Vítimas do abuso de autoridade conseguem indenização por danos morais
ESPECIAL
A Lei
4.898/65, que pune o abuso de autoridade, completa 50 anos em
2015. Ela regula o direito de representação e o processo de responsabilidade
administrativa, civil e penal contra autoridades que cometem abusos no
exercício de suas funções.
O
extenso rol das condutas consideradas abusivas é apresentado nos artigos 3º e
4º da lei, que se aplica a qualquer pessoa que exerça cargo ou função pública,
de natureza civil ou militar.
O
Estatuto do Servidor (Lei 8.112/90) e a Lei de Improbidade
Administrativa (Lei 8.429/92) também constituem importantes
instrumentos para coibir práticas ilícitas por parte de agentes policiais e
demais servidores que abusam do poder conferido pelo cargo.
Nos
últimos três anos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou
diversos casos de abuso de autoridade cometido por policiais.
Prisão
ilegal
O
cidadão vítima de abuso de autoridade pode buscarindenização por dano
moral na Justiça. Foi o que aconteceu com um homem que participava de culto
religioso em um terreiro no estado do Maranhão. Por volta de 1h do dia 6 de
janeiro de 2008, três policiais militares o abordaram de forma truculenta,
questionando de quem era a bicicleta que usava.
Após
os policiais lhe darem voz de prisão sob a alegação de desacato, o homem foi
levado para a delegacia, onde passou a noite encarcerado. Às 7h, foi posto em
liberdade, mas sem a devolução de todos os seus pertences. Não foram devolvidos
a bicicleta, que era de sua filha, e R$ 20 que estavam em sua carteira.
Por
conta da conduta abusiva dos policiais, o homem ajuizou ação por danos morais e
materiais contra o estado do Maranhão. Em primeiro grau, a juíza concluiu
que havia comprovação de que a prisão foi ilegal, tendo em vista a falta do
auto de prisão e da instauração dos procedimentos previstos no Código de
Processo Penal. E prisão ilegal é abuso que deve ser indenizado.
O
estado do Maranhão foi condenado a pagar R$ 15 mil atítulo de
indenização por danos morais e R$ 339,73 por danos materiais. A apelação
foi rejeitada e a Segunda Turma do STJ negou todos os recursos do estado, que
ficou mesmo condenado a indenizar o cidadão preso ilegalmente (AREsp 419.524).
Prova dispensada
Abordagem
policial feita com excesso é abuso comum nas ruas e tema recorrente nos
tribunais. Segundo a jurisprudência do STJ, essa é uma situação de abuso de
autoridade que gera dano moral, sem a necessidade de comprovar prejuízo
concreto. A corte considera que os transtornos, a dor, o sofrimento, o
constrangimento e o vexame que a vítima experimenta dispensam qualquer outra
prova além do próprio fato (REsp 1.224.151).
Dentro
do possível, o valor da reparação deve ser capaz de compensar o dano sofrido e,
ao mesmo tempo, inibir a repetição da conduta. Para a Justiça, R$ 40 mil foi o
valor razoável para atender a esses propósitos no caso de um motorista que, ao
parar no semáforo, foi abordado por policiais militares do Ceará que o
retiraram do veículo puxando-o pela camisa. Os parentes que estavam com ele
também sofreram constrangimento.
Na
sentença, ao decidir pelo direito à indenização, o juiz afirmou que "a
ação abusiva, desastrosa e irresponsável por parte dos policiais militares
quando da abordagem ao autor, no dia 20 de março de 2002, está suficientemente
caracterizada e feriu gravemente a moral do promovente, ou seja, os valores
fundamentais inerentes à sua personalidade, intimidade, paz e tranquilidade”.
A
condenação nesses casos recai sobre o estado, em nome do qual atuavam os
servidores que cometeram o abuso; posteriormente, pode o estado ajuizar a
chamada ação regressiva contra os agentes, para que arquem com o prejuízo
causado aos cofres públicos.
Prisão preventiva
A
Primeira Turma decidiu em fevereiro de 2014, no julgamento do ARESp 182.241,
que a prisão preventiva e a subsequente sujeição à ação penal não
geram dano moral indenizável, ainda que posteriormente o réu seja absolvido por
falta de provas.
Em
caso dessa natureza, a responsabilidade do estado não é objetiva. Para haver
indenização, é preciso comprovar que os seus agentes (policiais, membros do
Ministério Público e juízes) agiram com abuso de autoridade.
Por
falta dessa demonstração, uma mulher que ficou 17 meses presa preventivamente e
depois foi absolvida por falta de provas não conseguiu ser indenizada.
Ajuda abusiva
A
autoridade que “quebra um galho” e deixa de cumprir a lei também comete abuso
passível de punição. Um agente da Polícia Federal foi demitido do cargo por
facilitar a entrada de mercadorias no país sem o pagamento do imposto
devido.
Ele
intercedeu junto à fiscalização aduaneira do Aeroporto Internacional de
Guarulhos para liberar as mercadorias de três pessoas, avaliadas, no total, em
quase R$ 500 mil.
Demitido
após processo administrativo disciplinar (PAD), recorreu ao STJ na tentativa de
anular a punição. Afirmou, entre outras coisas, que já respondia a ação de
improbidade administrativa pelos mesmos atos e que não poderia ter sido punido
com demissão em âmbito administrativo.
A
Primeira Turma manteve a demissão. Os ministrosconcluíram que não houve
nenhuma ilegalidade no processo. Além disso, o PAD e a ação de improbidade,
embora possam acarretar a perda do cargo, têm âmbitos distintos, diante da
independência entre as esferas criminal, civil e administrativa (MS 15.951).
Abuso do chefe
Policial
também é vítima de abuso de autoridade. Um policial rodoviário federal que
atuava no Rio Grande do Sul sofreu perseguição de seus superiores e
conseguiu indenização por dano moral.
Para
a Justiça, a perseguição e o prejuízo para o servidor ficaram comprovados. Em
2002, seu superior distribuiu memorando a outros chefes e seções informando que
havia colocado o servidor à disposição porque ele estaria causando
problemas de relacionamento com colegas.
Nenhuma
unidade no estado quis receber o policial, que nunca teve condenação em
prévio processo administrativo disciplinar. Ele acabou sendo removido para o
Rio de Janeiro, mas o ato foi anulado em mandado de segurança.
“Pelos
fatos incontroversos, depreende-se que a atuação estatal, materializada pela
remoção irregular, perseguições funcionais e prejuízos à honra e à reputação do
policial rodoviário federal, extrapolou efetivamente o mero aborrecimento,
sendo forçoso reconhecer a ocorrência de dano moral, visto que presentes os
requisitos daresponsabilidade civil: conduta ilícita, dano e nexo de
causalidade”, concluiu o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do recurso da
União que foi negado pela Quinta Turma do STJ (Ag 1.195.142).
Prazo para punir
A
Primeira Turma julgou o recurso (REsp 1.264.612) de um policial federal que, em
outubro de 2004, invadiu o local onde a faxineira de seu sogro estava
trabalhando, deu-lhe voz de prisão e algemou-a com o objetivo de forçá-la a
confessar o furto de uma filmadora. A ação civil pública por ato de improbidade
administrativa foi ajuizada pelo Ministério Público quase quatro anos depois do
fato, em maio de 2008.
A
questão jurídica discutida no caso foi o prazo da administração para punir o
servidor público. O relator, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, afirmou que a
pretensão da administração de apurar e punir irregularidades cometidas por seus
agentes – em conluio ou não com particulares – encontra limite temporal no
princípio da segurança jurídica, de hierarquia constitucional, porque os
administrados não podem ficar indefinidamente sujeitos à instabilidade do poder
sancionador do estado.
Por
essa razão, aplica-se o instituto da prescrição, que tem a finalidade de
extinguir o direito de ação em virtude do seu não exercício em determinado
prazo. O artigo 23, inciso II, da Lei de Improbidade Administrativa define que
as ações podem ser propostas dentro do prazo prescricional previsto em lei
específica para faltas disciplinares puníveis com demissão, que é de cinco
anos.
Já
o artigo 142, parágrafo 2º, do Estatuto do Servidor prevê para as infrações
disciplinares que também constituem crime os prazos de prescrição previstos na
lei penal – que, na época dos fatos, estabelecia dois anos para os crimes de
abuso de autoridade. Em 2010, com a alteração do inciso VI do artigo 109 do
Código Penal, o prazo passou a ser de três anos.
No
caso, a conduta do policial foi enquadrada na lei de improbidade, e não houve
recebimento de ação penal em razão de acordo feito com o Ministério Público, a
chamada transação penal. Como não havia ação penal em curso, a Primeira Turma
negou o pedido de aplicação do prazo prescricional do Código Penal e manteve o
de cinco anos.
http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/noticias/noticias/Destaques/V%C3%ADtimas-do-abuso-de-autoridade-conseguem-indeniza%C3%A7%C3%A3o-por-danos-morais#
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