Juiz considera inconstitucional cotas em concurso público
A aplicação da lei de cotas raciais em concursos
públicos (Lei 12.990), que reserva 20% das vagas a candidatos que se
autodefinem pretos ou pardos, foi declarada inconstitucional pelo Tribunal
Regional do Trabalho (TRT) da Paraíba, no julgamento de um caso de nomeação
postergada pelo Banco do Brasil. De acordo com a sentença do juiz Adriano
Mesquita Dantas, a legislação viola três artigos da Constituição Federal (3º,
IV; 5º, caput; e 37, caput e II), além de contrariar os princípios da
razoabilidade e proporcionalidade. Segundo o advogado da causa, essa é a
primeira vez que um juiz declara a inconstitucionalidade da legislação, em
vigor desde 2014.
De acordo com a sentença, proferida nesta
segunda-feira (18/1), a cota no serviço público envolve valores e aspectos que
não foram debatidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), quando tratou da
constitucionalidade da reserva de vagas nas universidades públicas. Segundo
Dantas, naquele caso estava em jogo o direito humano e fundamental à educação,
o que não existe com relação ao emprego público.
“Não fosse assim, teria o Estado a obrigação [ou
pelo menos o compromisso] de disponibilizar cargos e empregos públicos para
todos os cidadãos, o que não é verdade, tanto que presenciamos nos últimos anos
um verdadeiro enxugamento [e racionalização] da máquina pública. Na verdade, o
provimento de cargos e empregos públicos mediante concurso não representa
política pública para promoção da igualdade, inclusão social ou mesmo
distribuição de renda. Além disso, a reserva de cotas para suprir eventual
dificuldade dos negros na aprovação em concurso público é medida inadequada, já
que a origem do problema é a educação”, analisou o magistrado da 8ª Vara do
Trabalho do Paraíba, que ainda acredita que, com as cotas nas universidades e
também no serviço público, os negros são duplamente beneficiados.
Dantas também defendeu o mérito do concurso e
acredita que a instituição de cotas impõe um tratamento discriminatório,
violando a regra da isonomia, sem falar que não suprirá o deficit de formação
imputado aos negros. “É fundamental o recrutamento dos mais capacitados,
independentemente de origem, raça, sexo, cor, idade, religião, orientação
sexual ou política, entre outras características pessoais”, afirma.
O magistrado ainda prevê que a lei de cotas permite
situações “esdrúxulas e irrazoáveis”, em razão da ausência de critérios
objetivos para a identificação dos negros, assim como de critérios relacionados
à ordem de classificação e, ainda, sem qualquer corte social. “Ora, o Brasil é
um país multirracial, de forma que a maioria da sociedade brasileira poderia se
beneficiar da reserva de cotas a partir da mera autodeclaração”.
A decisão foi tomada em julgamento referente ao
concurso do Banco do Brasil (edital 2/2014). Um candidato que passou na 15ª
posição (para a Microrregião 29 da Macrorreião 9) se sentiu prejudicado após
ter sua nomeação preterida pela convocação de outros 14 classificados, sendo 11
de ampla concorrência e três cotistas que, segundo o juiz, teriam se valido de
critério inconstitucional para tomar posse e passar na frente do candidato
(eles foram aprovados nas posições 25º, 26º e 27º).
Ainda segundo o processo, durante o prazo de
validade do concurso, houve nova seleção, o que gera automaticamente direito à
nomeação. Por essa razão, o juiz determinou a contratação do reclamante, sob
pena de multa diária de R$ 5.000. O BB não se posicionou até o fechamento da
reportagem.
Decisão histórica
De acordo com o advogado do caso e membro da
Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da OAB-DF, Max Kolbe, esse é o
primeiro caso onde um juiz declara a lei de cotas raciais em seleções públicas
inconstitucional. “Trata-se de uma decisão histórica. Apesar de o efeito valer
apenas para o caso em questão, o tema serve como reflexão para o país inteiro e
o julgamento certamente deve chegar até o Supremo Tribunal Federal”, analisa.
“O concurso em questão diferencia os candidatos de acordo com sua cor, como se
tal diferença demonstrasse desproporção de capacidade em realização de uma
prova escrita, o que certamente não ocorre. Isso porque, ao se basear na Lei nº
12.990/2014, que é inconstitucional, reserva 20% das vagas a candidatos pretos
e pardos, os quais, pela definição do IBGE correspondem a quase 100% dos
brasileiros, uma vez que a definição de pardos é bastante ampla
(miscigenados)”, completou o advogado.
Outro lado
Segundo o professor José Jorge de Carvalho,
pioneiro e criador do sistema de cotas na Universidade de Brasília (UnB), a lei
é válida e sua constitucionalidade foi sim assegurada pelo julgamento do STF,
com relação às cotas para universidades. “Esse julgamento não vai adiante.
Trata-se é uma reação racista de uma classe média que detinha as vagas e os
altos salários de concursos como um privilégio. O que o juiz acatou fere o
direito à igualdade resguardado pelo artigo 5º da Constituição. As cotas no serviço
público derivam da mesma luta no ensino superior”.
Leia também: Movimento negro fará protesto em todo país contra suspeitos de fraudar
cotas em concurso
Para exemplificar, Carvalho mencionou a luta de
Bhimrao Ramji Ambedkar, reformador social indiano que instituiu o sistema de
cotas em seu país, da escola ao serviço público, em 1948. “Antes, pessoas de
camadas sociais consideradas inferiores, como os dalits, viviam excluídos de
tudo. Ou seja, o pensamento é o mesmo, e o Estado tem que distribuir seus
recursos para todos com igualdade. No Brasil, o serviço público é tão branco
quanto as universidades. Para se ter uma idéia, cerca de 1% de juizes são
negros. Na própria UnB, que instituiu as cotas para alunos há mais de dez anos, menos de 2% dos professores se autodeclaram negros também”.
Apesar disso, o professor reconhece que a lei
precisa ser reformulada, já que a autodeclaração é passível de fraude. “Do
jeito que está hoje, a legislação é 100% livre para fraude. O que eu propus é
que seja aplicada uma autodeclaração confrontada, em que os candidatos se
submetam ao julgamento de uma comissão formada majoritariamente por negros.
Assim as fraudes seriam significativamente diminuídas”, concluiu.
Correio Braziliense
http://www.maispb.com.br/153198/juiz-da-pb-considera-inconstitucional-cotas-em-concurso-publico.html
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