Por Sérgio Rodas
O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil,Marcus Vinicius
Furtado Coêlho , é um homem calmo até quando rebate críticas.
Mas a aceleração em sua fala normalmente pausada e um leve sorriso denunciam
que alguns ataques recentes a ele e à entidade que comanda — como os do presidente
da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do ministro do Supremo
Tribunal Federal Gilmar Mendes — o tiraram do sério.
A OAB — que fez 85 anos nesta
semana — vem sofrendo investidas públicas com frequência. As de Cunha e Mendes
foram as que ganharam mais destaque nos últimos tempos. Ambas motivadas pela
Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.650, na qual a Ordem pediu a
proibição do financiamento empresarial de campanhas eleitorais — algo que,
posteriormente, foi acatado pelo
STF, para desgosto do deputado e do ministro.
O peemedebista questionou a
credibilidade da instituição e uma pesquisa por ela encomendada ao Datafolha que apontou que
79% da população achava que as doações eleitorais estimulam a corrupção: “A
Ordem dos Advogados do Brasil é um cartel eleito por eleição indireta, que
movimenta bilhões sem fiscalização”, vociferou Cunha. Além disso, o parlamentar
já declarou que o Exame de Ordem é “um roubo” e tentou acabar com a prova.
Ao julgar a ADI 4.650, Mendes acusou a OAB
de ter sido manipulada pelo PT para defender a proibição do financiamento
empresarial de campanhas. Segundo ele, a entidade “se sai muito mal nesse papel
[de defender os interesses do PT]”, e perdeu a
relevância que tinha na época dos presidentes Raymundo Faoro e Caio Mário da
Silva Pereira.
Furtado Coêlho se recusou a entrar nesses confrontos públicos. A
razão disso, conforme contou à revista Consultor Jurídico em entrevista, é que a
“personalização” do debate não convém a um homem público, e não é uma forma
democrática de luta política.
Mas mesmo aqueles que a OAB representa vêm expondo seu
descontentamento com a instituição. Para alguns deles, a Ordem não tem sido
firme ao condenar violações a prerrogativas da profissão, algo evidenciado em
duas recentes medidas que visam esclarecer a origem de honorários: na convocação de
Beatriz Catta Preta, que defendia acusados na operação “lava jato”, para depor
na CPI da Petrobras, e na decisão do ministro Teori Zavascki que autorizou a
quebra dos sigilos fiscal e bancário de dois escritórios de advocacia.
O presidente da OAB se defendeu dessas críticas apontando que
elas se devem à falta de informação. E ele logo elencou as razões que tornariam
tais argumentos sem fundamento: No caso de Beatriz, a Ordem obteve decisão
do STF que dispensou a
advogada de comparecer à audiência no Congresso, disse. Já no da quebra de
sigilo, a entidade ingressou no processo, e foi elogiada pelos donos dos
escritórios atingidos pela decisão de Zavascki.
E a defesa das prerrogativas dos advogados, garante o presidente
da OAB, foi uma das marcas de sua gestão – que termina em 31 de janeiro de
2016. Outros destaques do mandato listados por ele foram a
criação do novoCódigo de Ética da
categoria, a possibilidade de escritórios aderirem ao Simples e a inclusão de
dispositivos favoráveis à classe no Novo Código de Processo Civil , como o que atribui natureza
alimentar aos honorários e o que determina que os prazos processuais só sejam
contados em dias úteis.
Apesar
de considerar seu período no comando da OAB um sucesso e garantir que não há
nada que faria diferente se voltasse no tempo, Furtado Coêlho deixou claro que
seguirá a tradição do Conselho Federal e não concorrerá à reeleição do cargo.
Assim, ele declarou à ConJur que, a partir de fevereiro do ano que
vem, voltará a direcionar suas energias para a sua banca, em Brasília, e para o
magistério. “Deste modo, irei fazer o que eu mais gosto, que é cuidar da
advocacia e da reflexão sobre a ciência jurídica.”
Leia a entrevista:
ConJur – A
OAB tem sido atacada publicamente com frequência nos últimos tempos. Entre os
ataques estão o do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ),
que disse que a entidade é um “cartel sem credibilidade”, e o do ministro do
Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que afirmou que a OAB vem deixando ser
manipulada pelo PT. Porque esse aumento nessas críticas? O senhor as considera
justas?
Marcus Vinicius Furtado
Coêlho – Contra
fatos não há argumentos. E qual fato que trago? Encomendamos uma pesquisa
Datafolha, que foi divulgada em julho deste ano, sobre a opinião da sociedade
brasileira acerca da atuação da OAB. Pois a pesquisa revelou que os brasileiros
têm a OAB hoje como a instituição da sociedade civil de maior credibilidade –
mais de 70% dos brasileiros entendem que a OAB é uma instituição de confiança.
Somando todas as instituições, a Ordem fica apenas atrás das Forças Armadas, e
muito acima dos sindicatos, do Judiciário, do Ministério Público... E com
a credibilidade dez vezes maior do que a do Congresso Nacional. E o que mais me
deixou feliz é que, na atual gestão, a credibilidade da OAB subiu 10%. Quanto
às críticas, eu sempre digo que não é produtivo um debate fulanizado ou
personalizado. As duas autoridades mencionadas na pergunta devem ter as suas
razões para fazer a crítica que bem entenderem. E entendo que não é papel do
presidente da Ordem trocar farpas públicas com estas personalidades, porque
qualquer autoridade deve ter educação, postura republicana, respeito às
instituições, então vou me portar deste modo. Se outras autoridades pensam e se
portam diferentemente neste quadro, cabe à sociedade brasileira julgar qual é a
posição mais adequada para um homem público – se uma postura concentrada no
debate de ideias, ou uma postura que fulaniza, que personaliza, o debate.
ConJur – Como o senhor vê as críticas?
Marcus Vinicius Furtado
Coêlho – Eu
prefiro dizer que as ideias devem brigar, e não as pessoas. Divergências de
ideias existem. A OAB defendeu o fim do financiamento empresarial a candidatos
de partidos políticos. A maioria do Supremo Tribunal Federal concordou com essa
tese. O ministro Gilmar Mendes discordou dessa decisão e ele tem completo
direto de discordar da tese. Eu jamais ficaria me sentido contrariado porque o
ministro discordou da tese. Isso é próprio da democracia, da pluralidade. Da
mesma forma, o presidente da Câmara não concordou com essa tese da OAB. Agora,
a Ordem tem essa posição, e a maioria do STF e da sociedade tem a mesma visão.
Por sinal, nessa mesma pesquisa Datafolha referida há pouco, quase 80% da
população brasileira disse ser a favor do fim do investimento de empresas em
candidatos e partidos. A Ordem atuou na causa entendendo que é inconstitucional
uma empresa definir quem são os eleitos porque se o Brasil acabou com o voto
censitário ou o voto de acordo com a renda no início da República, agora temos
que acabar com a campanha censitária,ou com o eleito censitário, pois só é
eleito no Brasil quem consegue milhões de reais em financiamento de campanha.
Isso porque a Ordem entende que esse é um dos grandes causadores das corrupções
eleitoral e administrativa no nosso país. Se é uma das causas de corrupção, nós
temos que fazer algo. E uma dessas medidas é acabar com essas campanhas
milionárias, hollywoodianas, que temos no Brasil. Nada justifica um marqueteiro
receber 70 milhões de reais para trabalhar alguns meses numa campanha
eleitoral.
ConJur – Mas também há diversas críticas vindas de advogados.
Segundo eles, a OAB está acovardada e deixando de fazer frente às críticas à
entidade e violações às prerrogativas de advogados. O que o senhor pensa dessas
críticas vindas de advogados?
Marcus Vinicius Furtado
Coêlho – Eu ouço
as críticas. É um direito constitucional de todos de falarem o que
bem entendem. Mas devo registrar que por onde eu tenho andado no Brasil, os
advogados têm me abraçado e me aplaudido pelas iniciativas da Ordem nessa
gestão no sentido de valorizar o advogado. Por exemplo, criamos no início dessa
gestão da OAB a procuradoria nacional de defesa das prerrogativas dos
advogados, que atendeu em menos de três anos mais de 18 mil casos de violações.
Estamos no Congresso Nacional envidando esforços para aprovar projetos de lei tornam
obrigatória a presença do advogado no inquérito e criminalizam a violação de
prerrogativas. O que todos da sociedade precisam ter em mente, inclusive um ou
outro colega advogado que pense diferente, é que a OAB não pode ser defensora
dos clientes dos advogados. A Ordem tem que ser defensora das prerrogativas dos
advogados. Então, não possui qualquer pertinência esse tipo de imputação.
ConJur – Uma das principais críticas desses advogados é que a
OAB não teria agido com firmeza tanto na convocação da Beatriz Catta Preta para
depoimento na CPI da Petrobras como na decisão do ministro Teori Zavascki de
quebrar o sigilo de escritórios para apurar origem de honorários. A atuação da
OAB foi insuficiente nesses casos?
Marcus Vinicius Furtado
Coêlho – Em
relação à advogada Beatriz Catta Preta, a atuação não só foi incisiva, como foi
vitoriosa. A advogada teve um habeas corpus concedido pelo STF transitado em
julgado. Ela não teve que ir a CPI. Ao invés de ser um exemplo de crítica à
atual gestão da OAB, esse caso deve ser visto como uma boa atuação da Ordem em
favor das prerrogativas dos advogados. Fomos ao Supremo, levamos a questão e
conseguimos a vitória, protegendo por completo o sigilo dos honorários dela.
Esse é um caso de pleno sucesso. Então, a divulgação desse caso é algo que a
atual gestão da OAB até agradece aos críticos, porque eles estão fazendo com
que seja relembrada uma ação de pleno êxito da defesa das prerrogativas dos
advogados. Em relação à outra quebra de sigilo, devo dizer aos colegas que ingressamos
nos autos do processo, já estivemos com o ministro relator, já apresentamos as
razões da advocacia. Os advogados que tiveram o sigilo quebrado estão
muito satisfeitos com a atuação da OAB, me mandaram elogios. A Ordem tem que
defender as prerrogativas dos advogados, mas não para fazer showmício ou para
expor a imagem dos colegas publicamente. Nós temos que fazer a defesa das
prerrogativas para proteger a classe e os colegas que estão tendo as
prerrogativas violadas. Eu reputo parte dessa crítica, primeiro por
desinformação, certamente, porque dentro de uma atuação com discrição talvez os
colegas que fizeram a crítica não tenham essa informação. E talvez também por
um conteúdo político eleitoral, estamos em um momento de eleições da OAB em
todo o país. Um ou outro comentário desse tipo pode ser movido com aquela
paixão dos debates políticos eleitorais. Nós temos trabalhado diuturnamente
pela defesa das prerrogativas dos advogados. Se você perguntar aos ministros do
STF, aos ministros do Superior Tribunal de Justiça, aos desembargadores, ao
Ministério Público Federal, aos delegados de polícia, às associações dos
delegados de polícia, qual o diálogo que tenho com eles, vão dizer que é quase
um diálogo total.
ConJur – Alguns também te criticam pessoalmente, dizendo que o
senhor se preocupou mais em ser nomeado ministro do STF ou do Executivo do
que com a advocacia. É uma crítica justa?
Marcus Vinicius Furtado
Coêlho – Em um
ofício que enviei a todos os conselheiros federais da Ordem 12 meses antes da
nomeação do ministro Luiz Edson Fachin deixei muito claro que não
renunciaria ao cargo de presidente da OAB. Além disso, fiz registrar em ata do
Conselho Federal - também antes da indicação do ministro Fachin – que eu não
renunciaria à presidência da Ordem. Alguém pode perguntar “e porque você não
aceitaria o cargo”? Eu não poderia dizer que não aceitaria um cargo para o qual
não fui convidado, isso é, no mínimo, falta de educação, ou falta de
diplomacia. O que eu poderia dizer é o que eu disse, que eu não renunciaria o
cargo de presidente da Ordem. Isso nunca esteve na minha cogitação pessoal.
Agora, não vou dizer para vocês que não é um orgulho para a classe dos
advogados ter o presidente da Ordem sendo sugerido para ocupar a vaga de
ministro do STF pelo presidente da corte [ministro Ricardo Lewandowski], como
foi o caso.Isso é absolutamente honroso para a classe dos advogados, e
demonstra que se entende que o Conselho Federal da Ordem possui uma grande
representatividade,e uma grande importância. Ocorre que não está no meu projeto
pessoal ocupar cargo público algum. Meu objetivo é retornar à minha advocacia e
ser advogado, a profissão que eu amei, que eu abracei. As pessoas precisam
entender que eu abracei com a maior honra deste país ocupar a cadeira que já foi
de Miguel Seabra Fagundes, Eduardo Seabra Fagundes, Márcio Thomaz Bastos, Caio
Mário da Silva Pereira, Raymundo Faoro, para ficar apenas nos presidentes que
não estão mais vivos. Para mim, não há honra maior do que esta. Não tenho mais
um outro desejo pessoal do ponto de vista de representação pública. Não vou me
filiar a partido político, não sou candidato a deputado, senador ou a
governador, não sou candidato a absolutamente nada. Eu tenho até esse
compromisso comigo mesmo e com a minha família, de após a presidência da Ordem,
cuidar do meu escritório de advocacia, dos meus clientes e da minha família,
além de ser membro honorário e vitalício da OAB nacional com a função de,
sempre que convocado pelo presidente de então, prestar o auxílio, participar da
gestão na medida que ele necessitar. Quero ser advogado, o que, para mim, é o
maior título. Cada ser humano tem seu desejo, sua paixão, sua vocação. A minha
é ser advogado. O que eu mais gosto de fazer, o que eu mais amo fazer na vida
pública é advogar, interpretar o Direito, analisar a ciência jurídica, proferir
palestras, dar aulas. Eu recebo essas críticas com o respeito de que todos têm
que ter as suas opiniões, mas eu durmo com a consciência tranquila de que não
sou nem nunca fui candidato a cargo nenhum.
ConJur – Como o senhor avalia a sua gestão na OAB? Do que mais
se orgulha e do que se arrepende de não ter conseguido realizar?
Marcus Vinicius Furtado
Coêlho – Nós nos
ocupamos de duas missões da Ordem. A primeira é defesa da valorização do
advogado, com o lema “advogado valorizado, cidadão respeitado”, que segue
aquela lógica de que, se de um lado você tem o Estado-acusador,
Estado-fiscalizador, Estado-cobrador-de-impostos, Estado-juiz, de outro lado
você tem o cidadão, a pessoa física e a pessoa jurídica, e, em seu favor, o
advogado. Diminuir a importância do advogado é diminuir a importância do
cidadão. Por isso, uma das mais belas normas do Direito Brasileiro é o artigo
6º do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994), que diz que o Estado não é superior
ao cidadão. Então, para fazer jus a isto, criamos a Procuradoria Nacional
de Prerrogativas, a ouvidoria dos honorários advocatícios, atuando como
assistentes dos advogados para os casos de aviltamento de honorários.
Aprovamos o novo Código de Processo Civil, que estabelece que os honorários
pertencem ao advogado, que possuem natureza alimentar, que o advogado recebe os
honorários proporcionais à parte que ele vence na demanda, não podendo haver a
compensação de vencido com o vencedor para fim de honorários, dizendo também
que o advogado pode receber tanto pela pessoa física quanto pela pessoa
jurídica.
O novo
código também impede que os honorários sejam fixados em valores irrisórios,
como acontece hoje, garante o tratamento igualitário do advogado da Fazenda
Pública e do particular em termos de honorários, e determina que os prazos só
corram em dias úteis. Além disso, obtivemos a Súmula Vinculante 47 do STF, que
diz que os honorários têm natureza alimentar e que o advogado pode recebe-los
em separado. Aprovamos nessa gestão a lei que inclui os advogados no Super
Simples. O que isso significa: que os advogados brasileiros, que recebem até um
determinado patamar [R$ 180 mil por ano], o que significa 80% da categoria, vão
pagar apenas 4,5% de tributos. É a menor carga tributária de todo o mundo. Além
disso, tivemos a aprovação do novo Código de Ética da advocacia, que atende a
necessidades dos nossos tempos. E também a defesa da qualidade do ensino
jurídico. O convênio da OAB com o MEC firmado início da nossa gestão parou com
o balcão de criação de cursos de direito, e batalhamos pelo fechamento de
cursos sem qualidade. Ainda, fizemos a defesa do Exame de Ordem, para que seja
rigoroso no sentido de exigir o mínimo de conhecimento jurídico para aquele que
defenda o cidadão possa fazê-lo de modo a não gerar prejuízos irreparáveis a
ele.
Quanto
à segunda missão da OAB, que é a de ser porta-voz constitucional do cidadão
brasileiro, em primeiro lugar, tivemos a declaração de inconstitucionalidade da
“PEC do calote dos precatórios” [PEC 74/2015]. E essa vitória é importante
porque o Congresso Nacional tinha aprovado uma PEC parcelando em cinco anos os
precatórios. Depois, aprovou outra PEC parcelando em dez anos. Veio uma
terceira PEC parcelando em 15 anos. A tendência estava sendo o Congresso, a
cada arrocho dos municípios e estados, parcelar em prazo maior o pagamento dos
precatórios. Então, a decisão do STF foi uma vitória preventiva. O Congresso
não pode mais aprovar parcelamentos de 20 anos, que teria sido a tendência. Sem
falar na prioridade que os idosos passaram a ter no recebimento e no fato de as
dívidas de precatórios passarem a ser corrigidas pela inflação, e não mais pela
Taxa Referencial. A segunda vitória foi a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013).
Após as manifestações de junho de 2013, nós vimos na OAB a necessidade de dar
vazão institucional às reivindicações da população. Então fomos ao Congresso e
exigimos a promulgação da Lei Anticorrupção, tanto que a OAB é mencionada
nos discursos dos senadores quando aprovaram a norma. Depois, o fim do voto
secreto para cassação de deputado e senador, que, também foi uma luta da Ordem.
Logo após, o fim do financiamento empresarial de partidos e candidatos em uma
ação movida pela OAB. Houve diversas vitórias em favor da cidadania
tributária, como a possibilidade de impetrar habeas data para a revelação
de informações do contribuintes. Recentemente, o fim das doações ocultas
eleitorais, conseguido no STF. E veja que os ministros [Edson] Fachin,
[Dias] Toffoli e [Ricardo] Lewandowski fizeram questão de, em seus
votos, elogiar o protagonismo da OAB. Fomos ao Supremo defender o direito ao
sigilo da fonte do jornalista e o direito dos biógrafos escreverem obras sem a
autorização dos biografados. Todas essas são medidas que a OAB move em favor da
sociedade, e isso explica a credibilidade que nós temos. Talvez essa minha
metodologia de gerir a OAB, sem crítica a quem quer que seja, é que talvez
tenha é chamado a atenção da diferença. Mas eu me recuso a ser um comentarista
de casos, porque isso viola o Código de Ética da advocacia. Além disso, não
poderia ficar dando palpites sobre casos cujos autos eu não li.
ConJur – Mas tem alguma coisa que o senhor se arrepende de não
ter conseguido fazer?
Marcus Vinicius Furtado
Coêlho – Todas as lutas foram travadas tendo
em vista o cumprimento da Constituição da República, o respeito ao Estatuto da
Advocacia, de tal modo que se pudesse realizar uma nova gestão, a realizaria
tal qual esta.
ConJur – Como o senhor avalia o estado da advocacia no Brasil
hoje?
Marcus Vinicius Furtado
Coêlho – A
advocacia brasileira está, do ponto de vista das prerrogativas, por incrível
que pareça, entre as melhores do mundo, embora muitos pensem de forma
contrária. Por exemplo, a norma que torna inviolável o escritório de advocacia,
que diz que o juiz não pode determinar busca e apreensão em escritório de
advocacia, só pode determinar se o advogado for investigado, existe
praticamente só no Brasil. Mas do ponto de vista do mercado, nós temos uma
dificuldade principalmente em termos de aviltamento dos honorários contratuais.
Advogados, principalmente os jovens, são contratados a valores ínfimos de
remuneração, e a OAB tem lutado contra isso. Nós temos agido para que o piso
salarial do jovem advogado seja cumprido. Criamos um novo Código de Ética da
advocacia com a obrigação do respeito à tabela de honorários das seccionais,
para valorizar os jovens advogados, e instituímos um plano nacional de
valorização do jovem advogado. Entendemos que esta deve ser uma preocupação
central da OAB, mas a Ordem tem 85 anos, e só neste ano foi aprovado o Plano
Nacional do Jovem Advogado. Agora, é uma dificuldade muito grande, temos que
atuar muito fortemente, dia após dia, para combater os contatos que aviltam os
honorários dos advogados. Essa é uma luta constante da Ordem. Eu compreendo que
o grande desafio de todos nós é concentrarmos esforços sobre a melhoria das
condições dos jovens advogados no Brasil.
ConJur – Nos recentes escândalos de corrupção, como o mensalão e
a operação “lava jato”, a imprensa e a população dão muito valor a
procuradores, membros da Polícia Federal e juízes, como Joaquim Barbosa e agora
Sergio Moro, mas não a advogados. O senhor acha que a advocacia está sendo mal
vista pela sociedade? Como o direito de defesa e a importância dele podem ser
melhor compreendidos pela sociedade?
Marcus Vinicius Furtado
Coêlho – Em
primeiro lugar, é preciso reafirmar que a defesa é tão ou mais importante que a
acusação para um processo justo. Ao mesmo tempo em que devemos ter respeito
à independência do juízes, do Ministério Público e da polícia, temos que
ter respeito também à independência profissional dos advogados, explicando
sempre que eles existem para fazer o contraponto, evitar injustiças, impedir
abusos. Deste modo, esclarecendo a sociedade haverá melhor compreensão sobre o
papel do advogado, que o advogado jamais pode ser confundido com seu cliente,
que ele apenas exerce a defesa das prerrogativas legais do seu cliente.
Portanto, o advogado não pode ser diminuído ou considerado menos importante do
que a acusação ou que os demais atores do processo. Essa é uma luta constante
deve ser uma preocupação permanente de todos nós que fazemos parte da OAB.
ConJur – No começo dessa gestão, o senhor afirmou à
ConJur que discutiria a questão da eleição direta para o Conselho Federal. Como
está essa proposta? O senhor acredita que seria desejável que houvesse eleições
diretas para o Conselho Federal?
Marcus Vinicius Furtado
Coêlho – Discutimos
essa matéria, e, como prometi, coloquei em pauta e me posicionei no Plenário do
Conselho Federal da OAB a favor da aprovação de plebiscito para as eleições
diretas. Mas a maioria dos conselheiros federais da entidade entendeu que não
era o momento de fazer esse tipo de inovação no sistema eleitoral da Ordem.
Alguns argumentos foram fundamentais para essa decisão da maioria. Primeiro, o
valor da campanha. Seria uma campanha com valor elevado, e isso apenas para
circular o Brasil inteiro, para mandar correspondências. O segundo aspecto foi
o fato de considerar que a atual eleição da OAB não é indireta. Eleição
indireta é quando os representantes de um poder elegem o chefe de outro poder.
No Brasil, havia eleição indireta quando o Legislativo elegia o chefe do
Executivo. A eleição do presidente da OAB é uma eleição congressual, ou seja, o
presidente do Conselho Federal é eleito pelos conselheiros federais da OAB,
assim como o presidente da Câmara é eleito pelos deputados, assim como
presidente do Senado é eleito pelos senadores, assim como o presidente da ONU é
eleito pelos presidentes dos países que estão na ONU.
ConJur – E como o senhor vê as eleições do Conselho Federal?
Quais serão os maiores desafios para o próximo presidente da OAB?
Marcus Vinicius Furtado
Coêlho – Uma
certeza é que eu não sou candidato a reeleição. Embora o estatuto me permita,
vou manter a tradição da OAB de não reeleição do presidente nacional. Desde a
década de 50, não houve nenhuma reeleição, e vou manter essa tradição saudável.
Agora, falar quem será o candidato à presidente neste momento poderia ser
interpretado como uma propaganda fora de época para um candidato A ou um
candidato B, e, como presidente da Ordem, tenho o dever e o compromisso de
respeitar as regras da instituição e não fazer nenhuma declaração que venha a,
de algum modo, interferir no resultado das eleições.
ConJur – Como o senhor enxerga o futuro da OAB?
Marcus Vinicius Furtado
Coêlho – A Ordem
tem tudo para continuar sendo a instituição mais confiável da sociedade civil
brasileira, a voz constitucional do cidadão, e a entidade que luta para a
valorização as prerrogativas da classe. Penso que o futuro da Ordem é manter o
atual direcionamento de não ser comentaristas de casos, mas protagonistas de
causas, de continuar com o equilíbrio de não se deixar ser usado pelos partidos
políticos, nem pelo governo, nem pela oposição. A credibilidade da nossa
instituição surge deste equilíbrio, desta posição da Ordem sempre em defesa do
Estado de Direito. E penso que a Ordem deverá continuar neste caminho, de não
ser uma entidade que surfa na palavra oportunista fácil, que não busca a
manchete fácil do jornal, mas que visa dar a opinião que seja a opinião juridicamente
correta, constitucionalmente adequada. Assim fazendo, a OAB continuará
trilhando o caminho de maturidade e credibilidade que ela possui hoje.
ConJur – E o seu futuro? O que o senhor vai fazer depois do dia
31 de janeiro de 2016, quando deixa o comando da OAB?
Marcus Vinicius Furtado
Coêlho – Vou
retornar plenamente ao meu escritório de advocacia em Brasília, que já está
estabelecido na capital há oito anos. Nestes três últimos anos, tive que me
dedicar bem menos ao escritório e ter dedicação quase exclusiva à OAB. A partir
de fevereiro do próximo ano, também retorno para as atividades acadêmicas.
Gosto de lecionar, dar palestras, estudar o Direito. Pretendo fazer nova
pós-graduação em Direito e, deste modo, fazer o que eu mais gosto, que é
profissionalmente cuidar da advocacia e da reflexão sobre a ciência jurídica.
Esse é o objetivo que eu tracei para mim e para a minha família.
Sérgio
Rodas é repórter da revista Consultor Jurídico .
Revista Consultor Jurídico , 22
de novembro de 2015, 8h33
http://www.conjur.com.br/2015-nov-22/entrevista-marcus-vinicius-furtado-coelho-presidente-oab
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