O risco dos atalhos no caminho para a universidade
ESPECIAL
O
ingresso precoce de estudantes na universidade tem gerado grande número de
processos judiciais. A Lei 9.394/96,
conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), estabelece a
conclusão do ensino médio como requisito para ingressar em curso superior, mas
são muitos os alunos que conseguem passar no vestibular antes disso e buscam o
Poder Judiciário para assegurar o direito à matrícula.
Mais
tarde, já durante a faculdade, a matrícula pode ser posta em xeque. Em
alguns casos, a aplicação da teoria do fato consumado socorre o estudante.
Outras vezes, a tentativa de chegar mais cedo ao diploma universitário acaba se
revelando uma grande frustração.
Recentemente,
a Universidade de Brasília (UnB) adotou uma medida polêmica ao exigir o
comprovante de conclusão do ensino médio no ato da inscrição para o vestibular.
Antes, a apresentação do diploma se dava somente no ato da matrícula.
De
acordo com a instituição, a regra foi adotada por recomendação do Ministério
Público do Distrito Federal para garantir o cumprimento da LDB. Afirmou, ainda,
ser uma tentativa de inibir a conclusão irregular do curso por meio de exames
supletivos.
Dados
da própria UnB apontam que 490 estudantes aprovados em vestibular antes da
conclusão do ensino médio regular entraram na universidade no segundo semestre
de 2014 por força de liminares judiciais. Isso representou 12% dos inscritos.
Os
estudantes fizeram um abaixo-assinado em que pediram à UnB que cancelasse a
nova regra. Segundo eles, a exigência não encontra respaldo na legislação, e
nenhuma outra universidade no Brasil cobra esse certificado para a participação
no certame.
O
documento afirma ainda que a exigência da UnB foi uma forma de burlar o Poder
Judiciário, que vinha dando decisões favoráveis a estudantes que passaram no
vestibular sem ter concluído o ensino médio.
Fato consumado
Nos
casos de aprovação em vestibular sem a conclusão do ensino médio, o Superior
Tribunal de Justiça (STJ), sempre que possível, vem aplicando a teoria do fato
consumado para evitar prejuízo aos estudantes.
Em
julho de 2007, um aluno passou no vestibular para o curso de engenharia
mecatrônica da Universidade Federal de Uberlândia, mas sua matrícula foi
recusada porque não havia concluído ainda o ensino médio, embora tivesse
frequência e notas suficientes para ser aprovado (REsp 1.244.991).
O
estudante impetrou mandado de segurança e, em segunda instância, conseguiu
liminar para assegurar a matrícula. Durante o processo, ele apresentou o
certificado, mas mesmo assim a sentença negou a segurança. O Tribunal Regional
Federal da 1ª Região (TRF1) reformou a decisão por entender possível a entrega
do documento no curso do processo judicial.
De
acordo com o tribunal, o candidato aprovado em regular processo seletivo para
ingresso no ensino superior deve ter assegurado o direito à matrícula se
apresentar o certificado de conclusão do nível médio antes de a sentença ser
proferida, como ocorreu no caso.
A
universidade recorreu ao STJ alegando ofensa à LDB. O recurso foi julgado em
2011. O STJ aplicou a teoria do fato consumado, visto que o aluno já havia
concluído o ensino médio, e a matrícula havia sido deferida pela universidade
em 2008 em virtude do acórdão do TRF1.
Idade mínima
O Ag 997.268 tratou do caso de um estudante
que havia passado no vestibular, mas não tinha a idade mínima de 18 anos para
fazer o exame supletivo e tirar o certificado de conclusão do ensino médio. O
ministro Herman Benjamin foi o relator do recurso, que discutia especificamente
os artigos 37 e 38 da LDB.
No
caso, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) concluiu que a exigência da idade
mínima de 18 anos para o supletivo de nível médio era razoável, pois esse exame
visa exclusivamente a dar oportunidade aos jovens e adultos atrasados nos
estudos, de modo que possam recuperar o tempo perdido. O ensino supletivo é
previsto pelo artigo 38, parágrafo 1º, da LDB.
Entretanto,
para o TJBA, se o estudante, mesmo em idade precoce e ainda por concluir o
ensino médio, presta vestibular e obtém sucesso, revela capacidade e maturidade
suficientes, razão pela qual foi concedida liminar para lhe garantir o direito
de realizar o exame supletivo.
Durante
o processo, o estudante atingiu a idade mínima exigida e preencheu o requisito
legal que lhe faltava, o que ensejou a aplicação da teoria do fato consumado.
“O retorno ao status quo ante se mostra contrário ao senso de
justiça quando, além de evidenciada a maturidade e a capacidade do estudante,
todos os requisitos exigidos foram cumpridos no curso da demanda”, decidiu o
TJBA.
Para
Herman Benjamin, o tribunal de origem, em consonância com o entendimento
firmado pelo STJ, acertou ao não reformar a sentença que havia concedido a
segurança ao estudante, porque “mediante liminar lhe foi deferido o direito de
realizar os exames supletivos do ensino médio e, durante o tramitar do feito,
veio a completar a idade mínima exigida”.
O
relator concluiu que, em hipóteses excepcionais como essa, é preciso fazer uma
ponderação entre a situação fática consolidada e os princípios jurídicos em
questão, para que “o estudante beneficiado com o provimento judicial favorável
não seja prejudicado pela posterior desconstituição da decisão que lhe conferiu
o direito pleiteado inicialmente”.
Aluno reprovado
A
teoria do fato consumado nem sempre pode ser aplicada, como ocorreu no
julgamento do REsp 1.394.719. O STJ negou pedido para que um
aluno, reprovado em três disciplinas do ensino médio, pudesse se valer da
aprovação em exame supletivo para ingressar na faculdade.
A
Segunda Turma entendeu que a idade mínima para o supletivo, em regra, deve ser
respeitada, e essa modalidade de ensino não se aplica a menores que queiram
burlar o processo educacional de modo a encurtar o caminho para a universidade.
O
aluno, à época menor de 18 anos, foi reprovado em biologia, física e português
e recorreu ao supletivo como forma de concluir o ensino médio.
Amparado
por liminar judicial, ele fez o exame mesmo sem a idade mínima. Foi aprovado e
se matriculou no curso de computação de uma universidade particular do Distrito
Federal, do qual chegou a cursar cinco semestres. No STJ, argumentou que seu
caso deveria ser julgado à luz da teoria do fato consumado.
Porém,
a Segunda Turma não entendeu dessa maneira. Para o relator, ministro Mauro
Campbell Marques, a permissão para que estudante menor de idade faça o exame
supletivo é medida excepcional, que só pode ser concedida em “raríssimos
casos”, quando ele comprova capacidade e maturidade intelectuais suficientes
para estar na universidade – o que não se pode dizer de quem é reprovado em
três disciplinas no ensino regular.
“Entender
de modo contrário é admitir que a reprovação no ensino regular de quem está na
idade legal adequada poderia ser ignorada e superada pelo supletivo, burlando o
sistema educacional”, afirmou o ministro.
Além
disso, para Campbell, mesmo que superado tal óbice, o tribunal de origem
concluiu que “não houve considerável decurso de tempo entre a data da concessão
do provimento liminar (fevereiro de 2011) e a produção da sentença (setembro de
2011) a ponto de consolidar situação fática”.
Segundo
o relator, a teoria do fato consumado só tem aplicação em casos muito
excepcionais, quando a morosidade do Judiciário faz com que determinada
situação jurídica decorrente de liminar se consolide de tal forma que sua
eventual desconstituição causaria grave prejuízo à parte.
Enem
Ao
julgar o RMS 43.629, a Segunda Turma negou a pretensão de
um estudante que não havia atingido a pontuação mínima exigida no Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem) para obter o certificado de conclusão. Ele
recorreu ao STJ contra decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul
(TJMS) que negou seu mandado de segurança.
O
estudante alegou ter direito líquido e certo à expedição do certificado de
conclusão do ensino médio, com base na teoria do fato consumado, já que,
aprovado em vestibular e apoiado em uma decisão liminar, estava cursando
pedagogia desde o início de 2013.
Ao
analisar o caso, o relator, ministro Humberto Martins, concluiu pela não
aplicação da teoria do fato consumado, uma vez que não houve o necessário
transcurso de longo prazo. O aluno ingressou na universidade no primeiro
semestre de 2013, e o recurso foi pautado para julgamento no início do segundo
semestre do mesmo ano.
Quanto
ao Enem, Humberto Martins destacou que o Estado de Mato Grosso do Sul editou
resolução para disciplinar a expedição de certificado do ensino médio, pelas
escolas credenciadas, aos participantes do Enem que solicitassem a certificação
no ato da inscrição, mas para isso o aluno teria de preencher alguns
requisitos, entre eles atingir o mínimo de 450 pontos em cada uma das áreas de
conhecimento do exame e 500 pontos na prova de redação.
Projetos
A
questão dos alunos que conseguem aprovação no vestibular antes da conclusão do
ensino médio também gera muito debate no Poder Legislativo.
Em
2013, a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados rejeitou o Projeto de Lei
6.834/10, do deputado Sebastião Bala Rocha (PDT-AP), que autorizava matrícula
em universidade aos estudantes que passassem no vestibular tendo concluído
apenas o segundo ano do ensino médio.
Pelo
projeto, eles poderiam cursar, simultaneamente, o primeiro ano da faculdade e o
último ano do ensino médio. A proposta alterava a LDB, que atualmente só
permite o ingresso nas universidades para os estudantes que concluíram o ensino
médio.
A
comissão concluiu que o projeto, aparentemente justo, geraria mais prejuízos do
que vantagens aos estudantes, já que ficariam sobrecarregados com duas jornadas
de estudos – o final do ensino médio e o começo da graduação.
O
projeto tramitava em conjunto com os PLs 2.157/11 e 4.870/12, sobre o mesmo
assunto, em caráter conclusivo. Como foram rejeitados na única comissão de
mérito, os projetos serão arquivados, a menos que haja recurso de, no mínimo,
53 deputados para levar a votação ao plenário.
Outros
dois projetos de lei sobre o tema ainda tramitam na Câmara.
O
PL 690/15, do deputado Beto Rosado (PP-RN), altera o artigo 44 da LDB para
admitir a matrícula em curso de graduação de estudante que, ainda cursando o
ensino médio, tenha sido aprovado em processo seletivo e obtido pontuação no
Enem que o habilite ao certificado de conclusão desse nível de ensino.
Já
o PL 1.298/15, do deputado Luciano Ducci (PSB-PR), acrescenta parágrafo ao
artigo 36 da LDB para disciplinar a concessão de certificado de conclusão do
ensino médio.
Se
aprovado, o projeto concederá o certificado para os alunos que,
independentemente da idade, tenham cursado pelo menos 50% da carga horária
correspondente ao terceiro ano do ensino médio e forem aprovados no vestibular
antes da conclusão do curso ou no Enem.
http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/noticias/noticias/O-risco-dos-atalhos-no-caminho-para-a-universidade
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