REs em causas de juizados especiais cíveis são admitidos apenas em situações excepcionais
O Plenário Virtual do Supremo
Tribunal Federal
(STF) definiu que os recursos extraordinários contra decisões de juizados
especiais cíveis estaduais só devem ser admitidos em situações extremamente
excepcionais, nas quais o requisito da repercussão geral estiver justificado
com indicação detalhada das circunstâncias concretas e dos dados objetivos que
evidenciem a relevância econômica, política, social ou jurídica da matéria em
discussão. O entendimento foi firmado no exame de três recursos extraordinários
com agravo (AREs) da relatoria do ministro Teori Zavascki, relativos a
controvérsias que envolvem responsabilidade pelo inadimplemento de obrigação em
contrato privado (ARE 835833), revisão contratual (ARE 837318) e indenização
decorrente de acidente
de trânsito (ARE
836819), que tiveram repercussão geral negada pelo STF.
“Como é da própria essência e natureza dos Juizados Especiais
Cíveis Estaduais previstos na Lei 9.099/1995, as causas de sua competência
decorrem de controvérsias fundadas em relações de direito privado,
revestidas de simplicidade fática e jurídica, ensejando pronta solução na
instância ordinária”, assinalou o ministro Teori. “Apenas excepcionalmente
essas causas são resolvidas mediante aplicação direta de preceitos
constitucionais e, mesmo quando isso ocorre, são incomuns e improváveis as
situações em que a questão constitucional debatida contenha requisito da
repercussão geral”.
O ARE 835833, por exemplo, teve início como ação de cobrança
ajuizada por um produtor rural de Cruz Alta (RS) contra uma indústria de laticínios e uma empresa agropecuária, pelo não pagamento da
venda de 5.310 litros de leite, no valor de R$ 3.397. O leite era vendido à
indústria, e esta o revendia à agropecuária.
O recurso ao STF foi apresentado pela agropecuária, que alegava
não fazer parte do negócio firmado entre o produtor e a indústria de
laticínios. No Supremo, a empresa sustentou ser “indiscutível a repercussão
geral do tema, diante de sua relevância política, social e jurídica”,
entendendo que o não reconhecimento de sua ilegitimidade para figurar na ação ofendeu o princípio da segurança jurídica.
No Plenário Virtual, no qual os ministros deliberam sobre a
existência ou não desse requisito para a admissão do recurso, o entendimento
foi de que não há matéria constitucional a ser debatida nem repercussão geral
no caso.
Juizados especiais
O relator do recurso, ministro Teori Zavascki, destacou que a
Lei 9.099/1995, que instituiu o Juizado Especial Cível no âmbito dos estados e
do Distrito Federal,
em substituição ao Juizado de Pequenas Causas, define sua competência com base em dois critérios: o valor da causa e
a matéria jurídica em discussão. Estão fora de seu escopo, por exemplo, causas
de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e
ainda as relativas a acidente de trabalho,
a resíduos e ao estado e capacidade de pessoas.
Cabe aos juizados, portanto, o julgamento de causas cíveis de
menor complexidade, cujo valor não exceda a 40 salários mínimos,
e de direito privado. As causas envolvendo pessoas de direito público são da competência dos Juizados
Especiais da Justiça Federal e da Fazenda Pública.
“É seguro afirmar que apenas excepcionalmente as causas
processadas perante os Juizados Especiais Cíveis Estaduais encontram solução
nos dispositivos da Constituição”, assinala o ministro. “E mesmo quando
tangenciam matéria constitucional, são extremamente incomuns e improváveis as
situações em que se pode visualizar a repercussão geral”.
O ministro observa que, apesar do elevado número de recursos
extraordinários provenientes de causas julgadas segundo o regime da Lei
9.099/1995, a repercussão geral foi reconhecida, até 2014, em apenas nove
casos, que dizem respeito a expurgos inflacionários, competência legislativa
sobre relação de consumo,responsabilidade civil de provedor de conteúdo na internet e aspectos processuais relativos ao
funcionamento dos juizados. “Não se pode eliminar por completo a possibilidade
de existir matéria constitucional dotada de repercussão geral, mas isso não
abala a constatação de que a quase totalidade dos milhares de recursos
extraordinários interpostos nessas causas não trata de matéria constitucional
com qualificado significado de repercussão geral a ensejar a manifestação do
STF”, afirma.
Por isso, o ministro firmou a tese de que, pela natureza dos
juizados especiais, é necessária a demonstração hábil a reverter a própria
essência das causas de sua competência, que é a de envolver relações de direito
privado de interesse particular e limitado às partes. “O caso dos autos é típico”, assinala. “Por mais
relevante e importante que a causa possa ser, e se supõe que o seja para as
pessoas nela envolvidas, é indispensável, para a funcionalidade e a
racionalidade do sistema judiciário, da sobrevivência dos juizados especiais e
da preservação do papel constitucional do STF que os atores do processo tenham
consciência de que causas assim não poderiam ser objeto de recurso
extraordinário”.
Portanto, caso o presidente de turma recursal, a quem cabe a admissão
do recurso extraordinário interposto nos juizados especiais cíveis, verificar a
inexistência de matéria constitucional diretamente debatida na causa ou
fundamentação insuficiente e genérica sobre a relevância e transcendência da
questão, deve desde logo inadmitir o recurso – decisão que, em função da
sistemática da repercussão geral, não pode ser objeto de impugnação no Supremo,
mas somente por meio de agravo interno no âmbito da própria turma recursal.
Repercussão geral
O instituto da repercussão geral está previsto na Constituição Federal,
no Código de Processo Civil (CPC) e no Regimento Interno do STF. Segundo o
artigo 543-A do CPC, o Supremo, em decisão irrecorrível, não conhecerá do
recurso extraordinário quando a questão constitucional nele tratada não
oferecer repercussão geral – ou seja, não tratar de questões relevantes que
ultrapassem os interesses subjetivos da causa. Uma vez negada a repercussão
geral, recursos que tratem sobre a matéria não subirão mais à apreciação da
Corte, devendo ser resolvidos nas instâncias de origem.
CF/AD//GTZ
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=288307
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