“O poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades.” (ARENDT, Hannah Condição Humana, 2007, p. 212)

Casal acusado de burlar lista de adoção consegue guarda de menor por meio de habeas corpus

DECISÃO

Em julgamento de habeas corpus, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu ordem de ofício para que uma criança de três meses, enviada a abrigo, fosse devolvida a um casal acusado de burlar a lista de adoção. A decisão foi unânime.

O habeas corpus foi impetrado contra decisão que negou liminar, o que só é admitido em casos excepcionais. A Turma reconheceu que esse não é o instrumento processual adequado para defender interesses da criança, mas entendeu que o caso era excepcional.

“Está-se diante de uma situação bastante delicada e que impõe a adoção de cautela e cuidado ímpar, dada a potencial possibilidade de ocorrência de dano grave e irreparável aos direitos da criança”, afirma a decisão. Para os ministros, esse é um caso que justifica o afastamento excepcional de todos os óbices que, em princípio, levariam ao não conhecimento do habeas corpus.


Adoção

O Hospital Universitário de Jundiaí (SP) ajuizou ação cautelar relatando suposta irregularidade no registro de nascimento da criança. Segundo a instituição, houve inconsistências entre as informações prestadas pela mãe e pelo suposto pai biológico.

De acordo com o hospital, a mãe teria intenções de deixar o filho em Jundiaí e retornar à sua cidade natal, no Pará. O suposto pai alegou que a criança era fruto de uma relação extraconjugal, mas sua esposa aceitou criá-la por causa da impossibilidade financeira da mãe biológica.

O juízo determinou por meio de liminar o acolhimento institucional da criança. Contra a decisão foi impetrado habeas corpus com pedido de liminar, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo manteve o acolhimento e determinou também a realização de exame de DNA.

No STJ, o casal alegou que quando a criança nasceu já estavam inscritos no Cadastro Nacional de Adoção por causa da dificuldade da esposa em engravidar. Disse que a medida de acolhimento institucional seria prejudicial à criança, pois teriam melhores condições para cuidar dela.

Estabilidade emocional

Os ministros entenderam como “temerária” a permanência da criança em um abrigo. Segundo a decisão, como as irregularidades no procedimento de adoção ainda são alvo de investigações, manter o menor em instituição de acolhimento configuraria uma “verdadeira inversão da ordem legal imposta pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, na qual esta opção deve ser a última e não a primeira a ser utilizada”.

Para os magistrados, não havia indício de situação de risco para a criança que justificasse trocar um lar estabelecido por um local de acolhimento institucional. Assim, o que melhor atende aos interesses da criança é permanecer sob os cuidados do casal até a decisão final do processo. 

A Turma considerou razoável a manutenção da situação estabelecida, inclusive porque a jurisprudência do STJ se consolidou no sentido de que “o menor deve ser protegido de sucessivas e abruptas alterações em seu lar, com vistas à proteção de sua estabilidade emocional”.

A conclusão da Turma é que o fim legítimo não justifica o meio ilegítimo para punir aqueles que burlam as regras relativas à adoção, principalmente quando a decisão judicial implica evidente prejuízo psicológico para o objeto primário da proteção estatal nessas situações, que é a própria criança.

Divergência

A Quarta Turma, também especializada no julgamento de processos de direito privado, teve entendimento diferente em caso semelhante. Em julgamento posterior ao da Terceira Turma, o colegiado não admitiu o uso de habeas corpus para retirar criança de abrigo e determinar sua permanência com o casal que pretende adotá-la.

O casal alegou violação ao direito de ir e vir do menor e disse que sua permanência por tempo indeterminado em abrigo inverteria a ordem legal imposta pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo o qual o recolhimento em instituição deve ser a última opção, e não a primeira.

Afirmou ainda que tinha condições de proporcionar amplos cuidados e atenção à criança durante a tramitação do processo de dissolução do poder familiar ajuizado pelo Ministério Público contra os pais biológicos do menor. O pedido do MP foi julgado procedente em primeiro grau, e a mãe da criança apelou.

A Quarta Turma negou a guarda provisória ao casal que pretende adotar a criança, mantendo-a em abrigo, por entender que não havia ameaça ao direito de locomoção do menor, que é o direito protegido por habeas corpus. Para os ministros, o habeas corpus é inviável no caso também por ser substituto de recurso próprio.
Os números destes processos não são divulgados em razão de segredo judicial.

http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/sala_de_noticias/noticias/Destaques/Casal-acusado-de-burlar-lista-de-ado%C3%A7%C3%A3o-consegue-guarda-de-menor-por-meio-de-habeas-corpus

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Dívidas contraídas no casamento devem ser partilhadas na separação

OPINIÃO Improbidade: principais jurisprudências e temas afetados pela Lei 14.230/2021

Legalidade, discricionariedade, proporcionalidade: o controle judicial dos atos administrativos na visão do STJ