso
especial ao STJ, mas não de recurso extraordinário ao STF. Para fundamentar sua
posição, sustentou que a instituição do requisito de repercussão geral
dificultou a admissão do recurso extraordinário em matéria penal, que tende a
tratar de tema de natureza individual e não de natureza geral – ao contrário do
recurso especial, que abrange situações mais comuns de conflito de entendimento
entre tribunais.
Segundo Toffoli, a
Constituição Federal exige que haja a certeza da culpa para fim de aplicação da
pena, e não só sua probabilidade, e qualquer abuso do poder de recorrer pode
ser coibido pelos tribunais superiores. Para isso, cita entendimento adotado
pelo STF que admite a baixa imediata dos autos independentemente da publicação
do julgado, a fim de evitar a prescrição ou obstar tentativa de protelar o
trânsito em julgado e a execução da pena.
Ministro
Lewandowski
O ministro Ricardo
Lewandowski ressaltou que o artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal é
muito claro quando estabelece que a presunção de inocência permanece até
trânsito em julgado. “Não vejo como fazer uma interpretação contrária a esse
dispositivo tão taxativo”, afirmou.
Para ele, a
presunção de inocência e a necessidade de motivação da decisão para enviar um
cidadão à prisão são motivos suficientes para deferir a medida cautelar e
declarar a constitucionalidade integral do artigo do 283 do CPP. Assim, ele
acompanhou integralmente o relator, ministro Marco Aurélio.
Ministro Gilmar
Mendes
Gilmar Mendes votou
com a divergência, avaliando que a execução da pena com decisão de segundo grau
não deve ser considerada como violadora do princípio da presunção de inocência.
Ele ressaltou que, no caso de se constatar abuso na decisão condenatória, os
tribunais disporão de meios para sustar a execução antecipada, e a defesa
dispõe de instrumentos como o habeas corpus e o recurso extraordinário com
pedido de efeito suspensivo.
Ele ressaltou que o sistema estabelece um progressivo enfraquecimento da ideia da presunção de inocência. “Há diferença entre investigado, denunciado, condenado e condenado em segundo grau”, afirmou. Segundo Gilmar Mendes, países extremamente rígidos e respeitosos com os direitos fundamentais aceitam a ideia da prisão com decisão de segundo grau.
Ele ressaltou que o sistema estabelece um progressivo enfraquecimento da ideia da presunção de inocência. “Há diferença entre investigado, denunciado, condenado e condenado em segundo grau”, afirmou. Segundo Gilmar Mendes, países extremamente rígidos e respeitosos com os direitos fundamentais aceitam a ideia da prisão com decisão de segundo grau.
Ministro Celso de
Mello
Seu voto, que
acompanhou o do relator, foi enfático ao defender a incompatibilidade da
execução provisória da pena com o direito fundamental do réu de ser presumido
inocente, garantido pela Constituição Federal e pela lei penal. Segundo o
ministro, a presunção de inocência é conquista histórica dos cidadãos na luta
contra a opressão do Estado e tem prevalecido ao longo da história nas
sociedades civilizadas como valor fundamental e exigência básica de respeito à
dignidade da pessoa humana.
Para o decano do
STF, a posição da maioria da Corte no sentido de rever sua jurisprudência
fixada em 2009 “reflete preocupante inflexão hermenêutica de índole regressista
no plano sensível dos direitos e garantias individuais, retardando o avanço de
uma agenda judiciária concretizadora das liberdades fundamentais”. “Que se
reforme o sistema processual, que se confira mais racionalidade ao modelo
recursal, mas sem golpear um dos direitos fundamentais a que fazem jus os
cidadãos de uma república”, afirmou.
Ministra Cármen
Lúcia
A presidente do STF
negou o pedido de cautelar nos pedidos. Ela relembrou, em seu voto,
posicionamento proferido em 2010 sobre o mesmo tema, quando acentuou que,
quando a Constituição Federal estabelece que ninguém pode ser considerado
culpado até o trânsito em julgado, não exclui a possibilidade de ter início a
execução da pena – posição na linha de outros julgados do STF.
Para a presidente,
uma vez havendo apreciação de provas e duas condenações, a prisão do condenado
não tem aparência de arbítrio. Se de um lado há a presunção de inocência, do
outro há a necessidade de preservação do sistema e de sua confiabilidade, que é
a base das instituições democráticas. “A comunidade quer uma resposta, e quer
obtê-la com uma duração razoável do processo”.
* Art. 283.
Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença
condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo,
em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.
(Redação/AD, CR)
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1/9/2016 – Relator vota pela concessão de liminar para afastar execução da pena
antes do trânsito em julgado
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=326754
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