Consumidor possui direito de informação quanto às normas regulamentares do sorteio da Tele Sena
DECISÃO
A falta de clareza nas regras do
sorteio da Tele Sena Dia das Mães de 1999 garantiu a uma consumidora o direito
de receber o prêmio de R$ 300 mil. Ela teria completado os 25 pontos
necessários caso a 17ª dezena sorteada tivesse sido considerada no sorteio. A
decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Com sorteios transmitidos pelo canal
de televisão SBT, a Tele Sena é um título de capitalização sujeito ao Código de
Defesa do Consumidor (artigo 3º, parágrafo 2º). Os compradores de carnês
concorrem a prêmios em dinheiro. Nos carnês, as dezenas são divididas em dois
subconjuntos, e os ganhadores são aqueles que completam as 25 dezenas em
qualquer um deles.
Na edição especial de Dia das Mães de
1999 havia uma regra para reduzir o número de ganhadores que previa a
desconsideração da 17ª dezena sorteada no segundo subconjunto. A informação,
não explicitada em nenhuma publicidade do título, nem sequer justificada,
somente era conhecida quando aberto o carnê, que era vendido lacrado.
Regra complexa
Uma compradora adquiriu seu carnê e,
desconhecendo a complexa regra restritiva, ao acompanhar os sorteios acreditou
ter completado as 25 dezenas suficientes para lhe conferir o prêmio de R$ 300
mil. A empresa Liderança Capitalização S/A, responsável pela Tele Sena, não
pagou o prêmio, alegando que ela havia completado apenas 24 e não 25 dezenas,
pois um dos números seria desconsiderado.
A consumidora ingressou com ação na
Justiça requerendo o valor total do prêmio e indenização por danos morais.
Afirmou ter sido vítima de propaganda enganosa. Segundo ela, na divulgação dos
sorteios foi informado que seria necessário completar 25 pontos em qualquer uma
das duas cartelas Tele Sena, sem, contudo, nenhum esclarecimento quanto à
possível desconsideração de alguma dezena sorteada e a justificativa para
tanto.
O juiz de primeira instância afastou
a indenização por danos morais, condenando a empresa ao pagamento do prêmio de
R$ 300 mil à consumidora, atualizado desde a data prevista para a sua entrega e
acrescido de juros de mora de 6% ao ano a contar da citação. A sentença foi
confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
Indução a erro
A Liderança Capitalização recorreu ao
STJ. Afirmou que não houve propaganda enganosa nem uso de cláusula potestativa,
tida como aquela que atende à vontade exclusiva de uma das partes do contrato.
Em seu voto, o relator do processo,
ministro Villas Bôas Cueva, ressaltou que é enganosa qualquer mensagem falsa ou
que possa induzir o consumidor a erro, isto é, que o impeça de distinguir “a
natureza, as características, a quantidade, a qualidade, o preço, a origem e os
dados do produto contratado”. Para o ministro, no caso analisado é possível
perceber que a omissão da informação quanto às “regras do jogo” pela empresa
recorrente poderia gerar confusão a qualquer consumidor médio, facilmente
induzido a erro.
“Ressoa ainda notório que muito mais
lesiva é a propaganda enganosa para grande parte da população brasileira, menos
favorecida economicamente, cujas esperanças de melhoria de vida são amplamente
incentivadas pela oferta de soluções milagrosas, tais como sorteios com altas
recompensas financeiras, o que não é vedado pelo ordenamento jurídico, desde
que as regras quanto à premiação sejam claras, transparentes e perceptíveis aos
leigos em geral”, afirmou.
Lembrou ainda que a hipossuficiência
técnica, econômica, jurídica e informacional inerente ao consumidor impõe que
os contratos sejam redigidos em termos claros, com caracteres ostensivos e
legíveis, de modo a facilitar sua compreensão, com intuito de evitar o uso de
linguagem exageradamente técnica, que foge ao conhecimento do homem comum.
Concluiu que “o CDC, norma
principiológica por natureza, proíbe e limita os contratos impressos com letras
minúsculas que dificultem, desincentivem ou impeçam a leitura e a compreensão
de suas cláusulas pelo consumidor”.
Cláusula abusiva
O relator destacou que “o pressuposto
da clareza é absoluto”. Além disso, o dispositivo que prevê a possibilidade de
desconsideração do 17º número sorteado, sujeitando a consumidora ao arbítrio da
empresa recorrente, independentemente de ser inquinada de pura ou simplesmente
potestativa, é, antes de tudo, uma cláusula abusiva.
Considerou que “a informação perfaz
direito básico do consumidor, assegurado pelo artigo 6º, inciso IV, do CDC, mostrando-se
enganosa, nos termos do artigo 37, parágrafo 1º, do CDC, toda propaganda que
preste informação de maneira precária, incompreensível, obscura ou confusa,
conduzindo o consumidor a praticar um ato que, em circunstâncias normais, não
praticaria”.
A empresa, ao não informar sobre a
desconsideração da 17ª dezena sorteada no segundo subconjunto do sorteio,
obrigou o consumidor a cumprir cláusulas contratuais criadas unilateralmente,
não permitindo que ele conhecesse e compreendesse o sentido ou o alcance da
regra imposta e sujeitando-o ao seu arbítrio, motivo pelo qual tal cláusula foi
reputada puramente potestativa pelo tribunal de origem.
O ministro reconheceu que foi gerada
uma legítima expectativa de premiação, pois a consumidora não tinha nenhum esclarecimento
sobre os detalhes do complexo funcionamento do sorteio.
Como afirma em seu voto, a solução
foi imposta à consumidora, que não teve a chance de conhecer o contrato. Houve,
portanto, “um desvalor em relação à conduta da parte contrária na relação
jurídica”, o que é proibido no ordenamento jurídico.
Com esse entendimento, a Terceira
Tuma decidiu, por unanimidade, que a consumidora faz jus ao prêmio de R$ 300
mil prometido pela empresa de capitalização, pois se não houvesse sido
desconsiderada a 17ª dezena sorteada do subconjunto 2 – no caso, o número 14 –,
ela teria completado os 25 pontos e logrado êxito no sorteio.
Comentários
Postar um comentário