STF suspende eficácia da lei que autoriza uso da fosfoetanolamina
Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal
(STF) deferiu nesta quinta-feira (19) medida liminar na Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 5501 para suspender a eficácia da Lei 13.269/2016
e, por consequência, o uso da fosfoetanolamina sintética, conhecida como
“pílula do câncer”. A lei autoriza o uso da substância por pacientes
diagnosticados com neoplasia maligna.
A Associação Médica Brasileira (AMB), autora da ação, sustenta
que diante da ausência de testes da substância em seres humanos e de
desconhecimento acerca da eficácia do medicamento e dos efeitos colaterais, sua
liberação é incompatível com direitos constitucionais fundamentais como o
direito à saúde (artigos 6° e 196), o direito à segurança e à vida (artigo 5°,
caput), e o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1°, inciso III).
Voto do relator
“Ao suspender a exigibilidade de registro sanitário da
fosfoetanolamina sintética, o ato atacado discrepa das balizas constitucionais
concernentes ao dever estatal de reduzir o risco de doença e outros agravos à
saúde dos cidadãos”, disse o relator, ministro Marco Aurélio, em seu voto (leia a íntegra)
pelo deferimento da liminar para suspender a eficácia da lei até o julgamento
definitivo da ação.
O relator ressaltou que, ao dever do Estado de fornecer
medicamentos à população, contrapõe-se a responsabilidade constitucional de
zelar pela qualidade e segurança dos produtos em circulação. O Congresso
Nacional, para o ministro, ao permitir a distribuição de remédio sem o controle
prévio de viabilidade sanitária pela Anvisa, não cumpriu com o dever
constitucional de tutela da saúde da população. “O direito à saúde não será
plenamente concretizado sem que o Estado cumpra a obrigação de assegurar a
qualidade das drogas distribuídas aos indivíduos mediante rigoroso crivo
científico, apto a afastar desenganos, charlatanismos e efeitos prejudiciais ao
ser humano”.
Neste ponto, de acordo com o relator, há ofensa ao postulado da
separação de Poderes, uma vez que não cabe ao Congresso Nacional
viabilizar a distribuição de qualquer medicamento, mas sim, à Anvisa. O
ministro salienta que a aprovação do produto pela agencia é condição para
industrialização, comercialização e importação com fins comerciais, segundo o
artigo 12 da Lei 6.360/1976. “Ante a ausência do registro, a inadequação é
presumida”.
“É no mínimo temerária – e potencialmente danosa – a liberação
genérica do medicamento sem a realização dos estudos clínicos correspondentes,
em razão da ausência, até o momento, de elementos técnicos assertivos da
viabilidade da substância para o bem-estar do organismo humano. Salta aos
olhos, portanto, a presença dos requisitos para o implemento da medida acauteladora”,
concluiu o relator.
Primeiro a acompanhar o relator, o ministro Luís Roberto
Barroso entendeu que a autorização de uso da fosfoetanolamina sintética
anteriormente à realização de testes necessários para comprovar que o composto
seja seguro e eficaz coloca em risco a saúde, o bem-estar e a vida das pessoas,
“em clara afronta ao direito à saúde”. Segundo ele, também há, na hipótese,
violação à reserva de administração, uma vez que, ao autorizar o uso da
fosfoetanolamina sem cumprimento das exigências legais de realização de testes
clínicos e de registro sanitário, “o Poder Legislativo substitui o juízo
essencialmente técnico da Anvisa, por um juízo político, interferindo de forma
indevida em procedimento de natureza tipicamente administrativo”.
De acordo com o ministro Teori Zavascki, a atividade em questão
pertence ao Poder Executivo, por essa razão ele considerou relevante a alegação
de inconstitucionalidade. “É certo que o legislador pode disciplinar a matéria.
O Sistema Único de Saúde (SUS) atua nos termos da lei, todavia, não parece
constitucionalmente legítimo que o legislador, além de legislar, assuma para si
uma atividade tipicamente executiva”, disse o ministro, ao votar pela concessão
da liminar.
No mesmo sentido, votou o ministro Luiz Fux. Ele observou que a
utilização do composto pode apresentar um perigo inverso, uma vez que não há
uma aferição exata das consequências do uso dessa substância, com possível
violação ao direito à saúde e a uma vida digna. O ministro citou parecer da
Anvisa, segundo o qual, o uso da fosfoetanolamina pode favorecer o abandono de
tratamentos prescritos pela medicina tradicional, os quais podem beneficiar ou
curar a doença.
A ministra Cármen Lúcia também acompanhou o relator. De
acordo com ela, os médicos são unânimes no sentido de que há riscos na
utilização do composto e alegam que ainda não se conhecem os seus efeitos
colaterais. “Acho que a interpretação conforme a Constituição liberaria de
forma ampla e geral [o uso da substância] e sem os cuidados previstos pela
Resolução nº 38, da Anvisa, que estabelece como um dever da própria agência a
verificação de quais pacientes podem se submeter ao uso desse
medicamento”, ressaltou a ministra, ao acrescentar que a concessão da liminar é
“para que não se veja na pílula do câncer mais uma pílula de engano para quem
já está sofrendo com o desengano”.
O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, uniu-se à
maioria pelo deferimento da liminar. Segundo ele, permitir ao parlamento
legislar na área da farmacologia abre um precedente “extremamente perigoso”,
que coloca em risco a própria saúde da população. “Não me parece admissível que
hoje o Estado – sobretudo no campo tão sensível que é o campo da saúde,
que diz respeito à vida e à dignidade da pessoa – possa agir irracionalmente,
levando em conta razões de ordem metafísica ou fundado em suposições que não
tenham base em evidências científicas”, destacou.
Divergência
Para o ministro Edson Fachin, o primeiro a divergir da conclusão
do relator, na dimensão estrita do estágio terminal, a lei em questão é
aplicável quando não houver outras opções eficazes. “Em tais casos, pode o
Congresso Nacional, no exercício da sua competência privativa para regular o
funcionamento do Sistema Único de Saúde, reconhecer o direito de pacientes terminais
agirem, ainda que tendo que assumir riscos desconhecidos, em prol de um mínimo
de qualidade de vida”, afirmou.
Segundo Fachin, a Anvisa não detém competência privativa para
autorizar a comercialização de toda e qualquer substância. O ministro entende
que o Congresso pode autorizar a produção dispensando o registro em situações
excepcionais. O ministro votou pela concessão parcial do pedido, a fim de dar
interpretação conforme a Constituição Federal ao artigo 2º da Lei 13.269/2016 e
reconhecer o uso da fosfoetanolamina sintética por pacientes terminais.
A ministra Rosa Weber acompanhou a divergência, votando pela
concessão parcial da medida liminar, para conceder ao tema interpretação
conforme a Constituição, a fim de que fosse liberada a utilização do composto
nos casos de pacientes terminais. “Essa questão, em última análise, envolve
alguns casos nos quais será retirada a última esperança de quem tem tão pouca
esperança”, disse, ao acrescentar que, por vezes, uma esperança de cura leva a
resultados satisfatórios, pelo menos no que diz respeito à qualidade de vida.
O ministro Dias Toffoli também votou pela possibilidade de
permitir o acesso ao medicamento para os pacientes terminais. Conforme o
ministro, o mérito administrativo de segurança e eficácia, que é da Anvisa, não
pode ser invadido pelo Poder Judiciário. “Nós não temos competência para
avaliar se um medicamento é seguro ou eficaz”, avaliou o ministro.
Em seguida, da mesma forma, votou o ministro Gilmar Mendes. “Não
vejo aqui, como plausível, o argumento da violação da reserva de iniciativa e
nem a prerrogativa do Executivo para legislar sobre a matéria, tanto é que essa
legislação toda que hoje disciplina o SUS pode ser alvo de alteração por parte
do legislador ordinário, inclusive no que diz respeito à iniciativa”, destacou.
Ele considerou que o Supremo, ao suspender a norma questionada, pode estar
produzindo uma situação que vai estimular a judicialização da questão.
SP,EC/CR
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http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=317011
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