DECISÃO - Abandono afetivo: Ministros recomendam cautela no julgamento
28/12/2015 - 09h00
Os ministros da Terceira Turma do
Superior Tribunal de Justiça recomendaram muita prudência aos magistrados de
todo o país quando forem julgar casos de abandono afetivo. O alerta foi dado ao
analisarem o recurso especial com o qual uma filha tentou, junto ao tribunal,
receber indenização do pai, porque considera que ele não cumpriu a obrigação
paterna de cuidado e de afeto, o que caracteriza o abandono afetivo. Ela
buscava a compensação econômica alegando ter sofrido danos morais com a
situação.
Ao negarem o recurso, os ministros
alertaram para a complexidade das relações familiares e que o reconhecimento do
dano moral por abandono afetivo é uma situação excepcionalíssima, por isso é
preciso prudência do julgador na análise dos requisitos necessários à
responsabilidade civil. Para os ministros, é preciso evitar que o Poder
Judiciário seja transformado numa indústria indenizatória.
A criança nasceu de um relacionamento
extraconjugal, e alegou que só foi registrada pelo pai aos 10 anos de idade,
após entrar na Justiça com uma ação de reconhecimento de paternidade. No
recurso ao STJ, ela alegou receber tratamento desigual em relação aos filhos do
casamento do pai e que ele raramente a visitava. Segundo ela, “o desprezo pela
sua existência lhe causou dor e sofrimento”, além de problemas como baixa
autoestima, depressão, fraco desempenho escolar e transtorno de déficit de
atenção.
O pai contestou as alegações. Disse
que até a filha completar 10 anos de idade, não sabia que era seu pai. Em sua
defesa, ele garantiu nunca ter se recusado a fazer o teste de DNA e que após o
resultado fez acordo na Justiça para o pagamento de pensão alimentícia e passou
a ter contato com a filha.
Para o homem, a indenização só seria
cabível se fosse comprovado que ele nunca quis reconhecer que é o pai da
menina, e na opinião dele, isso nunca aconteceu.
Previsão legal
O relator, ministro Moura Ribeiro,
reconheceu que a doutrina especializada, com base nos princípios da dignidade
da pessoa humana, da afetividade e da proteção integral da criança e do
adolescente, é quase unânime no sentido de reconhecer que a ausência do dever
legal de manter a convivência familiar pode causar danos a ponto de comprometer
o desenvolvimento pleno e saudável do filho, razão pela qual o pai omisso deve
indenizar o mal causado. Ele destacou, entretanto, a ausência de lei no Brasil
sobre o tema.
“Não há legislação específica no
nosso ordenamento jurídico tratando do tema abandono afetivo, mas existe uma
movimentação concreta nesse sentido. Recentemente, especificamente aos
2/10/2015, o Projeto de Lei do Senado Federal nº 700, de 2007, que propõe
alteração na Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), após
oito anos de tramitação, foi aprovado por aquela Casa Legislativa, e agora
seguiu para apreciação da Câmara do Deputados”, disse Moura Ribeiro.
Caso a proposta seja alterada,
explicou o ministro, o abandono afetivo passará realmente a ser previsto em
lei, mas, até lá, “recomenda-se que deve haver uma análise responsável e
prudente dos requisitos autorizadores da responsabilidade civil nos casos de
abandono afetivo, fazendo-se necessário examinar as circunstâncias do caso
concreto, a fim de se verificar se houve a quebra do dever jurídico de
convivência familiar”. Ou seja, é preciso provar que a conduta do pai trouxe
reais prejuízos à formação do indivíduo.
Nexo causal
No caso apreciado, apesar de o
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), responsável pela
apreciação das provas, reconhecer que o ideal seria um contato maior entre pai
e filha, a conclusão do colegiado foi de que a filha não conseguiu comprovar a
relação entre a conduta do pai e os danos por ela alegados.
“Esses elementos, de fato, demonstram
que o recorrido poderia ter falhado em alguns deveres inerentes à paternidade
responsável. No entanto, não se pode afirmar que houve um abandono completo da
filha ou desprezo por ela. Ele não descumpriu totalmente seu dever de cuidado,
pois existia algum contato e aproximação afetiva entre eles, e ela recebe dele
auxilio material que lhe proporciona acesso a educação e saúde”, disse Moura
Ribeiro.
O relator também destacou a ausência
de um laudo psicossocial que, em sua opinião, seria uma prova técnica
indispensável de que realmente houve omissão do pai e que isso provocou
abalos psicológicos à filha (nexo de casualidade). Os relatórios médicos e
escolares apresentados, segundo o ministro, em nenhum momento associaram os alegados
distúrbios emocionais da criança à ausência da figura paterna.
“Atento aos elementos constantes dos
autos e à orientação jurisprudencial desta Corte, não vislumbro a configuração
de nexo causal entre o alegado dano psicológico sofrido pela recorrente com a
suposta ausência do dever de cuidado do recorrido, pois não houve a
demonstração desse liame e, o dano, sozinho, não causa a responsabilidade
civil”, concluiu o ministro.
O número deste processo não é divulgado em razão de
segredo judicial.
http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/noticias/noticias/Abandono-afetivo:-Ministros-recomendam-cautela-no-julgamento
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