PEDÁGIO POR ACORDO - Especialistas criticam tentativa do MPF de receber percentual por leniência
26 de junho de 2016, 18h45
Já tem despertado críticas nos meios
jurídico, político e acadêmico a intenção do Ministério Público Federal de
receber parte dos valores negociados em acordos de leniência com empresas
investigadas na operação “lava jato”. Cláusulas fixadas pela força-tarefa do
caso determinam que órgãos responsáveis pela investigação
recebam até 20% do valor das multas pagas pelas empresas, segundo o jornal Folha
de S.Paulo.
O MPF deve ganhar 10% dos acordos da
Andrade Gutierrez —multada em R$ 1 bilhão— e da Camargo Corrêa — que se
comprometeu a pagar R$ 700 milhões. Assim, essas duas negociações renderiam R$
170 milhões à instituição. A Procuradoria-Geral da República tentou
incluir condição semelhante em investigações acompanhadas pelo Supremo Tribunal
Federal, mas o ministro Teori Zavascki não viu
justificativa legal para o repasse.
Para especialistas ouvidos pela
revista eletrônica Consultor Jurídico, a medida aparenta
“gorjeta” ou “pedágio” pelo fechamento de acordos. A possibilidade de o
Ministério Público se beneficiar de acordos propostos também já foi rejeitada
pelo Conselho Nacional do MP (leia mais abaixo).
Para ministro Marco Aurélio, MPF não
pode pegar "carona" nos acordos.
O ministro Marco Aurélio,
vice-decano do STF, avalia que órgãos públicos só podem aplicar recursos com
base nos orçamentos oficiais. “Não há como, sob o princípio da razoabilidade,
cogitar-se de uma carona no que é cobrado, seja em decisão criminal, seja em
acordos. Não consigo conceber que se tenha considerado que o órgão público
receba uma espécie de gorjeta”, declarou o ministro.
Nem na Polícia Federal, que poderia
ser beneficiada com mais repasses, há apoio à iniciativa, segundo o presidente
da associação dos delegados da corporação (ADPF), Carlos Eduardo Miguel
Sobral. “Vários órgãos têm competência concorrente para fechar acordo com
colaboradores de investigações. Não é razoável que nenhum deles seja
beneficiado pelo próprio acordo. Isso pode comprometer a imparcialidade e criar
competição por novas negociações. Esse pedágio é inconveniente, inoportuno e
contra o interesse público”, afirma.
O professor Mario Engler
Pinto Junior, coordenador do Mestrado Profissional da FGV Direito SP e
autor de artigos sobre acordos de leniência, aponta que nenhum outro órgão
competente – como a Comissão de Valores Mobiliários e o Cade (Conselho
Administrativo de Defesa Econômica) – fica com parcela do dinheiro recebido.
Quando a vítima dos desvios é um órgão do Estado, os valores devem ser
destinados exclusivamente ao caixa único do Tesouro, diz o professor.
“O Ministério Público tem feito um trabalho excepcional e merecidamente
deve ser apoiado pela sociedade e receber recursos que lhe permitem investigar.
Mas os gastos devem ser alocados pelas regras do orçamento público, dentro de
outras prioridades, como saúde e educação.”
O repasse do percentual é defendido
por representantes do MPF inclusive em reuniões no governo federal que estudam
um marco regulatório para os acordos de leniência. Um membro do governo Michel
Temer (PMDB), que falou à ConJur sob condição de anonimato,
entende que a regra pode ferir o princípio da impessoalidade ao permitir que
uma das partes interessadas fique com o dinheiro.
Troca de carroça
O procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, integrante da força-tarefa da “lava jato”, disse à Folha que órgãos de persecução “se beneficiariam muito do aporte de recursos para a aquisição de equipamentos e softwares sofisticados, essenciais em investigações modernas e eficientes”, defendeu. Ele entende que “o poder público anda em carroça, enquanto o crime organizado possui uma Ferrari.”
O procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, integrante da força-tarefa da “lava jato”, disse à Folha que órgãos de persecução “se beneficiariam muito do aporte de recursos para a aquisição de equipamentos e softwares sofisticados, essenciais em investigações modernas e eficientes”, defendeu. Ele entende que “o poder público anda em carroça, enquanto o crime organizado possui uma Ferrari.”
“Infelizmente certas ideias demoram para serem [sic] aceitas, mas
esperamos que a disposição da Lei de Combate à Lavagem de Dinheiro tenha vindo
para ficar”, escreveu Santos Lima por e-mail, com base em trecho que impõe
à União o dever de regulamentar a destinação de “bens, direitos e valores”
alvo de apreensão judicial e assegurar sua utilização “pelos órgãos
encarregados da prevenção, do combate, da ação penal e do julgamento” de crimes.
Já o ministro Teori
Zavascki, em sua decisão, afirmou que
o artigo 91, II, b, do Código Penal estabelece, como um dos efeitos da
condenação, “a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de
terceiro de boa-fé, do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que
constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso”. Para
o relator da “lava jato” no STF, a Petrobras é “sujeito passivo” dos crime,
tendo direito de receber valores desviados.
Proposta anterior
Em novembro de 2008, o Conselho Nacional do Ministério Público negou proposta de resolução que queria permitir cláusulas de prestação pecuniária em favor de determinados entes, inclusive públicos, em negociações de suspensão do processo, transação penal e termos de ajuste de conduta (TACs).
Em novembro de 2008, o Conselho Nacional do Ministério Público negou proposta de resolução que queria permitir cláusulas de prestação pecuniária em favor de determinados entes, inclusive públicos, em negociações de suspensão do processo, transação penal e termos de ajuste de conduta (TACs).
Na ocasião, o colegiado concluiu que isso seria uma forma de
controle administrativo sobre a atividade-fim, o que é proibido pela
Constituição Federal. “Destinação de recursos incluídos como condição para a
suspensão do processo, a transação penal e o ajuste de conduta só pode sofrer
restrição por lei penal, civil ou processual, com reserva de parlamento
federal”, diz a decisão.
Quando era conselheiro do
CNMP, Nicolao Dino afirmou que dificuldades de órgãos de investigação não
justificam cobrança.
Conforme o CNMP, há vários
precedentes na legislação brasileira e no Direito Comparado que indicam o
Estado como beneficiário direto das consequências do crime e de outros
atentados a interesses difusos. “A experiência nacional e estrangeira
demonstram que essa possibilidade não viabiliza a 'comercialização da
jurisdição penal'”, conclui.
Ao analisar um caso específico, naquele mesmo ano, o próprio CNMP já
havia proibido que a Promotoria de Ouro Fino (MG) incluísse como beneficiárias
entidades que tenham entre seus objetivos o apoio ao Poder Judiciário, ao
Ministério Público ou às Polícias Civil e Militar.
“Embora não se desconsiderem as dificuldades, em termos de estrutura
física e de pessoal, por que passam as instituições responsáveis pela
persecução penal, não se pode concordar com a circunstância de a proposta de
transação penal vir a se tornar mecanismo por meio do qual o Estado supra
carências materiais de que padece”, escreveu na época o então conselheiro
Nicolao Dino de Castro e Costa Neto, hoje vice-procurador-geral eleitoral e
ex-coordenador da Câmara do MPF de Combate à Corrupção (5ª CCR).
http://www.conjur.com.br/2016-jun-26/especialistas-criticam-tentativa-mpf-receber-percentual-leniencia
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