Relator vota pela descriminalização do porte de drogas para consumo próprio
Quinta-feira, 20 de agosto de 2015
O ministro Gilmar
Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator do Recurso Extraordinário
(RE) 635659, com repercussão geral reconhecida, votou pela
inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), que
define como crime a porte de drogas para uso pessoal. Segundo o entendimento
adotado pelo ministro, a criminalização estigmatiza o usuário e compromete
medidas de prevenção e redução de danos. Destacou também que se trata de uma
punição desproporcional do usuário, ineficaz no combate às drogas, além de
infligir o direito constitucional à personalidade.
Em seu voto,
o relator declarou a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas sem
redução de texto, de forma a preservar a aplicação na esfera administrativa e
cível das sanções previstas para o usuário, como advertência, prestação de
serviços à comunidade e comparecimento em curso educativo. Segundo seu
entendimento, os efeitos não penais das disposições do artigo 28 devem
continuar em vigor como medida de transição, enquanto não se estabelecem novas
regras para a prevenção e combate ao uso de drogas.
O ministro ainda
estabeleceu que, nos casos de flagrante por tráfico de drogas, a fim de dar validade
à prisão preventiva, será necessária a apresentação imediata do autor à
presença do juiz. Essa medida seria necessária a fim de evitar que usuários
sejam presos preventivamente por tráfico sem provas suficientes, atribuindo ao
juiz a função de analisar as circunstâncias do ato e avaliar a configuração da
hipótese de uso ou de tráfico.
Em seu voto, o
ministro deu provimento ao recurso apresentado pela Defensoria Pública do
Estado de São Paulo e absolveu o réu por atipicidade da conduta. No caso, que
deverá servir de parâmetro para os demais processos sobre a matéria, trata-se
de um detento flagrado com a posse de três gramas de maconha.
Descriminalização e
legalização
O relator destacou
em seu voto que a descriminalização do uso não significa a legalização ou
liberalização da droga, que continua a ser repreendida por medidas legislativas
sem natureza penal, assentando que podem haver outras medidas adequadas para
lidar com o problema. Cita ainda diversos países que adotaram legislações que
optaram por não criminalizar o uso, havendo ainda casos em que a decisão foi
tomada pela Suprema Corte, como na Colômbia, em 1994, e na Argentina, em 2009.
Quanto à opção
tomada pelo legislador brasileiro na Lei 11.343/2006, que retirou do
ordenamento a previsão da pena de privação de liberdade, a manutenção do uso
como tipo penal acaba tendo ainda assim efeitos nocivos para o usuário e para a
política de drogas.
“Apesar do
abrandamento das consequências penais da posse de drogas para consumo pessoal,
a mera previsão da conduta como infração de natureza penal tem resultado em
crescente estigmatização, neutralizando, com isso, os objetivos expressamente
definidos no sistema nacional de políticas sobre drogas, em relação a usuários
e dependentes, em sintonia com políticas de redução de danos e prevenção de
riscos.”
Dano coletivo e
privado
Para declarar a
inconstitucionalidade da previsão do artigo 28 da lei, o ministro vê que a
norma possui vícios de desproporcionalidade, uma vez que dados indicam que em
países em que o consumo foi descriminalizado, não houve aumento significativo
do uso. Isso porque, entre os fatores que levam o indivíduo ao consumo de
drogas, a criminalização seria um fator de pouca relevância.
O uso de drogas, em
seu entendimento, é conduta que coloca em risco a pessoa do usuário, não
cabendo associar a ele o dano coletivo possivelmente causado à saúde e
segurança públicas. “Ainda que o usuário adquira as drogas mediante o contato
com o traficante, não se pode imputar a ele os malefícios coletivos decorrentes
da atividade ilícita. Esses efeitos estão muito afastados da conduta em si do
usuário. A ligação é excessivamente remota para atribuir a ela efeitos
criminais”, afirma.
Direito de
personalidade
Por fim, o ministro
entende que a criminalização acaba interferindo no direito de construção da
personalidade dos usuários, principalmente os jovens, mais sujeitos à rotulação
imposta pelo tipo penal, classificados como criminosos por uma conduta que, se
tanto, implica apenas autolesão.
“Tenho que a
criminalização da posse de drogas para uso pessoal é inconstitucional, por
atingir, em grau máximo e desnecessariamente, o direito ao desenvolvimento da
personalidade em suas várias manifestações, de forma, portanto, claramente
desproporcional”, afirma.
Ações do CNJ
O voto propôs
também que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) seja acionado para diligenciar,
em articulação com Tribunais de Justiça, Ministério da Justiça, Ministério da
Saúde e Conselho Nacional do Ministério Público os encaminhamentos necessários
à aplicação dos dispositivos do artigo 28 em procedimento cível. Também cabe ao
CNJ, segundo o relator, articular estratégias preventivas e de recuperação
de usuários com os serviços de prevenção. O CNJ também deve, em seis meses,
regulamentar, a apresentação imediata do preso em flagrante por tráfico ao
juiz, e apresentar relatórios semestrais com providências tomadas e resultados
obtidos.
FT/FB
Processos relacionados
RE 635659 |
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=298109
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