Surpresas repugnantes: o dano moral decorrente de corpo estranho em alimentos
“Encontrei uma espécie de coágulo.
Não sei se era um pedaço de papelão ou mofo. Algo com a consistência de ameixa.
O suco que deveria ser branco estava esverdeado. Havia vários pontos mofados
dentro da caixa”, descreveu a auditora de trânsito Luciana Borges Marinho,
moradora de Águas Claras (DF), ao contar do corpo estranho que encontrou na
caixa do suco de soja que havia tomado.
Primeiro, sentiu nojo, raiva e
frustração. Depois, dor no estômago. O marido, que tinha tomado um copo
inteiro, ficou o dia todo com azia. Ela fotografou, divulgou na internet,
informou à vigilância sanitária e denunciou o caso para emissoras de TV, mas
nenhuma deu importância. Até pensou em mover uma ação. Foi a um laboratório
tentar fazer análise microbiológica, mas acabou desistindo quando soube que
precisava passar por consulta médica e realizar exame de sangue para confirmar
que tinha consumido o produto. Parou por aí.
Não é à toa que consumidores
preocupados com a saúde prefiram alimentos naturais a
industrializados. Situações como a que Luciana Marinho vivenciou têm se
repetido com frequência. E os riscos são grandes. Se um alimento contaminado
for ingerido, pode causar sérios prejuízos à saúde, inclusive a morte. Ainda
que nada disso ocorra, parte da doutrina jurídica e da jurisprudência dos
tribunais brasileiros considera que o sentimento de repugnância do consumidor
ao se deparar com algo estranho no alimento que pretendia consumir, por si só,
gera outro tipo de dano: o moral.
Dano
extrapatrimonial
“Verificada a ocorrência de defeito
no produto, inafastável é o dever do fornecedor de reparar também o dano
extrapatrimonial causado ao consumidor, fruto da exposição de sua saúde e
segurança a risco concreto”, disse a ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma
do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do recurso especial de
uma empresa de bebidas (REsp 1.454.255). Os ministros do
colegiado confirmaram a decisão da ministra e reconheceram a responsabilidade
da fornecedora pela sujeira encontrada no interior da garrafa de água mineral.
O artigo 12, parágrafo 1º, inciso II,
do Código de Defesa do Consumidor (CDC) dispõe que o produto é defeituoso
quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera – levando-se em
consideração o uso e os riscos razoavelmente esperados.
Com base nisso, Andrighi afirmou que
o corpo estranho encontrado na garrafa de água mineral tornou o produto
defeituoso, “na medida em que, na hipotética deglutição do corpo estranho, não
seria pequena a probabilidade de ocorrência de dano” à saúde física ou à integridade
psíquica do consumidor.
Quantificação do
dano
Diante de tantas demandas que chegam
ao Poder Judiciário, o STJ tem se posicionado de forma favorável ao consumidor.
Quanto ao valor da indenização, embora não existam critérios fixos para a
quantificação do dano moral, o tribunal tem afirmado que a reparação deve ser
suficiente para desestimular o ofensor a repetir a falta, sem, contudo,
permitir o enriquecimento ilícito do consumidor.
Essa foi a posição adotada pela
Terceira Turma em novembro de 2013. O ministro Sidnei Beneti (já aposentado)
manteve a condenação da Indústria de Torrone Nossa Senhora de Montevérgine ao
pagamento de R$ 10 mil por dano moral a consumidora que adquiriu e até comeu
parte de uma barra de cereais contendo larvas e ovos de inseto (AREsp 409.048).
Na decisão monocrática,
posteriormente confirmada pelo colegiado, Beneti tomou as circunstâncias do
caso e a condição econômica das partes como parâmetro para avaliar a
indenização fixada em segunda instância – a qual julgou ser proporcional ao
dano.
Em outra ocasião, Beneti considerou
adequado o valor correspondente a 50 salários mínimos para reparar o dano moral
sofrido por criança que feriu a boca ao comer linguiça em que havia um pedaço
de metal afiado (AREsp 107.948).
De acordo com o ministro, para
ponderar o valor da reparação do dano moral, devem ser consideradas as
circunstâncias do fato, as condições do ofensor e do ofendido, a forma e o tipo
de ofensa e as suas repercussões no mundo interior e exterior da vítima. Apesar
disso, “ainda que, objetivamente, os casos sejam bastante assemelhados, no
aspecto subjetivo são sempre diferentes”, comentou Beneti.
Responsabilidade
civil
A lei consumerista impõe
ao fornecedor o dever de evitar que a saúde e a segurança do consumidor sejam
colocadas em risco. A ministra Nancy Andrighi explica que o CDC tutela o dano
ainda em sua potencialidade, buscando prevenir sua ocorrência efetiva. Tanto é
que o artigo 8º se refere a riscos, e não a danos.
Caso esse dever não seja cumprido, o
fornecedor tem a obrigação de reparar o dano causado por defeitos decorrentes
de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação,
apresentação ou acondicionamento de seus produtos (artigo 12 do CDC). Essa
reparação não se limita ao aspecto material, ou seja, à devolução do valor pago
pelo produto.
O jurista Sergio Cavalieri Filho
afirma que o dano moral não mais se restringe a dor, tristeza e sofrimento.
Para ele, essa proteção jurídica se estende a todos os bens personalíssimos (Programa
de Responsabilidade Civil). No mesmo sentido, a jurisprudência do STJ tem
admitido a compensação do dano moral independentemente da demonstração de dor e
sofrimento.
O ministro Marco Buzzi, da Quarta
Turma, defende que esses sentimentos são consequência, e não causa determinante
da ofensa a algum dos aspectos da personalidade. Segundo ele, “a configuração
de dano moral deve ser concebida, em linhas gerais, como a violação a quaisquer
bens personalíssimos que irradiam da dignidade da pessoa humana, não se
afigurando relevante, para tal, a demonstração de dor ou sofrimento” (voto-vista no
REsp 1.376.449).
Coca-Cola
Em março de 2014, a Terceira Turma
manteve a condenação da Coca-Cola Indústrias Ltda. ao pagamento de 20 salários
mínimos de indenização a consumidora que encontrou um corpo estranho – descrito
por ela como algo semelhante a uma lagartixa – dentro da garrafa de refrigerante,
sem, contudo, ter consumido o produto. A perícia apontou que se tratava de um
tipo de bolor.
A maioria do colegiado entendeu que
mesmo não tendo ocorrido a abertura da embalagem e a ingestão do produto, a
existência do corpo estranho colocou em risco a saúde e integridade física ou
psíquica da consumidora (REsp 1.424.304).
Os ministros Sidnei Beneti e Paulo de
Tarso Sanseverino acompanharam o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi. “A
aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo
estranho, expondo o consumidor a risco concreto de lesão à sua saúde e
segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à
compensação por dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação
adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana”, defendeu Andrighi.
O entendimento, contudo, não está
pacificado no âmbito do Tribunal da Cidadania. Na ocasião, os ministros Villas
Bôas Cueva e João Otávio de Noronha divergiram da relatora, mas ficaram
vencidos. Para Noronha, não tendo sido aberta a garrafa e consumida a bebida, o
simples repúdio à situação causa desconforto, mas não dano moral – que, segundo
ele, pode ser definido como sofrimento, constrangimento enorme, e não qualquer
dissabor.
“Dissabores não dão azo a condenação
por dano moral. É preciso que a pessoa se sinta realmente ofendida,
realmente constrangida com profundidade no seu íntimo, e não que tenha um
simples mal-estar”, afirmou o ministro.
Em seu voto-vista, Villas
Bôas Cueva afirmou que a questão polêmica já foi objeto de várias discussões no
STJ, prevalecendo, segundo ele, a orientação no sentido de não reconhecer a
ocorrência de dano moral nas hipóteses em que o alimento contaminado não foi
efetivamente consumido.
A Quarta Turma, em decisão unânime,
já se manifestou de forma contrária em hipótese na qual não houve a ingestão do
produto. No julgamento do REsp 1.131.139, o
ministro Luis Felipe Salomão disse que a simples aquisição de um pacote de
bolachas do tipo água e sal contendo objeto metálico que o torna impróprio para
o consumo, sem que tenha havido a ingestão do produto, não acarreta dano moral
que justifique indenização.
Extrato de tomate
Uma dona de casa cozinhava para sua
família quando, ao utilizar um extrato de tomate, encontrou na lata um
preservativo masculino enrolado. Indignada, levou o produto para análise na universidade
local e entrou em contato com o fabricante, que se recusou a arcar com os
prejuízos morais sofridos por ela (REsp 1.317.611).
Diante da negativa da Unilever
Brasil, a consumidora buscou o Poder Judiciário. O juízo de primeiro grau fixou
a indenização por danos morais em R$ 10 mil. A sentença foi impugnada, mas o
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) manteve a decisão. Em seu
entendimento, o fabricante deveria ser responsabilizado pela violação do
princípio da segurança sanitária, pois a contaminação teria se dado “com grau
de sujidade máximo”.
No recurso especial, a Unilever
alegou a nulidade do processo devido ao indeferimento do pedido de prova
pericial. Com essa prova, a empresa pretendia demonstrar que o preservativo não
poderia ter sido inserido na fábrica e que, por essa razão, o dano experimentado
pelo consumidor decorreria de fato próprio ou de fato de terceiro.
Contudo, a ministra relatora
verificou que a prova tida como imprescindível foi indeferida de maneira
fundamentada pelo TJRS, para o qual a possibilidade de que o preservativo
estivesse no depósito dos ingredientes usados na fabricação do produto não
poderia ser afastada por meio da análise do processo mecânico de produção.
Quanto ao valor da indenização, os
ministros consideraram que não havia necessidade de revisão. Para tanto, tomaram
como base precedente no qual o dano moral foi fixado em R$ 15 mil para hipótese
em que o consumidor encontrou uma barata em lata de leite condensado. Trata-se
do REsp 1.239.060.
“O abalo causado a uma dona de casa
que encontra, num extrato de tomate que já utilizou para consumo de sua
família, um preservativo aberto é muito grande. É perfeitamente natural que,
diante da indignação sentida numa situação como essas, desperte-se no cidadão o
desejo de obter justiça”, comentou a ministra Nancy Andrighi.
Salgadinho
O fornecedor ou fabricante que causa
dano ao consumidor só se exime da responsabilidade quando consegue provar que
não colocou o produto no mercado, ou que, embora tenha colocado, este não
possui defeito que o torne impróprio para uso ou, ainda, que a culpa é
exclusiva do consumidor ou de terceiro (parágrafo 3º do artigo 12 do CDC). É
dele o ônus da prova, e não do consumidor.
“A previsão legal é sutil, mas de
extrema importância na prática processual”, ressaltou o ministro Paulo de Tarso
Sanseverino, da Terceira Turma, quando do julgamento doREsp 1.220.998.
No caso analisado, a empresa Pepsico
do Brasil foi condenada a pagar dez salários mínimos de indenização por danos
morais a consumidor que fraturou dois dentes porque mordeu uma peça metálica
que estava na embalagem de salgadinho da Elma Chips.
O Tribunal de Justiça de São Paulo
não afastou a responsabilidade objetiva da fabricante pelo acidente, já que ela
não conseguiu demonstrar as excludentes do parágrafo 3º do artigo 12 do CDC. No
STJ, a Pepsico buscou a inversão do ônus da prova e defendeu que o autor da
ação não teria demonstrado o fato constitutivo de seu direito.
“A peculiaridade da responsabilidade
pelo fato do produto (artigo 12), assim como ocorre na responsabilidade pelo
fato do serviço (artigo 14), é a previsão, no microssistema do CDC, de regra
específica acerca da distribuição do ônus da prova da inexistência de defeito”,
comentou Sanseverino. Com base nisso, a Turma negou provimento ao recurso
especial.
Em julgamento semelhante, a Quarta
Turma manteve a condenação da empresa Pan Produtos Alimentícios ao pagamento de
R$ 20 mil por danos morais a consumidor que encontrou três pedaços de borracha
em barra de chocolate parcialmente consumida. “A jurisprudência desta corte é
firme no sentido de reconhecer a possibilidade de lesão à honra subjetiva decorrente
da aquisição de alimentos e bebidas contendo corpo estranho”, afirmou o
relator, ministro Antonio Carlos Ferreira (AREsp 38.957).
Prazo de validade
Ainda que as relações comerciais
tenham o enfoque e a disciplina determinadas pelo Código de Defesa do
Consumidor, isso não afasta o requisito da existência de nexo de causalidade
para a configuração da responsabilidade civil. Com base nesse entendimento, a
Terceira Turma negou provimento ao recurso especial de consumidores que notaram
a presença de ovos e larvas de inseto em chocolate que já estava com a data de
validade vencida no momento do consumo (REsp 1.252.307).
Após ser citada, a empresa Kraft
Foods Brasil defendeu que a contaminação não ocorreu em suas instalações
industriais, porque o produto teria sido consumido fora do prazo de validade.
Com isso, segundo ela, rompeu-se o nexo causal.
O ministro Massami Uyeda (já aposentado),
que apresentou o voto vencedor, mencionou que o prazo de validade é resultado
de estudos técnicos, químicos e biológicos, para possibilitar ao mercado
consumidor a segurança de que, naquele prazo, o produto estará em plenas
condições de consumo.
“O fabricante, ao estabelecer prazo
de validade para consumo de seus produtos, atende aos comandos imperativos do
próprio Código de Defesa do Consumidor, especificamente, acerca da segurança do
produto, bem como da saúde dos consumidores”, ressaltou o ministro.
Para conhecer melhor a jurisprudência
do STJ sobre o tema, acesse a Pesquisa Pronta. Surpresas repugnantes: o dano moral decorrente de corpo
estranho em alimentos
“Encontrei uma espécie de coágulo.
Não sei se era um pedaço de papelão ou mofo. Algo com a consistência de ameixa.
O suco que deveria ser branco estava esverdeado. Havia vários pontos mofados
dentro da caixa”, descreveu a auditora de trânsito Luciana Borges Marinho,
moradora de Águas Claras (DF), ao contar do corpo estranho que encontrou na
caixa do suco de soja que havia tomado.
Primeiro, sentiu nojo, raiva e
frustração. Depois, dor no estômago. O marido, que tinha tomado um copo
inteiro, ficou o dia todo com azia. Ela fotografou, divulgou na internet,
informou à vigilância sanitária e denunciou o caso para emissoras de TV, mas
nenhuma deu importância. Até pensou em mover uma ação. Foi a um laboratório
tentar fazer análise microbiológica, mas acabou desistindo quando soube que
precisava passar por consulta médica e realizar exame de sangue para confirmar
que tinha consumido o produto. Parou por aí.
Não é à toa que consumidores
preocupados com a saúde prefiram alimentos naturais a
industrializados. Situações como a que Luciana Marinho vivenciou têm se
repetido com frequência. E os riscos são grandes. Se um alimento contaminado
for ingerido, pode causar sérios prejuízos à saúde, inclusive a morte. Ainda
que nada disso ocorra, parte da doutrina jurídica e da jurisprudência dos
tribunais brasileiros considera que o sentimento de repugnância do consumidor
ao se deparar com algo estranho no alimento que pretendia consumir, por si só,
gera outro tipo de dano: o moral.
Dano
extrapatrimonial
“Verificada a ocorrência de defeito
no produto, inafastável é o dever do fornecedor de reparar também o dano
extrapatrimonial causado ao consumidor, fruto da exposição de sua saúde e
segurança a risco concreto”, disse a ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma
do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do recurso especial de
uma empresa de bebidas (REsp 1.454.255). Os ministros do
colegiado confirmaram a decisão da ministra e reconheceram a responsabilidade
da fornecedora pela sujeira encontrada no interior da garrafa de água mineral.
O artigo 12, parágrafo 1º, inciso II,
do Código de Defesa do Consumidor (CDC) dispõe que o produto é defeituoso
quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera – levando-se em
consideração o uso e os riscos razoavelmente esperados.
Com base nisso, Andrighi afirmou que
o corpo estranho encontrado na garrafa de água mineral tornou o produto
defeituoso, “na medida em que, na hipotética deglutição do corpo estranho, não
seria pequena a probabilidade de ocorrência de dano” à saúde física ou à integridade
psíquica do consumidor.
Quantificação do
dano
Diante de tantas demandas que chegam
ao Poder Judiciário, o STJ tem se posicionado de forma favorável ao consumidor.
Quanto ao valor da indenização, embora não existam critérios fixos para a
quantificação do dano moral, o tribunal tem afirmado que a reparação deve ser
suficiente para desestimular o ofensor a repetir a falta, sem, contudo,
permitir o enriquecimento ilícito do consumidor.
Essa foi a posição adotada pela
Terceira Turma em novembro de 2013. O ministro Sidnei Beneti (já aposentado)
manteve a condenação da Indústria de Torrone Nossa Senhora de Montevérgine ao
pagamento de R$ 10 mil por dano moral a consumidora que adquiriu e até comeu
parte de uma barra de cereais contendo larvas e ovos de inseto (AREsp 409.048).
Na decisão monocrática,
posteriormente confirmada pelo colegiado, Beneti tomou as circunstâncias do
caso e a condição econômica das partes como parâmetro para avaliar a
indenização fixada em segunda instância – a qual julgou ser proporcional ao
dano.
Em outra ocasião, Beneti considerou
adequado o valor correspondente a 50 salários mínimos para reparar o dano moral
sofrido por criança que feriu a boca ao comer linguiça em que havia um pedaço
de metal afiado (AREsp 107.948).
De acordo com o ministro, para
ponderar o valor da reparação do dano moral, devem ser consideradas as
circunstâncias do fato, as condições do ofensor e do ofendido, a forma e o tipo
de ofensa e as suas repercussões no mundo interior e exterior da vítima. Apesar
disso, “ainda que, objetivamente, os casos sejam bastante assemelhados, no
aspecto subjetivo são sempre diferentes”, comentou Beneti.
Responsabilidade
civil
A lei consumerista impõe
ao fornecedor o dever de evitar que a saúde e a segurança do consumidor sejam
colocadas em risco. A ministra Nancy Andrighi explica que o CDC tutela o dano
ainda em sua potencialidade, buscando prevenir sua ocorrência efetiva. Tanto é
que o artigo 8º se refere a riscos, e não a danos.
Caso esse dever não seja cumprido, o
fornecedor tem a obrigação de reparar o dano causado por defeitos decorrentes
de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação,
apresentação ou acondicionamento de seus produtos (artigo 12 do CDC). Essa
reparação não se limita ao aspecto material, ou seja, à devolução do valor pago
pelo produto.
O jurista Sergio Cavalieri Filho
afirma que o dano moral não mais se restringe a dor, tristeza e sofrimento.
Para ele, essa proteção jurídica se estende a todos os bens personalíssimos (Programa
de Responsabilidade Civil). No mesmo sentido, a jurisprudência do STJ tem
admitido a compensação do dano moral independentemente da demonstração de dor e
sofrimento.
O ministro Marco Buzzi, da Quarta
Turma, defende que esses sentimentos são consequência, e não causa determinante
da ofensa a algum dos aspectos da personalidade. Segundo ele, “a configuração
de dano moral deve ser concebida, em linhas gerais, como a violação a quaisquer
bens personalíssimos que irradiam da dignidade da pessoa humana, não se
afigurando relevante, para tal, a demonstração de dor ou sofrimento” (voto-vista no
REsp 1.376.449).
Coca-Cola
Em março de 2014, a Terceira Turma
manteve a condenação da Coca-Cola Indústrias Ltda. ao pagamento de 20 salários
mínimos de indenização a consumidora que encontrou um corpo estranho – descrito
por ela como algo semelhante a uma lagartixa – dentro da garrafa de refrigerante,
sem, contudo, ter consumido o produto. A perícia apontou que se tratava de um
tipo de bolor.
A maioria do colegiado entendeu que
mesmo não tendo ocorrido a abertura da embalagem e a ingestão do produto, a
existência do corpo estranho colocou em risco a saúde e integridade física ou
psíquica da consumidora (REsp 1.424.304).
Os ministros Sidnei Beneti e Paulo de
Tarso Sanseverino acompanharam o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi. “A
aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo
estranho, expondo o consumidor a risco concreto de lesão à sua saúde e
segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à
compensação por dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação
adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana”, defendeu Andrighi.
O entendimento, contudo, não está
pacificado no âmbito do Tribunal da Cidadania. Na ocasião, os ministros Villas
Bôas Cueva e João Otávio de Noronha divergiram da relatora, mas ficaram
vencidos. Para Noronha, não tendo sido aberta a garrafa e consumida a bebida, o
simples repúdio à situação causa desconforto, mas não dano moral – que, segundo
ele, pode ser definido como sofrimento, constrangimento enorme, e não qualquer
dissabor.
“Dissabores não dão azo a condenação
por dano moral. É preciso que a pessoa se sinta realmente ofendida,
realmente constrangida com profundidade no seu íntimo, e não que tenha um
simples mal-estar”, afirmou o ministro.
Em seu voto-vista, Villas
Bôas Cueva afirmou que a questão polêmica já foi objeto de várias discussões no
STJ, prevalecendo, segundo ele, a orientação no sentido de não reconhecer a
ocorrência de dano moral nas hipóteses em que o alimento contaminado não foi
efetivamente consumido.
A Quarta Turma, em decisão unânime,
já se manifestou de forma contrária em hipótese na qual não houve a ingestão do
produto. No julgamento do REsp 1.131.139, o
ministro Luis Felipe Salomão disse que a simples aquisição de um pacote de
bolachas do tipo água e sal contendo objeto metálico que o torna impróprio para
o consumo, sem que tenha havido a ingestão do produto, não acarreta dano moral
que justifique indenização.
Extrato de tomate
Uma dona de casa cozinhava para sua
família quando, ao utilizar um extrato de tomate, encontrou na lata um
preservativo masculino enrolado. Indignada, levou o produto para análise na universidade
local e entrou em contato com o fabricante, que se recusou a arcar com os
prejuízos morais sofridos por ela (REsp 1.317.611).
Diante da negativa da Unilever
Brasil, a consumidora buscou o Poder Judiciário. O juízo de primeiro grau fixou
a indenização por danos morais em R$ 10 mil. A sentença foi impugnada, mas o
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) manteve a decisão. Em seu
entendimento, o fabricante deveria ser responsabilizado pela violação do
princípio da segurança sanitária, pois a contaminação teria se dado “com grau
de sujidade máximo”.
No recurso especial, a Unilever
alegou a nulidade do processo devido ao indeferimento do pedido de prova
pericial. Com essa prova, a empresa pretendia demonstrar que o preservativo não
poderia ter sido inserido na fábrica e que, por essa razão, o dano experimentado
pelo consumidor decorreria de fato próprio ou de fato de terceiro.
Contudo, a ministra relatora
verificou que a prova tida como imprescindível foi indeferida de maneira
fundamentada pelo TJRS, para o qual a possibilidade de que o preservativo
estivesse no depósito dos ingredientes usados na fabricação do produto não
poderia ser afastada por meio da análise do processo mecânico de produção.
Quanto ao valor da indenização, os
ministros consideraram que não havia necessidade de revisão. Para tanto, tomaram
como base precedente no qual o dano moral foi fixado em R$ 15 mil para hipótese
em que o consumidor encontrou uma barata em lata de leite condensado. Trata-se
do REsp 1.239.060.
“O abalo causado a uma dona de casa
que encontra, num extrato de tomate que já utilizou para consumo de sua
família, um preservativo aberto é muito grande. É perfeitamente natural que,
diante da indignação sentida numa situação como essas, desperte-se no cidadão o
desejo de obter justiça”, comentou a ministra Nancy Andrighi.
Salgadinho
O fornecedor ou fabricante que causa
dano ao consumidor só se exime da responsabilidade quando consegue provar que
não colocou o produto no mercado, ou que, embora tenha colocado, este não
possui defeito que o torne impróprio para uso ou, ainda, que a culpa é
exclusiva do consumidor ou de terceiro (parágrafo 3º do artigo 12 do CDC). É
dele o ônus da prova, e não do consumidor.
“A previsão legal é sutil, mas de
extrema importância na prática processual”, ressaltou o ministro Paulo de Tarso
Sanseverino, da Terceira Turma, quando do julgamento doREsp 1.220.998.
No caso analisado, a empresa Pepsico
do Brasil foi condenada a pagar dez salários mínimos de indenização por danos
morais a consumidor que fraturou dois dentes porque mordeu uma peça metálica
que estava na embalagem de salgadinho da Elma Chips.
O Tribunal de Justiça de São Paulo
não afastou a responsabilidade objetiva da fabricante pelo acidente, já que ela
não conseguiu demonstrar as excludentes do parágrafo 3º do artigo 12 do CDC. No
STJ, a Pepsico buscou a inversão do ônus da prova e defendeu que o autor da
ação não teria demonstrado o fato constitutivo de seu direito.
“A peculiaridade da responsabilidade
pelo fato do produto (artigo 12), assim como ocorre na responsabilidade pelo
fato do serviço (artigo 14), é a previsão, no microssistema do CDC, de regra
específica acerca da distribuição do ônus da prova da inexistência de defeito”,
comentou Sanseverino. Com base nisso, a Turma negou provimento ao recurso
especial.
Em julgamento semelhante, a Quarta
Turma manteve a condenação da empresa Pan Produtos Alimentícios ao pagamento de
R$ 20 mil por danos morais a consumidor que encontrou três pedaços de borracha
em barra de chocolate parcialmente consumida. “A jurisprudência desta corte é
firme no sentido de reconhecer a possibilidade de lesão à honra subjetiva decorrente
da aquisição de alimentos e bebidas contendo corpo estranho”, afirmou o
relator, ministro Antonio Carlos Ferreira (AREsp 38.957).
Prazo de validade
Ainda que as relações comerciais
tenham o enfoque e a disciplina determinadas pelo Código de Defesa do
Consumidor, isso não afasta o requisito da existência de nexo de causalidade
para a configuração da responsabilidade civil. Com base nesse entendimento, a
Terceira Turma negou provimento ao recurso especial de consumidores que notaram
a presença de ovos e larvas de inseto em chocolate que já estava com a data de
validade vencida no momento do consumo (REsp 1.252.307).
Após ser citada, a empresa Kraft
Foods Brasil defendeu que a contaminação não ocorreu em suas instalações
industriais, porque o produto teria sido consumido fora do prazo de validade.
Com isso, segundo ela, rompeu-se o nexo causal.
O ministro Massami Uyeda (já aposentado),
que apresentou o voto vencedor, mencionou que o prazo de validade é resultado
de estudos técnicos, químicos e biológicos, para possibilitar ao mercado
consumidor a segurança de que, naquele prazo, o produto estará em plenas
condições de consumo.
“O fabricante, ao estabelecer prazo
de validade para consumo de seus produtos, atende aos comandos imperativos do
próprio Código de Defesa do Consumidor, especificamente, acerca da segurança do
produto, bem como da saúde dos consumidores”, ressaltou o ministro.
Para conhecer melhor a jurisprudência
do STJ sobre o tema, acesse a Pesquisa Pronta.
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