Ministro critica execução antecipada da pena e defende mudança na regra constitucional
DECISÃO
Toda
prisão imposta antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, se
não for concretamente fundamentada nos requisitos do artigo 312 do Código de
Processo Penal (que trata da prisão preventiva), caracteriza execução
antecipada da pena e é ilegal. Esse entendimento, consolidado na
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi reafirmado pelo
ministro Rogerio Schietti Cruz ao determinar que uma contadora do interior de
São Paulo seja colocada em liberdade.
Condenada
por apropriação indébita, a contadora ainda recorre no STJ e no Supremo
Tribunal Federal (STF) contra a pena de dois anos e 26 dias de
reclusão imposta pela Justiça paulista.
Ao
analisar habeas corpus impetrado pela defesa da contadora, Schietti constatou
que o Tribunal de Justiça de São Paulo, quando rejeitou o recurso de
apelação e confirmou a sentença, determinou a expedição do mandado de prisão
sem qualquer fundamentação, o que torna a medida ilegal.
Ele
classificou a atitude como “resistência estéril” à divisão de
competências do sistema judiciário, que atribui ao STJ e ao STF,
respectivamente, o papel de interpretar as leis federais e a Constituição.
Injustificável
O
magistrado recordou que desde 2010 o STF veda a execução provisória da pena –
isto é, antes do trânsito em julgado da condenação. Conforme o entendimento
daquela corte, a prisão após o julgamento da apelação significa “restrição do
direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de
aplicar a pena e o direito do acusado de elidir essa pretensão” (HC 84.078/STF).
Para Schietti,
“soa desarrazoado e injustificável que tribunais e juízes, anos após a
publicação desse acórdão – ao qual já se seguiram tantos outros, em igual
sentido – persistam na adoção de um entendimento que não se compatibiliza com a
interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal à Constituição da República no
que diz com a presunção de inocência”.
O
ministro acrescentou que o tribunal de segundo grau não está livre da
obrigação de expor motivação consistente para a prisão cautelar antes do
trânsito em julgado da condenação, ainda mais quando a sentença possibilitou
que o réu apelasse em liberdade, como no caso analisado.
Equilíbrio
Na decisão,
o ministro defendeu uma mudança no texto da Constituição Federal para que, sem
prejuízo do “núcleo essencial” da garantia da presunção de inocência, o
trânsito em julgado deixe de ser condição para o início da execução da pena.
A
Constituição de 88 definiu, em seu artigo 5º, inciso LVII, que “ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Com esse texto, afirmou Schietti, assegura-se a presunção de inocência até o
momento em que não cabe qualquer recurso contra a decisão condenatória
proferida por um juiz ou um tribunal. Mas – acrescentou – “poderia ser
diferente”.
De
acordo com o ministro, outros países preservam o princípio da presunção da
inocência, porém com redação diferente, sem referência à necessidade de
trânsito em julgado – por exemplo, estabelecendo que essa presunção vai
perdurar até prova em contrário.
Schietti
comentou que os recursos ao STJ ou ao STF adiam o trânsito em julgado, mas não
reabrem a discussão sobre matéria probatória, de modo que, “quando se julgar o
último recurso cabível perante a Justiça ordinária, o estado já terá comprovado
a culpa do réu, de acordo com o devido processo legal”.
Para
o ministro do STJ, não se poderia cogitar de abolir ou relativizar a presunção
de inocência, o que é vedado pela própria Constituição. “Mas, preservado o
núcleo essencial dessa garantia, não há razão para impedir que, ajustada sua
redação por reforma constitucional, seja alcançado o saudável e desejado
equilíbrio entre os interesses individuais e sociais que permeiam tanto a
persecução quanto a punição de autores de condutas criminosas”, disse ele.
No
entanto, concluiu, “enquanto essa reforma constitucional não ocorrer, somente o
trânsito em julgado da condenação autoriza o início da inflição de pena ao réu
condenado”.
Leia
a íntegra da decisão.
http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/noticias/noticias/Destaques/Ministro-critica-execu%C3%A7%C3%A3o-antecipada-da-pena-e-defende-mudan%C3%A7a-na-regra-constitucional
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