ARBÍTRIO SEM FUNDAMENTAÇÃO STJ - declara nula quebra de sigilo de e-mail por tempo superior a 10 anos
Além de fundamentada e de ser
uma medida extrema, só cabível quando outros meios de prova não forem
suficientes, a quebra de sigilo de comunicações deve obedecer ao princípio da
razoabilidade. Por isso, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça declarou nula uma
decisão que determinou a quebra de sigilo telemático que se estendia por mais
de dez anos, de janeiro de 2004 a junho de 2014.
O caso chegou ao STJ por meio de
Habeas Corpus impetrado pela defesa de um procurador acusado de
corrupção, falsidade ideológica e peculato. Representado pelos advogados Andrei
Zenkner Schmidt, Bruna Aspar Limae Tapir Rocha Neto,
ele recorreu contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul —
o caso é originário do TJ, pois a investigação envolve um procurador, que tem
prerrogativa de foro.
A decisão do TJ-RS atendeu a pedido do Ministério Público estadual.
O objetivo era ver “o conteúdo das comunicações” de duas contas de e-mail do
procurador, uma @mp.rs.gov.br e outra @hotmail.com. O MP pedia quebra de sigilo
“da caixa de entrada, da caixa de rascunho, da lixeira, eventuais encaminhados
ou recebidos em anexo e e-mails apagados, bem como os Ips, os logs, os dados
cadastrais do usuário da respectiva conta e a lista de contatos”. Também queria
que isso fosse enviado tanto para o juízo quanto para o endereço
guardiao@mprs.mp.br.
O MP também pedia grampo dos
telefones e e-mail do procurador, além de busca e apreensão em seus endereços.
O TJ gaúcho concordou com todos os pedidos, “nos exatos termos em que
postulados”. A defesa do procurador levou o caso ao Órgão Especial do TJ-RS,
mas lá ouviu que advogado que
aponta erros na condução de uma investigação “tem interesse no encobrimento da
criminalidade”.
Ao final do julgamento, um dos desembargadores elogiou o voto do
relator, que se mostrou um “foco de resistência” às “defesas dos maiores
criminosos deste país”.
Placar apertado
No STJ, a decisão se deu por três a dois. A relatora, ministro Maria Thereza de Assis Moura, e os ministros Sebastião Reis Junior e Nefi Cordeiro votaram pela concessão do Habeas Corpus. O ministro Rogério Schietti votou pela rejeição do HC e o ministro Ericson Maranho, desembargador convocado do TJ de São Paulo, pelo não conhecimento.
No STJ, a decisão se deu por três a dois. A relatora, ministro Maria Thereza de Assis Moura, e os ministros Sebastião Reis Junior e Nefi Cordeiro votaram pela concessão do Habeas Corpus. O ministro Rogério Schietti votou pela rejeição do HC e o ministro Ericson Maranho, desembargador convocado do TJ de São Paulo, pelo não conhecimento.
De acordo com o voto da ministra Maria Thereza, “para afastar a
arbitraridade” da jurisdição, as decisões devem sempre estar subordinadas à
necessidade e à proporcionalidade. E no caso, “não depurou qual o motivo” para
se decretar uma quebra de sigilo com alcance de dez anos ininterruptos. “Dessa
maneira, tenho por extrapolado o marco de razoabilidade.”
A ministra criticou a justificativa usada pelo MP gaúcho. É que a
acusação pediu o grampo telefônico e das comunicações eletrônicas do
investigado e usou a mesma justificativa para pedir a quebra de sigilo do
e-mail, por dez anos.
“Não se pode conceber que a determinação de interceptação telefônica já
pressuponha a quebra do sigilo também do correio eletrônico, pois há a
necessidade de se demonstrar a imprescindibilidade da extensão da constrição
inclusive para a modalidade de comunicação dada pelo e-mail, sempre delimitando
período temporal sob o manto do brocardo da proporcionalidade, evocando a
primazia do moderado, justo e racionalmente compreensivo, a expurgar excessos”,
escreveu.
Com fundamentação
Logo depois do voto da ministra Maria Thereza, o ministro Rogério Schietti pediu vista. E discordou da colega, por entender que a havia, sim, fundamentação “explícita e idônea” para os pedidos. De acordo com o ministro, a relatora descreveu um conjunto de fatos diferente do apresentado pelo MP gaúcho.
Logo depois do voto da ministra Maria Thereza, o ministro Rogério Schietti pediu vista. E discordou da colega, por entender que a havia, sim, fundamentação “explícita e idônea” para os pedidos. De acordo com o ministro, a relatora descreveu um conjunto de fatos diferente do apresentado pelo MP gaúcho.
A ministra Maria Thereza, de fato, desprezou as informações apresentadas
pelo MP-RS. Segundo ela, embora os MPs estaduais possam atuar no STJ, o
Ministério Público gaúcho não estava arrolado entre as partes do processo, e
por isso não poderia peticionar no HC.
Segundo Schietti, o voto do desembargador do TJ do Rio Grande do Sul faz
“expressa alusão” ao pedido de nove itens feito pelo MP local, “cada qual
contendo, em detalhes, os motivos pelos quais era indispensável a utilização de
outros meios para a obtenção de prova documental”.
“Forçoso concluir pela proporcionalidade da medida, haja vista que os
únicos dados que poderiam documentalmente comprovar crimes tão antigos, que se
prolongaram por tempo demasiado, eram os dados contemporâneos aos atos
ilícitos”, afirma Schietti. Depois, o ministro se disse preocupado com a
“possível obstrução a que o titular da ação penal produza prova sobre os fatos
que legitimamente investiga”.
Lido e relido
Depois do voto do ministro Schietti, quem pediu vista foi o ministro Sebastião Reis Júnior. E em seu voto, ele concordou com o argumento de que o pedido estava muito bem fundamentado e apresentava “indícios concretos de materialidade”. Mas ele não encontrou justificativa para que a quebra de sigilo se estenda durante dez anos.
Depois do voto do ministro Schietti, quem pediu vista foi o ministro Sebastião Reis Júnior. E em seu voto, ele concordou com o argumento de que o pedido estava muito bem fundamentado e apresentava “indícios concretos de materialidade”. Mas ele não encontrou justificativa para que a quebra de sigilo se estenda durante dez anos.
“Não vi — li e reli os pedidos formulados pelo Ministério Público
estadual e a decisão impugnada — nenhuma justificativa para esse lapso
temporal. Por que dez anos? Por que não cinco? Por que não três?”, apontou o
ministro. “Tal explicitação parece-me importante, até porque vários dos fatos
denunciados e em apuração são recentes, sendo desnecessário, aparentemente, que
a investigação retroaja a dez anos atrás.”
Inédito
Um dos advogados do procurador, Andrei Zenkner Schmidt, comemorou a decisão. Lembrou que o parecer da Subprocuradoria-Geral da República concordou com seu pedido, ao dizer que não havia justificativa para tamanha extensão da quebra de sigilo. No entendimento do advogado, a quebra de sigilo foi, na verdade, “invasão, devassa” na privacidade de seu cliente.
Um dos advogados do procurador, Andrei Zenkner Schmidt, comemorou a decisão. Lembrou que o parecer da Subprocuradoria-Geral da República concordou com seu pedido, ao dizer que não havia justificativa para tamanha extensão da quebra de sigilo. No entendimento do advogado, a quebra de sigilo foi, na verdade, “invasão, devassa” na privacidade de seu cliente.
“Em toda a minha atuação como advogado, jamais vi uma interceptação
telemática que retroagisse em 10 anos”, conta Zenkner, que já milita no Direito
Penal há mais de 20 anos.
“Que fique claro que o meu cliente não praticou crime algum. Teve contra
si diversas sindicâncias, todas elas arquivadas. Por causa disso, os fatos
apurados naquelas sindicâncias foram requentados numa investigação criminal.
Por isso o prazo do grampo telemático foi tão largo. Trata-se de uma tentativa
de instrumentalizar-se o processo penal para a obtenção de resultados não
alcançados administrativamente. O desfecho disso só poderia ser um:
arbítrio. Arbítrio reconhecido pelo STJ.”
Clique aqui para ler o
acórdão.
HC 315.220
HC 315.220
http://www.conjur.com.br/2015-out-10/stj-declara-nula-quebra-sigilo-mail-10-anos
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