Judiciário pode impor realização de obras em presídios para garantir direitos fundamentais
O Plenário do
Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na sessão desta quinta-feira (13), que
o Poder Judiciário pode determinar que a Administração Pública realize obras ou
reformas emergenciais em presídios para garantir os direitos fundamentais dos
presos, como sua integridade física e moral. A decisão foi tomada no julgamento
do Recurso Extraordinário (RE) 592581, com repercussão geral, interposto pelo
Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) contra acórdão do Tribunal de
Justiça local (TJ-RS). A corte gaúcha entendeu que não caberia ao Poder
Judiciário adentrar em matéria reservada à Administração Pública.
Ação Civil Pública
Na origem, o
Ministério Público gaúcho ajuizou ação civil pública contra o Estado do Rio
Grande do Sul para que promovesse uma reforma geral no Albergue Estadual de
Uruguaiana. O juízo de primeira instância determinou a reforma do
estabelecimento, no prazo de seis meses. O estado recorreu ao TJ-RS, que
reformou a sentença por considerar que não cabe ao Judiciário determinar que o
Poder Executivo realize obras em estabelecimento prisional, “sob pena de
ingerência indevida em seara reservada à Administração”.
O MP recorreu ao
STF, alegando que os direitos fundamentais têm aplicabilidade imediata, e que
questões de ordem orçamentária não podem impedir a implementação de políticas
públicas que visem garanti-los. De acordo com o MP, a proteção e a promoção da
dignidade do ser humano norteiam todo ordenamento constitucional, e o estado
tem obrigação de conferir eficácia e efetividade ao artigo 5º, inciso XLIX, da
Constituição Federal, para dar condições minimamente dignas a quem se encontra
privado de liberdade.
Poder do Estado
O relator do caso,
ministro Ricardo Lewandowski, disse entender que o Poder Judiciário não pode se
omitir quando os órgãos competentes comprometem a eficácia dos direitos
fundamentais individuais e coletivos. “É chegada a hora de o Judiciário fazer
jus às elevadas competências que lhe foram outorgadas pela Constituição
Federal, assumindo o status de Poder do Estado, principalmente quando os demais
Poderes estão absolutamente omissos na questão dos presídios”, salientou.
Em seu voto, o
presidente da Corte fez um relato da situação das penitenciárias brasileiras,
que encarceram atualmente mais de 600 mil detentos, revelando situações
subumanas, violadoras do principio constitucional da dignidade da pessoa
humana, além de revoltas, conflitos, estupros e até homicídios, incluindo casos
de decapitação. No caso do Albergue de Uruguaiana, discutido no recurso em
julgamento, o presidente revelou que um preso chegou a morrer eletrocutado, em
consequência das péssimas condições do estabelecimento. O próprio TJ-RS,
lembrou o ministro, apesar de reformar a decisão do juiz de primeiro grau,
reconheceu a situação degradante dos presos.
Essa situação de
calamidade, disse o ministro, faz das penitenciárias brasileiras “verdadeiros
depósitos de pessoas”, impedindo a consecução da função ressocializadora da
pena, causando ainda uma exacerbação da sanção, pela aplicação de penas
adicionais, na forma de situações degradantes. “A sujeição dos presos às
condições até aqui descritas mostra, com clareza meridiana, que o estado os
está sujeitando a uma pena que ultrapassa a mera privação da liberdade prevista
na sentença, porquanto acresce a ela um sofrimento físico, psicológico e moral,
o qual, além de atentar contra toda a noção que se possa ter de respeito à
dignidade humana, retira da sanção qualquer potencial de ressocialização”,
afirmou. A intervenção do Judiciário, nesses casos, frisou o relator, também
tem a função de impedir esse excesso de execução.
Contrariamente ao
sustentado pelo TJ, o ministro disse entender que não é possível cogitar de
hipótese na qual o Judiciário estaria ingressando indevidamente em seara
reservada à Administração Pública. “No caso dos autos, está-se diante de clara
violação a direitos fundamentais, praticada pelo próprio Estado contra pessoas
sob sua guarda, cumprindo ao Judiciário, por dever constitucional,
oferecer-lhes a devida proteção”.
Separação de
Poderes
O presidente disse
ainda que não se pode falar em desrespeito ao princípio da separação do
Poderes, e citou o princípio da inafastabilidade da jurisdição, uma das
garantias basilares para efetivação dos direitos fundamentais. O dispositivo
constitucional (artigo 5º, inciso XXXV) diz que a lei não subtrairá à
apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito. Esse
postulado, conforme ressaltou, é um dos pilares do Estado Democrático de
Direito.
Fundos
Para o ministro,
não cabe também falar em falta de verbas, pois o Fundo Penitenciário Nacional
dispõe de verbas da ordem de R$ 2,3 bilhões, e para usá-los basta que os entes
federados apresentem projetos e firmem convênios para realizar obras. Mas, para
Lewandowski, não existe vontade para a implementação de políticas, seja na
esfera federal ou estadual, para enfrentar o problema.
Com isso, concluiu
que a chamada cláusula da reserva do possível também não pode ser usada como
argumento para tentar impedir a aplicação de decisões que determinem a
realização de obras emergenciais.
Unanimidade
O voto do relator,
no sentido de dar provimento ao recurso do MP-RS, foi seguido por todos os
ministros, que fizeram menções à péssima situação dos presídios brasileiros e
concordaram que o Ministério Público detém legitimidade para requerer em juízo
a implementação de políticas públicas pelo Poder Executivo para concretizar a
garantia de direitos fundamentais coletivos. Todos salientaram, ainda, que
compete ao Judiciário agir para garantir aos presos tratamento penitenciário
digno, como forma de preservar seus direitos fundamentais.
Tese
Também por
unanimidade, o Plenário acompanhou a proposta de tese de repercussão geral
apresentada pelo relator. “É lícito ao Judiciário impor à Administração Pública
obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras
emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado
da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua
integridade física e moral, nos termos do que preceitua o artigo 5º (inciso
XLIX) da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão o argumento da
reserva do possível nem o princípio da separação dos Poderes”.
Leia a íntegra do voto do relator.
MB/FB
Processos relacionados
RE 592581 |
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=297592
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