RETROSPECTIVA 2014 Neste ano, Direito de Família evoluiu com base nas novas relações de afeto
Por Álvaro Villaça Azevedo22 de dezembro de 2014, 7h10
O último ano destacou-se, no Direito de Família,
pelo maior sentido dado ao afeto. No Direito deFamília mais vale um sentimento puro do que o
registro. Assim, ganhou importância ao lado da paternidade biológica a afetiva.
Em
recente decisão, o Superior Tribunal
de Justiça concedeu direito de habitação à convivente, na união
estável, ante o falecimento de seu companheiro, mesmo em face da partilha do imóvel habitado entre
os filhos. Esse direito de residir era concedido tão somente ao cônjuge. Entre
muitas outras decisões prestigiando o afeto nas relações familiares, houve a
admissão de registro de maternidade socioafetiva, sem exclusão do nome da mãe
biológica do registro.
A
Justiça também vem facilitando o registro do recém-nascido em útero alheio —
conhecido como barriga de aluguel. Os pais vem conseguindo o registro de seus
filhos, em nome deles, sem o nome da gestante. Assim, a autorização judicial é
de construir na certidão de nascimento o nome de duas mães e um pai,
aplicando-se o conceito da multiparentalidade. O afeto vem prevalecendo em
muitas decisões em Direito de Família, mostrando que ele é basilar nas relações
familiares, como mostra de que o Direito é vida, é respeito, é dignidade aos
sentimentos humanos.
Vale
lembrar que a Constituição Federal de 1988, com dois artigos (226 e 227),
revolucionou o Direito de Família. Desde então, já se passaram mais de 25 anos.
Abriu-se a legislação e a jurisprudência para acolher as várias espécies de
família que vão surgindo na sociedade, a começar pelo concubinato puro, união
estável e o concubinato impuro, ora regido pela Súmula 380 do Supremo Tribunal
Federal. Eliminou-se a chefia unilateral da sociedade conjugal (masculina),
que, atualmente, tem a direção conjunta pelo homem e pela mulher, em
colaboração, sempre no interesse do casal e dos filhos.
A Carta admitiu o divórcio primeiramente, após prévia separação
judicial por mais de um ano, na forma da lei (divórcio indireto) ou após
comprovada separação de fato por mais de dois anos (divórcio direto),
independentemente de culpa. Essa norma repetiu-se no Código Civil de 2002. Introduziu-se, assim, na
Constituição o divortium bona gratia do Direito Romano, bastando, então a
ocorrência de dita separação de fato, para o divórcio direto. Atualmente, pela
PEC do Divórcio, e a partir de sua edição, em 13 de julho de 2010,
eliminaram-se todos os referidos prazos que constavam no parágrafo 6º, artigo
226 da Constituição. Qualquer dos cônjuges passou a poder exercer seu direito
potestativo de requerer o divórcio, independentemente de observância de qualquer
prazo. Isso sem se falar do divórcio requerido em Cartório, de comum acordo,
não havendo filhos menores ou incapazes, introduzido pela Lei 11.441, de 4 de
janeiro de 2007.
Também
pelo parágrafo 6º do artigo 227 da Constituição Federal igualaram-se os direitos
de todos os filhos, inclusive dos adotivos. A grande abertura do artigo 226 da
Constituição Federal foi o seu texto enunciativo, enumerando algumas famílias,
que vêm surgindo em nossa comunidade. Assim, outras formas de constituição de
família, entre as quais o casamento típico, a união estável e a entidade
familiar, podem ser incluídas nesse texto, sem necessidade de alteração
constitucional, como já aconteceu com o reconhecimento do casamento entre as
pessoas do mesmo sexo, admitido como casamento atípico pelo Superior Tribunal
de Justiça (casamento entre duas lésbicas). Essas novas formas podem ser
admitidas nesse texto constitucional, desde que lícitas e acolhidas em nossa
sociedade.
Outra
matéria que está se desenvolvendo é o casamento religioso autônomo, que entendo
deva existir ao lado do casamento religioso com efeitos civis, que, no meu
entender, é casamento civil. O casamento religioso, das várias religiões
existentes, encontra-se regulamentado por seu estatuto religioso próprio. O
casamento religioso autônomo que existiu a seu modo, há mais de três mil anos,
está sendo desprestigiado, desde a secularização do casamento civil, pelo
Decreto 181 de 1890, que passou a admitir, somente, o casamento civil típico.
Coisa é admitir-se que o casamento religioso é casamento, com celebração
oficial, diferentemente do que ocorre com a união estável, união concubinária
ou outra. Naquele, as partes sentem-se casadas, segundo o estatuto religioso
escolhido.
Em
2008, editou-se a Lei 11.698, que além de regular a guarda alternada, também o
fez quanto à guarda compartilhada, que faz nascer o dever de participação na
vida dos filhos, para que não se sintam abandonados. Já existem alguns julgados
na jurisprudência condenando pais que, friamente, pagam pensão alimentícia a
seus filhos sem o cumprimento do dever de visitação e de participação. São
condenações por dano moral.
Entretanto,
parece-me difícil obrigar os pais a amarem seus filhos, pois o amor não pode
originar de obrigação imposta por lei ou por decisão judicial. Contudo, devem
eles educar-se no sentido de formarem o melhor ambiente para seus filhos,
evitando sempre a alienação parental. Todos esses princípios e essas conquistas
do Direito de Família vêm sendo prestigiados pela jurisprudência até o presente
momento.
A
tendência, atualmente, é de retirada do Livro de Direito de Família
do Código Civil, para compor um novo Estatuto, que possibilite sua adaptação
constante como o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto doConsumidor (Código de Defesa do Consumidor), o
Estatuto do Idoso, entre outros. Entretanto pelo Direito Projetado à
criação do Estatuto da Família ele continua renitente a aceitar a realidade,
como se o legislador quisesse criar leis que não atendem à necessidade
social. De nada adiantará o surgimento do Estatuto da Família que mantenha as
regras do Código Civil. Esse não pode ser o propósito atual.
O Instituto dos Advogados de São Paulo — que criou a Comissão de
Direito da Família e das Sucessões, da qual sou presidente — tem feito de
tudo para pesquisar essas novas situações familiares, para informar os
tribunais brasileiros, até o Supremo Tribunal Federal, como amicus
curiae. Se o Estatuto do Direito de Família ou das Famílias
excluir alguma delas ou permanecer com regras desatualizadas, é melhor que
continue o Código Civil a regular a matéria.
Por
outro lado, há a tendência, por exemplo, de tornar obrigatória, em casos de
separação do casal ou de divórcio, a guarda compartilhada, que, na verdade, tem
existido como guarda sucessiva. A guarda compartilhada, no Brasil torna-se
quase impossível com a tendência demandista e a alienação parental que existe
entre os casais. Criar uma cultura por lei é muito difícil malgrado situações
que podem surgir como domicílios diversos dos cônjuges, em cidades diferentes,
com problemas econômicos e compromissos escolares de menores. Deve existir
uma campanha de fraternidade e de conciliação dos que se separam a demonstrar
que seus filhos merecem bom tratamento psicológico para resistirem às fraquezas
do mundo exterior.
http://www.conjur.com.br/2014-dez-22/retrospectiva-2014-direito-familia-evoluiu-novas-relacoes-afeto
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