STF define limites para entrada da polícia em domicílio sem autorização judicial
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) conclui, na sessão
desta quinta-feira (5), o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 603616, com
repercussão geral reconhecida, e, por maioria de votos, firmou a tese de que “a
entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período
noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a
posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante
delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da
autoridade e de nulidade dos atos praticados”.
A tese deve ser observada pela demais instâncias do Poder
Judiciário e aplicadas aos processos suspensos (sobrestados) que aguardavam tal
definição. De acordo com o entendimento firmado, entre os crimes permanentes,
para efeito de aplicação da tese, estão o depósito ou porte de drogas, extorsão
mediante sequestro e cárcere privado, ou seja, situações que exigem ação
imediata da polícia.
O inciso XI do artigo 5º da Constituição Federal dispõe que “a
casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou
para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. No recurso
que serviu de paradigma para a fixação da tese, um cidadão questionava a
legalidade de sua condenação por tráfico de drogas, decorrente da invasão de
sua casa por autoridades policiais sem que houvesse mandado judicial de busca e
apreensão. Foram encontrados 8,5 kg de cocaína no veículo de sua propriedade,
estacionado na garagem. A polícia foi ao local por indicação do motorista de
caminhão que foi preso por transportar o restante da droga. De acordo com o
entendimento majoritário do Plenário, e nos termos do artigo 33 da Lei de Drogas
(Lei 11.343/2006), ter entorpecentes em depósito constitui crime permanente,
caracterizando, portanto, a condição de flagrante delito a que se refere o
dispositivo constitucional.
Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes afirmou que a busca e
apreensão domiciliar é claramente uma medida invasiva, mas de grande valia para
a repressão à prática de crimes e para investigação criminal. O ministro
admitiu que ocorrem abusos – tanto na tomada de decisão de entrada forçada
quanto na execução da medida – e reconheceu que as comunidades em situação de
vulnerabilidade social muitas vezes são vítimas de ingerências arbitrárias por
parte de autoridades policiais.
Embora reconheça que o desenvolvimento da jurisprudência sobre o
tema ocorrerá caso a caso, o relator afirmou que a fixação da tese é um avanço
para a concretização da garantia constitucional da inviolabilidade de
domicílio. “Com ela estar-se-á valorizando a proteção à residência, na medida
em que será exigida a justa causa, controlável a posteriori para a busca. No
que se refere à segurança jurídica para os agentes da Segurança Pública, ao
demonstrarem a justa causa para a medida, os policiais deixam de assumir o
risco de cometer o crime de invasão de domicílio, mesmo que a diligência venha
a fracassar”, afirmou. O ministro explicou que, eventualmente, o juiz poderá
considerar que a invasão do domicílio não foi justificada em elementos
suficientes, mas isso não poderá gerar a responsabilização do policial, salvo
em caso de abuso.
Dessa forma, o relator votou pelo desprovimento do recurso
interposto pelo condenado contra acordão do Tribunal de Justiça do Estado de
Rondônia (TJ-RO).
Divergência
O ministro Marco Aurélio divergiu do relator para dar provimento
ao recuso e absolver o condenado, por entender não caraterizado o crime
permanente, e também por discordar da tese. “O crime teve exaurimento quando um
dos corréus foi surpreendido conduzindo o veículo e portando a droga. Não se
trata de crime permanente”, entendeu o ministro.
“O que receio muito é que, a partir de uma simples suposição, se
coloque em segundo plano uma garantia constitucional, que é a inviolabilidade
do domicílio", afirmou. "O próprio juiz só pode determinar a busca e
apreensão durante o dia, mas o policial então pode – a partir da capacidade intuitiva
que tenha ou de uma indicação –, ao invés de recorrer à autoridade judiciária,
simplesmente arrombar a casa?”, indagou.
VP/FB
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