PEC DA BENGALA
O retorno
do debate em torno da PEC da Bengala, como ficou conhecida a proposta de
emenda constitucional que amplia de 70 para 75 anos a idade limite para a
permanência de magistrados na ativa, está sendo alvo de polêmicas nos meios
político e jurídico.
O Projeto
de Emenda Constitucional (PEC - 475/2005), de autoria do senador
Pedro Simon (PMDB-RS), foi aprovado pelo Senado em 2005, mas está parada
aguardando a votação na Câmara dos Deputados há quase uma década. O texto
original prevê a ampliação do limite de idade somente aos membros de
tribunais superiores e do Tribunal de Contas da União (TCU), porém, os meios
jurídicos contemplam uma tendência de ampliação dos efeitos da PEC aos juízes e
desembargadores nos tribunais estaduais.
A matéria
é alvo de forte “lobby” das entidades de juízes que impediram a votação da PEC
da Bengala, considerada como um empecilho à oxigenação dos tribunais. O projeto
voltou à baila na tentativa de evitar a escolha de cinco novos ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF) pela presidente Dilma Rousseff nos próximos quatro
anos. Se nos termos da PEC se deliberar, o PT poderá encerrar o segundo mandato
de Dilma com a indicação de nove dos dez ministros da Corte em 16 anos no
poder.
Os
ministros do Supremo Tribunal Federal são escolhidos pelo Presidente
da República entre os cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos, de notável
saber jurídico e reputação ilibada. Depois de aprovada a escolha pela maioria
absoluta do Senado Federal, os indicados são nomeados ministros pelo Presidente
da República. O cargo é privativo de brasileiros natos e não tem mandato fixo:
o limite máximo é a aposentadoria compulsória, quando o ministro atinge os
setenta anos de idade.
O
presidente e o vice-presidente do STF são eleitos por seus pares, em votação
secreta, para um mandato de dois anos. A reeleição para um mandato consecutivo
não é permitida. O presidente do Supremo Tribunal Federal ocupa também o cargo
de presidente do CNJ. O presidente do STF é o quarto na linha de sucessão da
Presidência da República, sendo precedido pelo vice-presidente da República,
pelo presidente da Câmara dos Deputados e pelo presidente do Senado Federal.
Imperioso
refletir o que ensejou o constituinte estipular no Texto Constitucional que
as escolhas para compor a mais alta Corte do país dar-se-iam pelo
Chefe do Executivo para posterior aprovação pelo Senado Federal. Fomentou-se
uma perspectiva de controle das escolhas repartida entre as funções de poder,
nos termos da política dos freios e contrapesos, que de certo teve uma motivação
nobre em seu acolhimento, mas que cabe refletir se ainda coaduna-se com
efetividade ao tempo presente que se insere.
De certo
que, a maior parcela da magistratura é contrária ao aumento da idade-limite
para aposentadoria dos magistrados. A ampliação atrasaria a promoção dos
juízes e aumentaria o nível de insatisfação.
A grande
problemática revela-se no forte poder de persuasão que a política promove não
apenas em todo o processo de escolha do qual se discursa, mas na própria
atuação dos tribunais, em especial atenção o STF. Por vezes, as razões da
política ultrapassam as razões que a justiça visaria premiar, que o direito
deveria fazer prevalecer.
Tentando-se
vislumbrar uma hipotética situação a partir da confirmação da reeleição da
Presidente Dilma, que se fez por apertada margem de votos, caso venha a nomear
ministros mais jovens em seu novo mandato, o Supremo Tribunal Federal,
hoje já aparelhado pelo Partido dos Trabalhadores após doze anos de governo,
poderia impedir em caso de derrota do Partido dos Trabalhadores em 2018, que o
seu sucessor, de nova ideologia político-partidária, nomeasse novos ministros,
oxigenando ideias e limitando o estabelecido poder de um partido político nos
destinos da nação, ideologia que já não mais contaria com legitimidade a partir
de um escrutino que de reverberasse negativo.
Nota-se
ainda, outro argumento em desfavor da PEC da Bengala. Se o Congresso alterar a
idade-limite, a presidente Dilma Rousseff não fará nenhuma das cinco indicações
dos próximos quatro anos, mas seu sucessor continuará tendo de conviver com um
Supremo Tribunal Federal aparelhado, composto por ministros em sua absoluta
maioria indicados pelo PT. O sucessor de Dilma Rousseff poderia indicar apenas
dois ministros – os substitutos de Celso de Mello e Marco Aurélio Mello. Outros
oito ministros indicados pelo PT ainda comporiam o Tribunal.
Deixando de
lado motivos circunstanciais ou político-partidários, há ministros do STF
que concordam com o aumento da idade-limite, pois segundo eles isso aliviaria
as contas da previdência e permitiria que juízes experientes continuassem a
trabalhar (isso levando-se em conta a questão também para os desembargadores).
Porém, argumentam que a alteração deveria vir acompanhada de um adendo
necessário para promover a renovação nos tribunais. Assim, alguém que chegasse
ao topo da carreira só poderia lá permanecer por um período pré-determinado.
Particularmente
entendemos que, a questão deve ser fundamentada por sua essência criadora, seus
fundamentos constituintes. Os tribunais, em especial o Supremo Tribunal
Federal, em casuísticas oportunidades tem deixado de lado seu dever de prestar
a melhor jurisdição por restarem comprometidos por linhas
ideológico-partidárias que se formaram a partir das escolhas de seus membros
como um dever de fidelidade-retributiva que estes carregam.
Sabemos
que direito e política possuem compatibilidades e incompatibilidades. Quando as
incompatibilidades tornam-se fatos realizados ou realizáveis como se
compatíveis fossem, e em larga ou importante escala, é momento de se repensar
estruturalmente a questão.
Assim
que, defendemos como inapropriada por falência moral a atual forma de escolha
dos ministros do Supremo Tribunal Federal (neste momento não abordaremos a
questão dos desembargadores). Entendemos que, a política já alcançou seu grau
de saturação tendente a insuportabilidade, particularmente no STF. As razões
políticas não podem ditar o núcleo essencial das decisões tomadas pela Corte
Suprema em seus julgamentos quando tocam questões de interesses
político-partidários. A imparcialidade dos julgados, não neutralidade que não
se exige, não pode restar corrompida e o melhor direito amesquinhado à criação
de elucubrações tendenciosas com o fito de fundamentar decisões que chegam a
flertar com a teratologia. Sabemos que o direito nos permite construções capazes
de fundamentar que a “terra é quadrada”.
Este
continuísmo comprometido com certa ideologia político-partidária acabará por
amesquinhar o Supremo Tribunal Federal por seus ministros a um mero órgão
tendente a referendar as políticas de interesse da situação para o qual fora
nomeado para defender, em clara inversão de valores e distanciamento do escopo
normativo que o constituinte concebeu o procedimento de nomeação de novos
ministros.
Assim não
há outra forma que se revele com efetividade para que o trem descarrilado
retorne aos trilhos para os quais foram concebidos para servi-lo, que não
pensar em mandatos fixos de quatro anos para ministros com o escopo de oferecer
constante oxigenação às ideias já viciadas, coincidindo com a possibilidade de
entrada de nova ideologia legitimada nas urnas. Assim conseguiríamos conferir,
inclusive, maior legitimidade ao STF, por restarem indiretamente legitimados
seus membros em consonância com as escolhas derivadas do escrutínio político
realizado no país, se este for o caso, nos termos do que proporemos a seguir.
Entendemos, inobstante, pela possibilidade de reeleição por mais um mandato,
acompanhando a possibilidade de reeleição para Presidência da Repúbica, caso
assim deseje o membro, se por deliberação volte a ser escolhido em pleito
secreto (para que se revele livre e sem pressão política).
Sustentamos
ainda, pelos motivos aventados, pelo contínuo processo de despolitização das
escolhas, retirando o poder de escolha do Chefe do Executivo Federal
(Presidente da República), que muitas vezes desconhece os candidatos que lhe
são ofertados para escolha. Assim, as escolhas dar-se-iam pautadas por
candidatos preenchentes dos critérios objetivos traçados, de notório saber
jurídico e reputação ilibada, a partir dos títulos que o pleiteante a cadeira
de ministro já ostente, pelo grau de comprometimento moral de sua atuação
jurídico-profissional e pela efetiva colaboração ofertada ao mundo jurídico por
seus respeitáveis posicionamentos e préstimos ao direito construído até então.
O Senado continuaria referendando a escolha, promovendo os freio e contrapesos
da política de uma forma menos devastadora que a hoje praticada.
Como
novidade ainda, proporíamos a participação do CNJ (órgão administrativo mais
alto do Judiciário, mas sem poder jurisdicional) no processo. A função do CNJ é
a de controlar a atuação administrativa e financeira do Judiciário, assegurando
que os magistrados cumpram seus deveres. Assim, ganharia via PEC, nova
atribuição constitucional, a de referendar em primeiro a escolha.
Mas quem
faria a escolha? Como essa se daria? Esta seria a grande mudança.
Escolher-se-iam os novos ministros não mais o Presidente da República (escolha
político-monocrática), mas todos os membros que militam no judiciário, como
ocorrente com a eleição como se faz para escolha dos dirigentes da OAB. Assim,
advogados públicos e privados, juízes, promotores, enfim, todos que de certa
forma vivenciam a atuação do pleiteante a função de ministro do Supremo
Tribunal Federal. A escolha ainda assim teria sua porção política, esta faz
parte do Estado, mas teria sua força de concepção um tom mais rarefeito,
priorizando-se os critérios meritocráticos hoje subjugados.
Alcançar-se-ia
a máxima democratização do processo de escolha possível, a máxima legitimidade
aferível, de sorte que, a política partidário-ideológica cederia espaço
igualitário para todos que vivenciam o Judiciário por ofício.
O voto
aberto para todos os cidadãos restaria inviabilizado por motivos óbvios,
exatamente pelo desconhecimento mínimo da atuação dos pleiteantes a cadeira
ministerial em suas expertises profissionais e de melhores instrumentos de
avaliação.
Traçar-se-iam
os requisitos objetivos mínimos para as candidaturas e as escolhas acabariam
despartidarizadas, com uma carga política mais reduzida, bem mais razoável,
onde se afeririam prioritariamente critérios de meritocracia.
Em
apertada síntese, promover-se-ia esta substancial alteração do processo de
escolha dos ministros, retirando-se o excesso de politização destas escolhas
que acabam por interferir na própria qualidade da jurisdição constitucional,
sem que com isso se retire a política dos “cheks in balances” em sua porção
ideal, mas fornecendo com efetividade as nossas reais necessidades de mudanças.
A
possibilidade de se estabelecer o preenchimento das vagas por concurso público,
por alguns ventilada, também é uma alternativa, porém mais radical, quando
dever-se-ia limitar os candidatos aos requisitos constitucionais de idade
mínima, reputação ilibada e notório saber jurídico.
Em nome
da democracia, da moralidade e de uma jurisdição constitucional verdadeiramente
imparcial e mais oxigenada, encetada em um Estado Democrático de Direito,
evitando-se o robustecimento exagerado de um Estado Político a partir da
utilização prevalente de critérios de afinidade
político-ideológico-partidários, é neste formato que reverberaríamos nossas
propostas, e que deixamos para reflexão, ainda que perfunctória dos nobres
colegas. Este modelo proposto inibiria o influxo deletério da política na Maior
Corte do Judiciário do país, que recebeu o encargo constitucional de guardião
da Constituição e
que desse mister não pode descurar-se.
Professor constitucionalista
Professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante,
parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais
jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Direito Processual Civil, Direito
Empresarial e com MBA em Direito e Processo de Trabalho pela FGV. Autor de
algumas...
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